Ao ser levado a Petersburgo, o Rebe foi encarcerado numa das celas secretas da Fortaleza de Petropavlovsk. Durante sete semanas, exatamente cinqüenta e dois dias, ficou detido lá. Nas primeiras três semanas, foi mantido numa cela estritamente vigiada, destinada a traidores. Isto estava de acordo com uma das principais acusações contra ele; a saber, traição ao Império Russo, por enviar fundos - como alegado - ao sultão da Turquia (ou seja, os fundos enviados aos judeus na Terra Santa, que, à época, estava sob domínio turco.) Depois, foi transferido para um lugar mais confortável na mesma fortaleza.
O Rebe estava curioso em saber se prisioneiros já haviam alguma vez sido libertados daquela prisão. Perguntou discretamente a um dos guardas acerca de sua posição, há quanto tempo trabalhava lá como guarda, qual era seu salário, e coisas similares. O guarda, sem suspeitar, respondeu a tudo sinceramente. O Rebe então perguntou: "Acaso já aconteceu de você ter recebido presentes de antigos prisioneiros depois de terem sido libertados?"
"Sim," respondeu o guarda, "acontece com freqüência de um prisioneiro libertado enviar-me algo."
Esta resposta esclareceu perfeitamente ao Rebe que ainda havia esperanças de ser libertado da prisão, e encontrou consolo nesta informação.
Por aquela época um alto oficial veio para registrar diversos detalhes. Este oficial, um homem estudado e familiarizado com as Escrituras, ficou deveras impressionado com a personalidade do Rebe, e lhe disse: "Tenho uma questão acerca de determinado texto bíblico, e ser-lhe-ia imensamente grato se pudesse me dar uma resposta adequada."
"Pergunte o que desejar," disse o Rebe, "e com a ajuda de D'us espero poder resolver seu problema."
Encorajado pela afirmativa, o oficial indagou: "Qual o significado do versículo 'e D'us chamou Adam e disse: Onde estás?', como é possível que D'us Onisciente não soubesse onde estava Adam? Estou ciente das diversas interpretações e da alegoria oferecida por Rashi. Gostaria, porém, de saber o significado simples e direto da questão de D'us 'onde estás.' "
"Você acredita," perguntou o Rebe, "que a Torá é atemporal e eternamente relevante, em qualquer época, para toda geração e para cada indivíduo?"
"Acredito nisto sinceramente," foi a resposta do oficial. "A Torá é eterna."
O Rebe ficou muito satisfeito ao ouvir esta afirmação de fé. Pois, de fato, este princípio é um dos importantes fundamentos dos ensinamentos do Báal Shem Tov, pelos quais estava agora sendo julgado. Se os oficiais cressem neste princípio, certamente o julgamento seria bem mais fácil.
"Se você acredita nisto," disse o Rebe, "eu lhe darei uma explicação para o versículo. Está escrito: 'E D'us chamou 'Haadam,' ao homem.' Isto significa que em todas as épocas e em todos os tempos D'us chama cada indivíduo e pergunta-lhe 'onde estás?', 'onde estás neste mundo?' D'us distribuiu a cada um determinada quantidade de dias e anos, cada um dos quais a ser utilizado para fazer o bem em relação a D'us e à humanidade. Portanto, pense e reflita: quantos anos você já viveu, e quanto bem você já fez e realizou durante este tempo. Você, por exemplo, já viveu... anos, (e aqui o Rebe mencionou a idade exata de seu inquiridor); como utilizou este tempo? Conseguiu realizar algo bom?"
O oficial estava profundamente surpreso e impressionado pelo fato de o Rebe ter "adivinhado" sua idade correta, e pousando as mãos sobre os ombros do prisioneiro, exclamou: "Bravo!" Em seguida, continuou o interrogatório formal com o Rebe, que demonstrou profunda sabedoria nas respostas exatas a cada questão. Ao lidar com assuntos que diziam respeito à fé judaica, o Rebe fazia freqüentes referências ao Talmud. Os profundos ditos dos sábios impressionaram muito o interrogador, que sinceramente comovido exclamou: "Isto é verdadeiramente Divino!"
