Sabedoria de uma Criança

Um menino vê o boletim da sinagoga anunciando que a congregação acaba de contratar um novo rabino e seu nome é Rabino Dr. Epstein. A criança fica tão empolgada pelo fato de o novo rabino ser também um médico, que da próxima vez que tem uma dor de estômago, telefona para a sinagoga.

“Eu gostaria de falar com o Rabino Doutor”, diz o menino.

O rabino atende e pergunta como pode ajudar.

“Bem, Rabino,” diz o menino, “tenho uma dor de estômago e gostaria de saber o que o senhor sugere.”

“Desculpe, meu filho,” responde o rabino, “mas não sou um doutor em Medicina.”

“Que tipo de doutor é?” pergunta o garoto.

“Sou doutor em Filosofia,” foi a resposta.

O menino pensou por um instante e perguntou:

“Que tipo de doença é esta?”

Definição de Chutspá

Chutspá é ir ao psiquiatra por causa de uma personalidade dividida, e pedir terapia em grupo.

Cena de Abertura

Toda a história e mistério do Judaísmo começa na Torá com o seguinte episódio: “D’us disse a Avraham: ‘Anda de tua terra e da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que Eu te mostrarei. E farei de ti uma grande nação, Eu te abençoarei, e engrandecerei teu nome e serás uma bênção'… e todas as famílias da terra serão abençoadas através de ti1(1).”

Avraham obedece. Deixa o lar, viaja com a família para Canaaã (que mais tarde se tornaria Erets Yisrael), onde se torna o pai fundador de um povo que desde então se destaca na presença de todas as civilizações e culturas. E então?

Algumas questões vêm à mente2: 1 – Poderia parecer que a instrução de D’us a Avraham – a primeira comunicação entre D’us e Avraham, e a cena de abertura de toda a história judaica – para deixar sua casa encerraria a essência e o ponto principal da mensagem judaica. Mas onde se pode reconhecer aqui qualquer profundidade espiritual ou filosófica que não seja um mandamento para trocar de casas?

2 – Qual o significado das palavras ‘Anda de tua terra e da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que Eu te mostrarei.” Como alguém “sai, vai embora por si mesmo” quando deixa sua casa?

Conhecendo a meticulosidade em cada palavra e frase na Torá, surgem mais duas questões:

3 – As palavras “teu local de nascimento e a casa do teu pai” parecem supérfluas. Se você deixa sua terra, não deixa automaticamente seu local de nascimento e a casa do seu pai?

4 – Qualquer que seja o motivo para a Torá especificar todos os três locais, a ordem deveria ter sido invertida. Primeiro você deixa a casa do seu pai, depois seu local de nascimento e somente depois deixa sua terra. Não faria sentido dizer a alguém: “Saia dos Estados Unidos, para a Califórnia e vá de Malibu.” Se você deixou os Estados Unidos, por definição deixou também a Califórnia e Malibu.

5 – Por que somente trocando de casas Avraham poderia se tornar o pai de uma “grande nação” e uma fonte de bênção para o mundo?

As Forças que Nos Moldam

A maioria de nós foi moldada por três influências básicas: nossa terra, nosso local de nascimento e a casa dos nossos pais.

Nosso país, que inclui o governo, a cultura, a mídia, a literatura e os heróis de nosso país; nosso local de nascimento, que inclui as instituições sociais e educacionais de nossas comunidades; e o lar de nossos pais, a natureza de nossos pais e família – estas são as forças que moldam nossas perspectivas, caracteres e estilos de vida.

Num nível mais profundo, cada um de nós possui estas três dimensões na própria psique:

O termo hebraico para “tua terra” – hartzecah – pode ser traduzido como “teus anseios”3.” O termo hebraico para “teu local de nascimento” – moladetecah – pode ser traduzido como “sua natureza inata”.O termo hebraico usado para “a casa de teu pai” – “beit avecah” – é explicado na Cabalá4 para denotar “o lar de teu intelecto.”Assim como os pais servem à função de definir a realidade para seus filhos, assim também é a função de nossa mente e intelecto em nossa vida.

Portanto diz D’us a Avraham e a todo ser humano em busca da própria identidade: “Anda[saia, por si mesmo] , de teus anseios, de tuas tendências inatas e dos teus paradigmas intelectuais.” É somente fazendo assim que você descobre a si mesmo, seu verdadeiro ser, seu “Eu” mais profundo.

A Alma de Um Anseio

Há três obstáculos importantes que ficam na estrada rumo à auto-descoberta.

O primeiro são os seus anseios, impulsos e vontades.

