O chassidismo, cuja meta é "serviço Divino através da alegria," despertou enorme interesse pelo mundo afora, e conseguiu arregimentar seguidores em massa. Numerosas comunidades judaicas, em vários países, aceitaram as diretrizes do espírito desse movimento. Contudo, conforme o movimento chassídico crescia e se difundia, surgiu um contra-movimento, que se opunha à própria existência do chassidismo, a seus ensinamentos e práticas.
Entre os círculos acadêmicos da Lituânia, havia forte oposição às doutrinas que o Alter Rebe apresentara e iniciara. Travou-se feroz batalha contra os chassidim. Esta batalha, apesar de veemente e eivada de insultos, calúnias e banimentos, permaneceu, por um tempo, uma disputa interna entre as fileiras das partes concernentes, sem envolver as autoridades da época.
Em dezenove de Kislev de 5533 o grande Maguid de Mezritch faleceu. Desde então, a batalha dos oponentes ao chassidismo tornou-se ainda mais intensa, com retaliações cada vez mais ásperas, banimentos e verdadeiras perseguições. Esta situação causou grande preocupação, e Rabi Mendel de Vitebsk, antigo discípulo do Maguid, e seu colega mais jovem, Rabi Shneur Zalman de Liadi empreenderam uma viagem a Vilna. Juntos, partiram para encontrar-se com o Gaon de Vilna, o líder dos mitnagdim (oponentes do chassidismo), com a intenção de explicar-lhe as doutrinas e ensinamentos do chassidismo. Todavia, esta missão de paz provou ser vã, pois o Gaon foi inflexível em sua recusa a recebê-los. Nem mesmo os apelos dos líderes comunitários de Vilna, que intervieram junto ao Gaon para que recebesse os dois emissários e colocasse, desta forma, um fim à disputa, conseguiram demovê-lo; foi tudo em vão, e o conflito continuou com total intensidade.
Rabi Mendel de Vitebsk e vários de seus colegas, especialmente os da Lituânia, como Rabi Yisrael de Polotsk, e Rabi Avraham de Kalisk, não conseguiam mais suportar as perseguições, e mudaram-se para a Terra Santa. Juntaram-se a eles algumas poucas centenas de famílias de chassidim.
O Alter Rebe também reuniu sua família, e junto com seus três irmãos e familiares, juntaram-se ao grupo, a fim de subirem à Terra Santa. No meio da jornada, ao chegarem a Mohilev-Podolsk, o Alter Rebe mudou de idéia. Após longas deliberações e profunda busca d'alma, decidiu voltar para a Lituânia, e recebeu sobre si a tarefa de expor e disseminar os ensinamentos do Báal Shem Tov e do Maguid.
Ao voltar de Mohilev-Podolsk, o Rebe foi bem recebido em todas as comunidades, com grande entusiasmo e arrebatamento. Sua proficiência no Talmud for aclamada até mesmo por eruditos oponentes do chassidismo. Onde quer que fosse, realizava dissertações nas quais discorria entusiasticamente acerca do mundo da Torá. Chegando a Liozna, deu início sua filosofia extraordinária, conhecida como a escola Chabad de chassidismo. Ao mesmo tempo, fundou uma yeshivá, onde juntou muitos jovens talentosos, introduzindo-os aos ensinamentos do chassidismo, à luz de seus comentários e explanações originais.
Os oponentes do chassidismo renovaram sua batalha. Porém, face ao desenvolvimento diário da comunidade chassídica, e a expansão mais intensa dos ensinamentos e práticas chassídicas em todas as comunidades, grandes e pequenas da Lituânia judaica, a oposição perdeu muito de sua força. Passou-se um período de vinte anos, durante os quais o chassidismo de Chabad fez excelentes progressos, ao mesmo tempo em que os banimentos e perseguições amainaram. Este status quo continuou até o falecimento do Gaon de Vilna, a mais forte personalidade do movimento oponente.
