Muitas festas em nosso calendário, quando comemoradas, são através do ato de reunir a família em torno de uma "mesa farta". Tudo estaria perfeito, não fosse o fato da celebração ficar só nisto.

É o caso de festas como Rosh Hashaná ou a quebra do jejum após Yom Kippur. O sêder entra nesta categoria, evento que deveria ser dedicado à compreensão do destino pessoal e histórico do povo judeu é visto, primeiramente, como reunião familiar. Reduzir esta experiência, potencialmente inspiradora, à mera reunião social é erro trágico, se não espiritualmente fatal.

Grandes líderes de todas gerações têm repetidamente advertido para não cumprirmos os preceitos da Torá mecanicamente. A desvantagem do comportamento repetitivo é a susceptibilidade às armadilhas do sem significado. Se os jovens ficarem sem respostas, as reuniões sem sentido, amanhã ele poderá já não estar mais aqui e a simples imagem de seu lugar vazio é motivo para reflexão.

Vejamos algumas das razões profundas que motivam a família a se reunir no sêder de Pêssach em torno de uma mesa repleta de símbolos que refletem diferentes mensagens.

O Significado de Família

O sêder como acontecimento familiar, remonta desde a época da primeira fonte de vida judaica, a Torá. No capítulo que descreve o primeiro mandamento ao povo judeu, a Torá introduz a mitsvá do Corbán Pêssach (cordeiro pascal). Deveria ser "um cordeiro, para cada família, um cordeiro para cada casa". O elemento de união explicitado por "casa" é requisito primeiro deste mandamento.

De acordo com algumas autoridades, mesmo sendo rico suficiente para comprar o próprio cordeiro e faminto o bastante para consumi-lo sozinho, deveria, mesmo assim, engajar-se na companhia de outra pessoa para cumprir o preceito.

Claramente a necessidade de união é básica para cumprir o mandamento do cordeiro pascal e também para toda a primeira noite de Pêssach, quando era ingerido. As palavras "um cordeiro para cada família" sugere unidade familiar ao redor da mesa. Qualquer um, pronto para dividir os custos da aquisição de um cordeiro, torna-se parte da família. No tocante à Pêssach, o conceito de parentesco é relativo. O vizinho que não possui parentesco, é um amigo espiritual e torna-se parte da família _ conceito este amplamente descrito e manifesto na declaração da abertura da Hagadá: "Quem quer que esteja faminto que venha e coma."

Nosso cuidado e preocupação não pode estar limitado à família de forma restrita, apenas aos parentes de sangue, mas sim, ensina a Hagadá, com a família em seu sentido profundo; com qualquer um que deseje compartilhar deste grupo e se beneficiar dele.

Recompensa

O trabalho árduo de limpar anualmente toda a casa para se livrar do chamêts resulta em uma forte tensão aliviada na noite de Pêssach. O intenso empenho destinado ao preparo dos elementos essenciais para Pêssach culmina num sentimento de liberação de trabalho.

Trata-se de instinto natural relaxar após esforço excessivo. Um aluno que acaba de passar por um difícil exame se sentirá aliviado assistindo a um vídeo. O trabalhador que armazena tensões reprimidas no trabalho diário procurará alívio em um jogo de futebol. A mensagem das leis de Pêssach é preencher nossos reservatórios de energia física positiva e útil.

O paradoxo de Pêssach é que estamos, ao mesmo tempo, cansados e repletos de vida. O cansaço é um fenômeno físico e a energia, espiritual. Neste quadro, quase contraditório nós, assim como nossos ancestrais do Egito, experimentamos uma responsabilidade imediata: cansados do passado, confiantes no futuro, compartilhamos de uma mesma experiência. Temos a liberdade de redescobrir e continuar a traçar nossa história.

Os Quatro Filhos

O sêder propriamente dito se concentra na nova geração. A Hagadá relata sobre quatro tipos de filhos: o sábio, o perverso, o simplório e aquele que não sabe perguntar.

