Na véspera de Yom Kipur, o oficial voltou de sua ronda pelas aldeias vizinhas e enviou uma mensagem de que um navio "quebra-gelo" não estava conseguindo chegar à praia para descarregar suas mercadorias. Portanto, deveríamos ir até lá e transferir manualmente a carga. Era o dia solene antes de Yom Kipur e como a mensagem foi dada de maneira geral e nenhuma pessoa específica fora designada para a tarefa, decidi permanecer para trás. Pela manhã, o dia sagrado de Yom Kipur, o emissário apareceu novamente e desta vez ordenou que todos nós procurássemos o oficial. Este era o procedimento normal em todos os exílios, onde quer que esteja localizado: reportar regularmente ao oficial administrativo local. Na aldeia de Yum exigiram que nos apresentássemos semanalmente. Enquanto estávamos na fila, observei que o oficial fazia perguntas a cada pessoa e então o prisioneiro tinha de assinar seu nome. Na minha vez, respondi a todas as perguntas, mas quando ele me entregou o formulário para assinar, eu disse: "Hoje é um feriado judaico. Yom Kipur, e é proibido escrever." Acrescentei que embora fôssemos exigidos a nos apresentar regularmente em Yum e nossa presença registrada, nunca tínhamos sido obrigados a assinar.
O oficial ficou furioso. Levantou-se e gritou: "Você está aqui para falar sobre assuntos religiosos? Isso não existe nesta área!" Permaneci em silêncio e não assinei. Em seguida, o oficial anunciou que eu deveria me apresentar a ele daí a cinco dias. Estávamos livres para ir. Nossa próxima apresentação deveria ser no primeiro dia do feriado de Sucot.
Antes de Sucot eu tinha me preocupado sobre os meios para construir a sucá. Não havia material, o s'chach – folhagens, disponível com o qual fosse permitido cobrir a sucá. A área na entrada onde estávamos bastava para as paredes da sucá, mas eu não tinha nada para cobri-la. Fui informado pelos habitantes do local que a cerca de 30 quilômetros de distância crescia junco com pouco menos de um metro de altura.
Entre os prisioneiros estava um professor de metalurgia da cidade de Kostrama, cujo nome era Vasilov. Era um velho solteirão, empobrecido e oprimido pelas circunstâncias, não tendo parentes para enviar-lhe alguma ajuda material. Nós outros recebíamos pacotes e dinheiro de casa de tempos em tempos, mas ele nada recebia.
Dei-lhe duas porções de bolo que recebera de casa, e ele retribuiu viajando e trazendo o s'chach para mim. Assim, finalmente consegui minha sucá. Porém eu não a teria por muito tempo. Na segunda noite de Sucot fui preso com dois homens e logo depois a sucá desapareceu completamente. Um vento forte soprou e dispersou o s'chach.
Quando nos apresentamos ao oficial do governo pela segunda vez, repetiu-se o incidente anterior. Quando chegou minha vez de assinar, informei a ele que aquele dia era um feriado. O oficial explodiu em fúria. "O que é isso? Outro feriado? Você veio aqui para observância religiosa? Você é um prisioneiro! Siga-me!"
Levou-me a uma casa próxima, que estava às escuras. Mandou-me entrar e fechou a porta. Era a segunda noite de Sucot, e estava na hora da prece noturna. Eu precisava de um pouco de água para a ablução ritual das mãos e comecei a bater na porta. Quando o guarda apareceu, disse-lhe que tinha sede e queria água. Ele trouxe-me uma tigela de água e pude lavar minhas mãos e rezar. Quando terminei minhas preces, sentei-me e adormeci.
Passaram-se algumas horas, e de repente, a porta se abriu. O oficial da GPU apareceu com seu ajudante, e mandou que eu o seguisse. O medo e a amargura me dominaram, pois quando eu me recusara a assinar pela segunda vez, ele tinha ameaçado furiosamente enviar-me a um local onde não haveria mais necessidade de assinar.
Eu tinha sido informado que havia tal lugar para encarceramento, 140 quilômetros ao norte. O nome do lugar era Kopetugan. Ninguém jamais voltara de lá. As pessoas pereciam porque não podiam suportar condições tão difíceis. Ele prosseguiu, e eu o segui. Quando chegamos ao ponto onde ele tinha de virar para entrar em sua casa, ele perguntou-me com ódio: "Quando será permitido você assinar?" Respondi que no dia seguinte ao anoitecer. "Então venha me ver amanhã à noite" – ordenou ele e nos separamos, cada qual voltando a sua própria casa.
Na noite seguinte, eu o procurei. Ele me disse: "Também sou um prisioneiro. Tenho sido castigado trabalhando como oficial administrativo por cinco anos. Sou obrigado a cumprir meus deveres. Por que precisa ser tão teimoso? Por favor, obedeça aos regulamentos."
Expliquei-lhe calmamente que a única ocasião em que era permitido violar o Shabat ou os Feriados era se a vida de alguém estivesse em perigo, e que ele não tinha o direito de atirar em mim por não obedecer. Eu estava bem informado a esse respeito com base em meu encarceramento na prisão de Buterka em Moscou e mais tarde me Swerdelowsk. Além disso, havia exemplos na Torá, quando alguém estava obrigado a sacrificar a própria vida em vez de transgredir: expliquei que isso se aplicava aos três pecados capitais de assassinato, imoralidade e idolatria. Ele escutou atentamente e quando concluí, declarou: "Tudo isso está muito bem no ambiente de seu lar, mas não se aplica aqui. Já houve muitos sacerdotes religiosos que abandonaram inteiramente suas práticas anteriores."
Repliquei que a Lei da Torá é universal e aplica-se a toda e qualquer região geográfica na qual um indivíduo possa estar.
Após uma longa conversa, ele finalmente disse-me com gentileza: "Assegure-me que isso não voltará a ocorrer." Concordei em tentar evitar mais confrontos, mas pensei comigo mesmo que eu lidaria com as futuras situações, quando elas surgissem, da maneira que fosse religiosamente permitido.
Por Rabi A. B. Metzger para Yiddishe Heim
(Extraído da narrativa de Rabi Kahn sobre seus 3 anos e prisão pelos seus esforços em prol da Educação de Torá)
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