Em 5558 (1798-9) o fogo da discórdia irrompeu novamente com ímpeto maior que o anterior, desta vez levando abertamente a calúnias e difamações. As flechas mais afiadas da oposição estavam apontadas em direção ao Alter Rebe, que se tornou o alvo principal de todas as acusações. Isto devido à posição do Rebe como indivíduo excepcional do mundo chassídico de sua época e que, graças às suas extraordinárias habilidades de organização, obteve êxito em levantar a importância e representatividade de seu movimento a níveis muito elevados. Contudo, é preciso que se registre, também havia uma causa mais específica para que o Rebe se destacasse, a saber, a publicação e disseminação de sua obra magna, o Tanya.
Rabi Shneur Zalman escreveu muitas obras, das quais as mais famosas são:
- Shulchan Aruch, uma revisão do Código Judaico de Leis, atualizando-as.
- Torá Or, discursos e comentários sobre os livros de Bereshit, Shemot e Ester.
- Licutê Torá, discursos e comentários acerca dos livros de Vayicrá, Bamidbar, Devarim e Shir Hashirim.
- Beurê Hazôhar, discursos e comentários sobre o Zôhar.
O mais proeminente e importante de seus livros filosóficos, contudo, é o Licutê Amarim, também conhecido como Sêfer Shel Benonim (Livro dos Intermediários), popularmente chamado pelo nome de Tanya. Esta obra contém os fundamentos dos ensinamentos do chassidismo. Prima por seu sistema metodológico e composição únicos, seu estilo lúcido, claro, e atraente; e a concisão que indica quão cuidadosamente cada palavra e letra foram criteriosamente ponderadas e escolhidas. O livro, em sua presente edição, está dividido em cinco partes:
- "Licutê Amarim" (Ensaios Seletos), volume um, contendo 53 capítulos; que de acordo com a tradição chassídica, correspondem às 53 parshiyot da Torá.
- "Licutê Amarim" (Ensaios Seletos), volume dois, mais conhecido como "Portal da Unicidade e da Fé," contendo prefácio e doze capítulos.
- "Igueret Hateshuvá" (Epístola do Retorno), contendo doze capítulos.
- "Igueret Hacodesh" (Epístola Sagrada), com trinta e duas seções.
- "Cuntrês Acharon" (Apêndice).
O Tanya, assim chamado por causa da primeira palavra do texto, surgiu primeiro, anonimamente, em 5557. Desde então, foi publicado em centenas de edições e traduzido para vários idiomas. Muitas dezenas de milhares de exemplares encontram seu caminho para lares judaicos, inspirando incontáveis leitores. Este clássico é a fonte básica a partir da qual as publicações Chabad brotam. Sua tremenda influência penetrou profundamente na fortaleza do movimento oponente, atraindo ao chassidismo grande número de famosos acadêmicos de Torá. Desta forma, sua obra prima tornou-se uma flamejante tocha que disseminou os pensamentos e idéias do chassidismo a todos as classes de judeus.
Em 5558 o Gaon de Vilna faleceu. O falecimento deste grande e renomado sábio foi triste e sinceramente lamentado em todos os círculos eruditos, independentemente de sua orientação, chassídica ou não. Infelizmente, porém, indivíduos de mente perversa tiraram proveito desta triste ocasião, utilizando o falecimento do Gaon como pretexto para renovar a batalha contra os chassidim. Formaram um comitê especial para liderar a contenda.
Os membros deste comitê perceberam por experiências passadas que os métodos de calúnia e difamação seriam ineficazes, conquanto os chassidim já eram conhecidos como judeus honestos e pios, de disposição sincera e caridosa. Por conseguinte, decidiu-se utilizar uma tática mais promissora de calúnias junto às autoridades, não apenas com o conselho local em várias cidades da Lituânia, mas também, e principalmente, com o governo central em Petersburgo, a capital da Rússia Czarista. Conseguiram isto distorcendo os ensinamentos e atividades chassídicas.