A maneira do filho perverso perguntar sugere o equivalente ao adolescente rebelde moderno. Mas há uma diferença. O adolescente contemporâneo expressa seu desencantamento saindo de casa. O singular é que a Hagadá não se preocupa somente com a identificação das diversas personalidades, mas sim indica que o filho perverso também possui um lugar no sêder. Na verdade, o sêder estará incompleto sem ele.

O filho rebelde tem o mesmo direito de fazer perguntas. Mais ainda, o chefe de família deve criar uma atmosfera apropriada para despertá-las. Significa que o pai está pronto para ouvir o filho, compreendê-lo e esclarecer.

Enquanto o elo comunicativo não for rompido, a influência do lar permanecerá ativa na vida do jovem. Uma casa onde mesmo o filho desafiador sente-se acolhido é um lar de esperança. Além de tudo, o sêder nos alerta para a responsabilidade de nunca permitir que o desvio ultrapasse as fronteiras do lar. "Se a gravata está aqui, o nó nunca estará muito distante."

Respeito Mútuo

Um pai somente pode exigir respeito do filho se houver comunicação e se estiver sempre pronto a recebê-lo de braços abertos. O mandamento de honrar aos pais foi ordenado aos filhos, porém o Talmud deposita a responsabilidade de estimular essa consideração através do exemplo que deve vir dos pais. Devem tratar o filho com respeito, se também quiserem ser respeitados.

Os Anjos e a Comunicação

O segredo da habilidade de comunicação pode ser encontrado em uma interessante passagem talmúdica. A cobertura da Arca do Templo Sagrado era feita de ouro batido, com dois anjos um de cada lado.

O Talmud relata uma possível contradição sobre a posição dos dois anjos. A primeira opinião comenta que eles estavam de frente um para o outro e contemplavam-se; isto acontecia quando o povo de Israel obedecia a D'us.

A segunda afirma que estavam voltados para si; foi quando o povo não cumpria a vontade do Criador. A mensagem é clara. Se um homem está realmente voltado para realizar a vontade de D'us, haverá preocupação e comunicação com o próximo. Se desviar-se de sua responsabilidade espiritual, se voltará para si próprio, ficando distante dos amigos e mergulhando em seu próprio mundo. Os anjos simbolizam essa comunicação. Completam a cobertura da Arca que guarda a Torá, indicando o papel dela na adequação das relações humanas.

Segundo nossa herança, um adulto, aquele que aprendeu e alcançou tudo que é possível, é somente um conceito teórico. Somos na realidade crianças por termos ainda muitos mundos a conquistar.

Hierarquicamente, há pais e filhos, mas na comunicação verdadeira, devemos nos apoiar no exemplo dos anjos da Arca, a comunicação de pessoas se conscientizando que têm para receber, assim como para dar. Meramente a condição básica de sentar-se com o próximo, constitui-se metade da solução do problema, pois significa reconhecimento mútuo. Essa competência é a suposição básica da Hagadá e a fonte de esperança em cada família.

Pêssach e a família são inseparáveis, considerando-se que o motivo da ligação não é social, mas uma comunicação significativa, sobre nosso destino pessoal e histórico e que deve ser reforçado em nossos encontros diários.

Pais, ao tentar moldar filhos, freqüentemente exageram o poder da autoridade. Filhos, no processo de encontrar seu próprio espaço na vida, frustram-se com excesso de domínio. Mas quando a criança se torna genitor, vem a reconhecer a dificuldade da posição dos pais, transformando-se num filho melhor. Assim, tão logo nossos filhos tenham filhos, haverá maior união, integridade na família e admiração da criança pelo desafio de ser pai.

O sêder de Pêssach é mais do que um jantar em família; é o elo de comunicação que reforça os laços de três gerações e onde "uma corda tripla não é facilmente rompida".

O sêder solda nosso passado e nos arremessa a um futuro onde, o lance marcará pontos a favor do placar de todas as gerações. Nossos jovens se sentarão pela fome e sede de querer fazer e entender mais. Eles certamente estarão aqui amanhã.