Eu estava casada apenas há poucos meses. Muita coisa estava acontecendo, pois decidíramos passar nosso primeiro ano de casados em Israel. Dois meses após o casamento, fizemos as malas e embarcamos nesta viagem ao desconhecido – tanto em termos do país, como em termos de nossa vida. Embora eu tivesse passado um bom tempo em Israel, meu marido jamais estivera lá. E como recém-casados, ainda estávamos aprendendo a nos conhecer neste novo status de marido e mulher.

Além de tudo, chegamos com cerca de mil dólares no total de nossas economias, sem empregos ou uma idéia verdadeira sobre como iríamos sobreviver. Sabíamos que desejávamos que meu marido pudesse passar o primeiro ano estudando no Colel, na yeshivá, pois depois disso, ele não poderia dedicar todo seu tempo ao estudo. Eu, portanto, iria trabalhar e nos sustentar. Porém, jamais equacionamos o fato de que chegaríamos semanas antes de Tishrei, o mês repleto de feriados judaicos, o pior mês possível para procurar emprego.

Nosso apartamento era pouco maior que uma caixa de sapatos, sem ar condicionado, e era insuportável no calor do verão israelense. Após algumas semanas sem trabalho, sem perspectivas, e sem uma pausa na onda de calor, quando de repente comecei a me sentir terrivelmente nauseada.

Depois de uma semana decidi fazer um teste de gravidez, e para minha surpresa e choque, encontrei-me contemplando as duas pequenas linhas no vidro. Eu estava nervosa, assustada e perdida. Por mais que eu desejasse ter um filho, a ocasião parecia terrível e eu não sabia como passaríamos por aquilo. Sabíamos também que em nossa situação, poucas pessoas ficariam do nosso lado apoiando nossa decisão de ter um bebê tão cedo. Para eles isso parecia irresponsável, prematuro e totalmente inadequado.

Nem é preciso dizer que procurar trabalho agora se tornaria quase impossível. Apenas sair da cama pela manhã já era difícil, imagine pegar um ônibus lotado, sentir enjôo, descer no meio do nada procurando desesperadamente uma lata de lixo.

Eu estava acostumada a controlar minha vida. Era organizada, cuidava das coisas, sempre fazendo o que precisava ser feito. De repente, eu estava mal. Esquecia de tudo, uma aparência horrível, e não conseguia mais fazer as tarefas mais básicas sem ficar completamente exausta. Dormia muito, fazia poucas coisas, e mesmo assim estava exausta ao final do dia.

Então certo dia notei uma pequena mancha. Não dei muita importância, mas depois apareceu outra. A esta altura decidi ligar para o médico e perguntar se havia motivo para preocupação. Quando fui informada de que teria de ir imediatamente ao consultório para um ultrassom, fiquei gelada. Até aquela altura, minha gravidez tinha sido uma maravilha. Afinal, eu não fizera nada para impedi-la, e é claro que não haveria complicações, é claro que o parto seria fácil, é claro que eu teria um bebê lindo e sadio.

Eu estava errada.

Jamais me ocorreu que poderia haver um problema. Quando muito, esta gravidez tinha interrompido minha vida normal, eu estava um pouco contrariada, embora tolerando tudo generosamente. Eu estava entusiasmada com o bebê, apenas não tinha paciência para o processo de chegar lá.

Meu marido foi comigo ao médico. Era Sucot e meu aniversário. Lembrei-me de como, quando estava na escola, minha melhor amiga e eu decidimos qual era a melhor idade para se casar e a idade perfeita para ter um filho. Poucos dias antes do meu aniversário, pensei sobre como eu realment tinha me casado naquela idade “perfeita”, e agora estava grávida de nosso primeiro filho.

Eles quiseram fazer imediatamente o ultrassom. Eu ainda não tinha passado por ese exame, e não percebendo como minha situação era séria, estava empolgada para ver meu bebê. Olhei para a sala, pensando quanto tempo ainda faltaria para eu ver um pequeno feto se desenvolvendo, com braços e pernas, nadando lá dentro.

O médico passou gel no meu abdômen, e olhei a tela enquanto ele movia o instrumento. “Aqui está a bolsa,” disse ele apontando para uma parte redonda na tela. Continuou a procurar, porém tinha uma expressão neutra no rosto. Enquanto eu olhava fixamente para a tela, não pude entender para o que ele estava olhando, pois eu não conseguia ver coisa alguma.