Já anos antes, o Alter Rebe fizera com que fosse obrigação de cada chassid ajudar a sustentar as várias famílias que haviam se mudado para a Terra Santa, onde se dedicavam à Torá e Avodá. Com esse objetivo, fundou o Colel Chabad, uma instituição para distribuir as somas recebidas aos necessitados na Terra Santa. Como a Terra Santa estava então sob controle da Turquia, que à época mantinha relações hostis com a Rússia, os mitnagdim acusaram o Rebe de traição à pátria, pois despendia fundos num país inimigo. Simultaneamente, acrescentaram que em seus discursos públicos o Rebe declarava que o conceito de Malchut - "soberania", não representava nada por si só; o atributo de Malchut (reinado) é o último e menos importante das Sefirot; em resumo, o conceito mais inferior.
Este era o cerne das acusações, apesar de também haver algumas acusações e denúncias menos graves. Ao mesmo tempo, aconselharam o governo a lidar com o assunto de maneira pessoal e direta, desconsiderando qualquer possível intervenção das autoridades locais; e deter e transferir o Rebe para Petersburgo. Os denunciantes presumiram que através desses métodos conseguiriam finalmente se livrar do líder chassídico, e com ele, pouco a pouco também de todo o movimento chassídico.
Em Rosh Hashaná do ano 5559, os chassidim, observando o Rebe durante os serviços, pressentiram uma profunda tristeza no ar. Perceberam o mesmo em Simchat Torá seguinte, particularmente durante as Hacafot, na hora da leitura da Torá - (em geral, o próprio Rebe era o ledor), e no conteúdo do discurso que o Rebe proferira naquele dia. Escolhera como texto o versículo "Assim foi demonstrado, a fim de que se saiba que o Eterno é D'us!" e interpretou-o dessa forma: "Tu, Que és a Verdadeira Essência, o Infinito (En Sof) - mostraste como a pessoa deve se quebrar, a fim de que todos vejam que o Eterno é D'us, e que não há outro senão Ele."
Rabi Menachem Mendel, autor do Tsemach Tsêdec, disse certa vez a seu filho e sucessor, Rabi Shemuel: "Fui criado e passei minha infância na casa de meu avô, o Rebe. O Rebe me colocava sob seu talit para ouvir o toque do shofar (até os nove anos de idade), e para a bênção dos cohanim (até meu casamento). Naquele ano de 5559, à hora do toque do shofar, vi que enorme perigo ameaçava o Rebe no ano vindouro, porém, não pude enxergar sua libertação. Talvez assim fosse pois a salvação não fora completa."
As falsas acusações renderam frutos. Durante Chol Hamoed (dias intermediários) de Sucot (do mesmo ano), um oficial acompanhado de um grupo de soldados armados chegou a Liozna, com ordens de prender o Alter Rebe e levá-lo a Petersburgo. O Rebe quis ponderar a situação sem interferência, e deixou a casa pela porta dos fundos a fim de meditar no campo. O oficial, em contrapartida, considerando as circunstâncias, não quis perturbar a alegria da Festa. Por isso, saiu da cidade, deixando, contudo, alguns agentes no local.
Nesse ínterim, o Rebe decidira sobre uma linha de ação, caso os soldados voltassem para prendê-lo. Revelou sua decisão a seus íntimos, isto é: receber sobre si o que viesse a acontecer. (Rabi Yossef Yitschac disse certa vez que o Rebe discutiu o assunto primeiro com o distinto chassid Rabi Shemuel Munkes, e só então decidiu se entregar, quando necessário).