Este oficial e os outros interrogadores tiveram oportunidade de perceberem a grande sabedoria do Rebe também em outros assuntos, não relacionados ao julgamento. Certa vez, por exemplo, o Rebe foi colocado num aposento que era tão escuro durante o dia quanto à noite. Uma pequena lâmpada era a única fonte de luz. Um dia, cerca de duas horas da tarde, disseram ao Rebe que já passava da meia-noite, e que deveria ir dormir.
"Exatamente agora," redargüiu o Rebe, "são duas e cinco da tarde."
Ao perguntarem como conseguia saber tal coisa, o Rebe explicou:
"Cada dia é iluminado pelas doze formas das letras do Nome Inefável (Tetragrama), enquanto que a noite é iluminada pelas doze formas do Nome que denota o Domínio de D'us. Ao sentir estas várias formas, sei distinguir entre o dia e a noite, e entre uma hora e outra."
O chefe de polícia elogiou o Alter Rebe perante o Czar (Paulo I), e teceu louvores sobre sua sabedoria e santidade. Acrescentou que, em sua opinião, o Rebe parecia ser inocente, e vítima de falsas acusações baseadas em inveja e ódio. Curioso por encontrar pessoa tão extraordinária, e pretendendo formar sua própria opinião, o Czar disfarçou-se de funcionário da corte e foi ver o Rebe. Contudo, assim que entrou na cela, o Rebe levantou-se e prestou-lhe honras dignas da realeza.
"Por que confere tais honras, dignas de um rei, a um simples funcionário como eu?" - perguntou-lhe o surpreso visitante disfarçado.
"Pois na verdade, você deve ser o Czar!" - respondeu o prisioneiro. "Nossos sábios ensinam que 'o reinado na terra é similar ao reinado nos Céus.' Da mesma forma que o temor perante D'us é grande, assim também senti uma reverência incomum quando entrou. Jamais experimentei tal sensação com qualquer dos oficiais que vieram aqui. Portanto, conclui que você só pode ser o Czar."
O Czar saiu, convencido de que este homem com certeza devia ser um santo.
O Alter Rebe foi detido na fortaleza de Petropavlovsk. Ninguém sabia onde estava, nem como. Apenas através do desencadear de eventos maravilhosos os chassidim de Petersburgo conseguiam essas informações.
Um dia, o oficial acima mencionado, que fora designado para cuidar do Alter Rebe, propôs-lhe a seguinte oferta: "Quero lhe fazer um favor, pelo menos um pequeno. Por favor, diga-me o que posso fazer por você."
"Agora mesmo," respondeu o Rebe, "gostaria apenas que minha família fosse informada que pela graça de D'us ainda estou vivo, e que espero, com a ajuda de D'us, sair vitorioso do julgamento."
"Como poderei fazer isto?" - perguntou o oficial. "Os que o estão caluniando também são judeus. Como poderei distinguir os chassidim de seus oponentes?"
"Ao encontrar um judeu vestido de tais e tais roupas, saberá que é meu cunhado, Yisrael Kosik. Logo antes de ser trazido para cá, mandei que partisse imediatamente para Petersburgo assim como estava naquele momento, sem trocar de roupas. Estou certo que cumpriu minha ordem."
O surpreso oficial prometeu fazer como lhe dissera o Rebe. Perambulou pelas ruas da capital até que finalmente deparou com Yisrael Kosik. Chamou-o e perguntou-lhe qual era seu nome.
Conforme já foi mencionado, Yisrael Kosik partira imediatamente para Petersburgo, porém com o passaporte de outrem. Assim, quando o oficial lhe perguntou o nome, forneceu-lhe o nome da pessoa para a qual o passaporte fora expedido. O oficial retorquiu: "você está mentindo!" e foi embora.
Yisrael Kosik ficou aturdido, e apressou-se em procurar os chassidim mais idosos, para lhes contar a aventura. Esses sentiram que isto não era apenas algum acontecimento acidental, e conjecturaram que aquele estranho fosse um mensageiro do Rebe. Consideraram isto um bom presságio, e o começo da libertação. Decidiram que no dia seguinte Yisrael Kosik deveria andar novamente pelas ruas da cidade. Talvez encontrasse o estranho de novo. Agora, porém, se lhe perguntasse o nome, deveria dizer a verdade.