“Sinto muito, mas a bolsa está vazia,” disse ele, como se estivesse tentando se desculpar.

Silêncio.

Como você reage a isso? O que isso significa? Não sou do tipo que chora na frente de outras pessoas, mas as lágrimas simplesmente começaram a descer pelo meu rosto. Vazia?

O médico tentou explicar calmamente que eu tinha um óvulo gorado. Que a gravidez na verdade jamais tinha ocorrido, e que basicamente havia um grupo de células dentro da bolsa de gravidez, mas não havia feto.

Suas palavras continuavam ecoando sem parar na minha cabeça.

Vazia. Vazia. Vazia.

A partir do momento em que ele pronunciou aquelas palavras, minha vida ficou vazia. Meu marido não sabia como consolar-me. Eu não queria ser consolada. Eu queria um bebê saudável. Porém de repente eu não tinha nada, Era como se nada tivesse acontecido. Era como se eu tivesse entrado numa falsa realidade que jamais tinha ocorrido.

Durante três meses, eu pensei que estava carregando um bebê. Eu falava com ele, me conectava com ele, eu amava este bebê. Na verdade, pelo menos medicamente falando, eu jamais estive realmente grávida. Eu tinha células de gravidez, mas gravidez não. Portanto, enquanto minha cintura aumentava e meu corpo tinha os sintomas típicos, o problema era que o feto em si estava faltando.

Eu me senti como uma tola. Pensei que deveria ter sabido mais. Afinal, como poderia estar tão desligada de mim mesma e do meu corpo, a ponto de não reconhecer que este bebê nem sequer existia?

O restante da minha experiência foi ainda mais horrivel. Ali estava o médico que tinha me ajudado, e que não continuaria a me atender porque meu seguro não cobria suas consultas. Houve o pronto socorro onde eu esperei por horas intermináveis, e então quando não havia um leito livre, fui colocada com as mulheres que tinham acabado de dar à luz. Enquanto eu sentava e chorava, elas acalentavam seus bebês. Havia as enfermeiras, que embora tentassem ser bondosas, disseram-me para não me preocupar, que eu era jovem, e que engravidaria novamente.

A verdade é que eu estava aturdida demais para sequer me preocupar. As feridas ainda estavam tão frescas que eu nem as sentia. Fisicamente eu sabia que ficaria bem, Emocionalmente, não sabia como enfrentar aquilo.

Aquilo que mais recordo é sentir-me tão sozinha. Eu sentia que ninguém poderia me entender, e que ninguém tinha passado por aquilo antes. Até aquele dia, eu não conhecera ninguém que tivesse perdido um bebê. Ou assim eu pensava. Meu marido queria muito me dar apoio, mas eu queria que ele sentisse minha perda da mesma maneira que eu a sentia, e isso ele não podia. Ele também tinha perdido uma gravidez, mas o bebê não tinha crescido, ou mais corretamente, não crescido, dentro dele. Ele podia simpatizar, mas não podia empatizar.

Eu me sentia uma mulher fracassada. Isso não era racional, mas era assim que eu me sentia. O que havia de errado comigo, que nem sequer podia ter uma gravidez saudável? E se jamais o pudesse? Os pensamentos eram avassaladores. Eu estava aterrorizada pensando que talvez jamais tivesse um filho.

E então pensei sobre todas as vezes em que fiquei aborrecida com a gravidez. Todas as vezes em que desejei que tivesse acontecido em outra ocasião. E não, de maneira alguma eu pensava ser a causadora daquela perda. De maneira alguma eu achava que era algum tipo de punição. Ao contrário, eu desejava fortemente que eu tivesse usado o tempo para ter reconhecido o milagre que é uma gravidez. Desejei ter sido grata pelo fato de conceber tão facilmente, pois muitas outras não tinham a mesma sorte.

Até eu sofrer a perda, nada sabia sobre aborto e pensava ser uma ocorrência muito rara. Não tinha idéia de como era comum ou quantas mulheres passavam por aquilo. De repente, à medida que as pessoas próximas a mim ficavam sabendo da minha situação, os telefonemas começaram a chover. Mulheres que tinham numerosos filhos, que pareciam estar sempre grávidas, contaram-me suas histórias de perdas. Uma mulher que tinha acabado de ter seu sétimo filho disse que para cada bebê que ela tinha, perdera um. Fiquei surpresa. Estas mulheres me deram apoio, me encorajaram. Elas eram a prova de que a vida seguia em frente e que não havia motivo para acreditar que eu não conseguiria ter uma gravidez saudável. Porém o mais importante, elas transmitiram a mensagem de que nada, absolutamente nada, pode ser tomado como garantido.