As Festas de Shemini Atsêret e Simchat Torá findaram. Os chassidim estavam, compreensivelmente amargurados e agitados. Em Isru Chag, o dia imediatamente seguinte às Festas (que naquele ano caiu numa quinta-feira), as notícias do ocorrido já haviam se espalhado, e eram conhecidas nas comunidades próximas de Vitebsk, Rudnia, Kalisk, Liadi, Yanovitch, Dubrovna e outras.
O Rebe, uma pessoa estritamente ordeira e organizador excepcional, levantou-se cedo naquele dia de Isru Chag, para redigir uma Epístola Comunitária a todos os chassidim de Chabad, exortando-os a serem fortes em sua fé e confiança em D'us e no mérito de seus santos mestres, enquanto tomava sobre si todo o sofrimento que estivesse por sobrevir. Continuou, dizendo que finalmente compreendera as alusões que lhe foram dadas por seu mestre, o Maguid de Mezritch, de que iria sofrer e passar por tempos difíceis. Advertiu ainda mais rígida e severamente seus chassidim para que permanecessem calmos, e se comportassem de maneira tolerante com os mitnagdim, a despeito do desenrolar dos fatos. O Rebe ordenou aos chassidim mais velhos que zelassem cuidadosamente pelos mais jovens; e aos jovens, para que obedecessem os mais velhos.
A epístola foi imediatamente copiada, e mensageiros especiais enviados para entregá-la a todos os chassidim de Chabad nas cidades próximas e longínquas.
Tarde, naquela noite, ouviu-se que os soldados haviam voltado a Liozna para prender o Rebe. O oficial comandante ordenou que o Rebe fosse levado pelo "Black Mary," uma carruagem negra que era sempre usada para os acusados de traição. Sob rígida guarda de soldados fortemente armados, a carruagem partiu para Petersburgo, a caminho de Vitebsk e Nevel. A atitude calma do Rebe era extraordinária. De fato, pode-se aprender com isso a verdadeira resolução sobre-humana e abnegada deste responsável líder e guia, com o intento de pavimentar o caminho para os sagrados princípios do chassidismo, tornando-o uma senda acessível a todos.
Na manhã seguinte, uma sexta-feira, seis horas antes do acender das velas de Shabat, o Rebe pediu ao oficial encarregado para parar e repousar até o final do Dia de Descanso. Quando o oficial recusou-se a interromper a jornada, os eixos da carruagem quebraram. Foram trazidas pessoas da aldeia próxima para ajudar a consertar os eixos. Mas então, assim que a carruagem estava consertada, um dos cavalos sucumbiu de repente. Trouxeram outro cavalo, mas, estranhamente, os animais agora não conseguiam mover a carruagem. Isto foi o suficiente para o oficial compreender que estava enfrentando um assunto extraordinário. Aproximou-se do Rebe e propôs que viajassem pelo menos até a aldeia mais próxima, porém o Rebe recusou-se a seguir viagem, porém concordou em dirigir-se ao campo adjacente à estrada. Lá, passou o Shabat.
Tudo isso aconteceu a cerca de duas milhas do assentamento de Seliba-Rudnia, perto da cidade de Nevel, na província de Vitebsk. Os chassidim de Nevel sabiam qual era o local exato onde o Rebe passara o Shabat.
O idoso chassid Rabi Michael de Nevel costumava contar que conhecia pessoalmente chassidim que poderiam indicar o local, e foi vê-lo com os próprios olhos. Descreveu como, ao longo do caminho inteiro dos dois lados da estrada, jaziam árvores velhas e mortas. Contudo, no local onde estacionaram a carruagem e o Rebe guardara o Shabat, havia uma maravilhosa árvore alta, ereta e adornada com galhos em profusão.
Sempre que Rabi Michael descrevia esta cena em detalhes, envolvia-se completamente pelo seu relato, e o fazia com espírito emocionado, revelando sua própria grandeza e inspiração. A inspiração da visão do local, e mais tarde da lembrança da árvore, era obviamente mais intensa que a inspiração que muitos possuem, mesmo em assuntos de Avodá.
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