Cada um de nós é dominado pelo nosso conjunto individual de anseios. Você está carente de atenção, cumprimentos e aprovação? Anseia por nicotina, álcool ou drogas? Está obcecado por uma ânsia incessante de intimidade física? Está apaixonado por comida? Gosta de dominar e controlar a vida de outras pessoas?

Embora uma leitura superficial sobre a vida possa ditar que ir atrás de seus anseios constitui o caminho para auto-gratificação e auto-realização, a verdade é que preencher os seus anseios aliena você de si mesmo numa maneira muito poderosa. Por quê? Porque a maioria dos anseios esconde mais do que revela. Por baixo de cada anseio está um vácuo subconsciente, uma criança chorando.

No âmago de cada interesse por outro ser humano ou obsessão pela intimidade, comida ou atenção, pode estar o anseio da alma por um senso de valor e dignidade interiores, por companheirismo, vulnerabilidade e genuína auto-realização.

Nossa psique, no entanto, distorce nossa clareza e atribui falso simbolismo a buscas essencialmente ocas. Como resultado dessa distorção, desperdiçamos nosso tempo e paixão perseguindo nossos anseios e impulsos na crença equivocada de que eles preencherão o vácuo em nosso coração e matarão a fome de nossa alma.

Se você realmente deseja crescer, deve reunir a coragem e força para “sair de seus anseios”, para declarar “Não!” aos seus desejos auto-indulgentes.

Quem Mexeu no Meu Queijo?

O próximo passo – muito mais difícil, é – “Saia de tuas tendências inatas.”

Muitos de nós possuímos nossa própria “zona de conforto” a partir da qual não ousamos nos aventurar. Temos nossos passatempos, amigos, ambientes, estilos de vida e horários.

Embora estes hábitos encravados pareçam intrínsecos à nossa identidade, eles podem tornar-se um dos maiores obstáculos à genuína auto-consciência e realização, pois asseguram que nossa vida inteira se revolva ao redor de circunstâncias familiares e que reajamos a situações de maneira quase automática.

Se você deseja encontrar o seu ser, deve “Ir de seus hábitos inatos,” desafiando sua zona de conforto e engajando-se em coisas que são extremamente desconfortáveis. Libere a imagem e a pessoa através da qual você se projeta numa base diária.

Deixando os Paradigmas

O passo seguinte, o mais difícil, é “deixa teu lar intelectual.”

Nossos anseios apelam a nós em nome do prazer. Nossos hábitos apelam a nós em nome do conforto e familiaridade. Porém nossos paradigmas filosóficos clamam a nós em nome da verdade. Eles querem carregar a tocha da realidade objetiva, quando na verdade eles com freqüência nos permitem permanecer parados no atoleiro de nossa mediocridade.

A maioria de nós constrói um par de óculos através dos quais vemos a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. Todas as nossas opiniões, convicções e paixões, e muitas das nossas atitudes, são sintomas deste paradigma filosófico que construímos para nós mesmos. Muitas vezes nos convencemos que nosso bom senso e conclusões racionais são o supremo precursor da verdade.

A fim de encontrar seu ser mais profundo, você deve estar preparado para abrir-se a uma maneira diferente de pensar.

O que Resta?

“Sai de teus anseios, teus hábitos, de tua maneira de pensar,” é o chamado de D’us a todo ser humano que deseja escutar.

“Se eu deixar tudo isso,” pergunto eu, “o que restará de mim?”

“Você mesmo,” diz D’us ao homem. “O seu ser, que é aquilo que sobrará de você.”

O próprio âmago da sua existência. O intocável e quintessencial “Eu” que não é moldado ou definido por nada ou ninguém fora de si mesmo. Aquele espaço indescritível que constitui a essência de sua dignidade, inabalável e inalterável.

Aquele estado essencial de ser quando o homem e D’us ficam face a face – é isso que restará quando você se livrar de todas as suas camadas.

Uma Fonte de Bênção

Uma vez que você atinja este espaço dentro de você, pode tornar-se uma grande nação e uma fonte de bênção para o mundo inteiro, D’us diz a Avraham. Pois enquanto você não tiver feito as pazes com o seu verdadeiro ser, jamais pode realmente estar lá para mais alguém neste mundo. Todo relacionamento conterá um componente parasita, pois você está num estado de perpétuo anseio pela genuína auto-consciência.

Assim começa a jornada de Avraham – a jornada do primeiro judeu.

Pois não é esta a missão do Judaísmo? Restaurar à humanidade da dignidade perdida.

Quando conquistar isto, conquistará sua verdadeira liberdade.5