No dia seguinte, quando o oficial visitou o Rebe, contou-lhe que deveras encontrara um judeu como o descrevera, porém de nome diferente. O Rebe compreendeu o que sucedera, e depois de explicar, pediu ao oficial que tentasse mais uma vez, para ver se encontrava de novo o homem.
O oficial concretizou o desejo do Rebe, e vasculhou a cidade até que encontrou novamente Yisrael Kosik. Desta vez, este lhe revelou seu verdadeiro nome. O oficial não disse mais nada, apenas continuou andando bem devagar. Yisrael o seguiu. Por fim, o oficial chegou a sua casa e entrou, enquanto Yisrael permaneceu fora. Percebeu de repente um envelope caindo da janela da casa. Compreendeu que lhe era endereçado, apanhou-o e foi ter com os chassidim. Lá, o envelope foi aberto. Encontraram um bilhete escrito com a letra do Rebe: "Ouve, ó, Yisrael, o Eterno é teu D'us, o Eterno é Um." Sabiam agora que pelo menos o Rebe estava vivo, e que ainda havia esperança, apesar do local de sua prisão ainda permanecer um mistério. Todavia, não por muito tempo. Poucos dias depois, obtiveram também esta informação.
Vários dias se passaram desde a detenção, e o Rebe não havia ingerido nada, por falta de alimentos casher. O carcereiro pensava que o Rebe agia assim como tentativa de suicídio, por medo do julgamento. Depois de ordenar-lhe diversas vezes que comesse, e ele ter-se recusado, o carcereiro instruiu os guardas a usarem de força. O Rebe fechou a boca firmemente, e não conseguiram abri-la. Isto causou grande tumulto, e o Rebe ficou extremamente angustiado. Neste exato momento, o oficial chegou. Ao ouvir o tumulto, perguntou qual o motivo, e ao tomar conhecimento, disse:
"Não fica bem forçar uma pessoa como esta a comer involuntariamente. Deve ser persuadido apenas através de palavras!" O próprio oficial entrou e perguntou ao Rebe por que não comia:
"O julgamento, que será realizado muito em breve, talvez possa libertá-lo. Porém se recusar-se a comer, certamente morrerá. Você está cometendo suicídio, perdendo, assim, sua porção no Mundo Vindouro!"
"Recuso-me a comer comida não casher, mesmo se for privado de meu quinhão no Mundo Vindouro," respondeu o Rebe.
"Se conseguir obter alimento casher," perguntou o oficial, "você confiará em mim?"
"No presente momento," respondeu o Rebe, "não tenho necessidade alguma de alimentos sólidos, pois meu estômago está muito fraco. Necessito apenas de algo para fortalecer meu estômago. Se você mesmo puder obter alguma compota de frutas de algum judeu, e ninguém, além de você, tocar nela até que chegue a mim, comerei."
Rabi Mordechai Liepler, um dos proeminentes chassidim do Rebe, vivia em Petersburgo. Era um homem rico, amplamente respeitado nos círculos governamentais por causa de sua honestidade e integridade. O oficial imediatamente o procurou para que preparasse comida casher "para um judeu." O pedido era deveras incomum, e Rabi Mordechai tinha o pressentimento de que era para o Rebe. Preparou algo, e fixou um bilhete sob a tampa da vasilha, no qual expressava curiosidade em saber a identidade e local do consumidor deste alimento. O oficial entregou pessoalmente o pote com comida ao Rebe. Ao abrir, o Rebe encontrou o bilhete. Depois de terminar a comida, pediu ao oficial mais da mesma comida. Deixou um pouco de comida na vasilha, e sob a comida um bilhete, no qual escrevera as informações requisitadas, e uma ordem para enviar um homem a Vilna sem delongas. O oficial devolveu a vasilha a Rabi Mordechai, que encontrou o bilhete. Houve júbilo e alegria entre os chassidim. Rabi Mordechai continuou a preparar comida, que era entregue pelo oficial. Um homem partiu para Vilna, apesar de ninguém entender com que finalidade. Os chassidim confiavam na ordem do Rebe, seguros de que o próprio emissário viria a perceber o objetivo de sua viagem.
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