Eu não engravidei logo depois como alguém tinha me falado. Também não me senti melhor após apenas algumas semanas. Para ser franca, fiquei traumatizada durante algum tempo, e num certo sentido, para sempre. Eu tinha perdido uma parte de mim com aquela gravidez. Havia um bebê que jamais viria a este mundo, e havia uma inocência e arrogância em mim que me protegiam, dizendo que tudo fora para o bem.

Infelizmente, este não foi meu único aborto. Sofri outro alguns anos depois. Porém dessa vez, o conhecimento de que eu não estava sozinha e que nada havia de errado comigo tornaram aquilo mais suportável. Porém ainda era horrível e assustador. Esta era minha terceira gravidez, e duas tinham sido abortos. Não era um bom placar. A estatística, porém, afirma que uma em cada três gravidezes termina em aborto.

Através das minhas perdas, no entanto, também consegui ganhar tremendamente. Se não fosse pelo meu sofrimento, eu não teria sido capaz de apreciar uma gravidez saudável da mesma maneira. Senti muita gratidão com a gravidez, desde o momento em que a descobri até a hora do nascimento.

Quando eu ficava cansada, irritada ou não me sentia bem, lembrava a mim mesma do milagre e da bênção, e como eu estava feliz por meu bebê ser sadio.

A aprendi que jamais se pode saber aquilo que outra pessoa está passando. Fui abençoada com quatro filhos, com idades muito próximas. Com o mais velho aos seis anos e o mais novo com um ano, muitas vezes me perguntam quantos mais pretendo ter. Com freqüência, quando telefono para alguém com quem não falo há algum tempo, a primeira pergunta é: “Você está grávida outra vez?” Mal sabem estas pessoas que embora eu possa parecer uma máquina de fazer bebês, eu chorei durante meses após a perda das minhas duas gravidezes.

Estas pessoas não entendem que com meu segundo bebê, fui levada às pressas para o pronto socorro no segundo trimestre, enquanto eu perdia muito sangue, e eles não acreditavam que o bebê pudesse sobreviver. Eles não entendem que com meu terceiro filho, ele não apareceu em três ultrassons, quando na verdade minhas datas estavam erradas e ele simplesmente era jovem demais para que ouvissem seu coração bater. Sem dúvida eu fui abençoada. Porém eu não diria que tudo foi fácil.

Rabi Ginsburgh, meu rabino, ensinou-me a mais bela das lições após uma de minhas perdas. Ele explicou que cada alma trazida a este mundo vem por um motivo específico, e serve a um propósito muito especial. Vivemos nossa vida para cumprir esta missão e para cada pessoa isso leva uma quantidade diferente de tempo, ao longo de uma jornada única e específica. Além das almas novas que vêm a este mundo, há também almas que retornam para completar aquilo que não conseguiram fazer na vida anterior.

Às vezes estas almas precisam viver o tempo completo de uma vida, outras precisam apenas alguns poucos anos, outras alguns meses, até mesmo alguns dias. E há as almas que precisam tão pouco para completar sua missão, que sua alma precisa apenas ficar dentro de um corpo o suficiente para fazer bater o coração ou simplesmente criar uma gravidez. Estas são as almas mais elevadas – as almas dos realmente justos e puros tsadikim cuja missão levou tão pouco tempo para completar.

Porém, para a mulher que perdeu sua gravidez, isso não leva o sofrimento embora. Porém dá um significado e torna tudo mais fácil. Enquanto eu rezo por mim e por outras para termos apenas bebês e filhos que tenham muito para completar e a realizar, para que tenham vidas plenas e longas, sinto-me feliz por saber que minha perda não foi à toa. Ao contrário daquilo que o médico disse, a bolsa não estava vazia. E todo o enjôo matinal e o trauma emocional serviram para algum propósito. Um propósito muito importante. Pois eu fui escolhida, por um motivo ou outro, como o conduíte para ajudar uma alma sagrada em sua missão final e vital. E isso para mim significa muito.


As informações contidas neste artigo de maneira alguma pretende dar orientação médica ou haláchica. Consulte um médico ou rabino se você tiver perguntas a fazer em algumas dessas áreas delicadas.