A Cabala é a antiga tradição mística judaica que oferece uma visão sobre a essência de D’us, Sua relação com o mundo e como a Torá e seus mandamentos aprofundam essa conexão. A Cabala é uma parte integral da Torá, remontando à revelação no Sinai e antes dela. Como D’us é infinito e não pode ser explicado em termos comuns, a Cabala frequentemente utiliza metáforas para transmitir os conceitos mais sublimes e abstratos.

Aqui está uma lista de 5 obras cabalísticas importantes:

Sefer Yetzirá ("Livro da Formação")

Página de título de uma impressão antiga do Sefer Yetzirá
(crédito: Biblioteca Agudat Chassidei Chabad Ohel Yosef Yitzchak Lubavitch)
Página de título de uma impressão antiga do Sefer Yetzirá (crédito: Biblioteca Agudat Chassidei Chabad Ohel Yosef Yitzchak Lubavitch)

Sefer Yetzirá, muitas vezes traduzido como “Livro da Formação”, é a obra esotérica judaica mais antiga existente e a única mencionada no Talmud. Segundo a tradição, foi elaborada pelo próprio patriarca Avraham (a única pessoa cujo nome aparece na obra). Alguns explicam que, embora as ideias fundamentais de Sefer Yetzirá tenham sido transmitidas por Avraham, o texto foi realmente escrito durante o tempo da Mishná por Rabi Akiva.

Embora a importância deste livro criptográfico seja indiscutível, seu significado está envolto em mistério. Algumas autoridades antigas interpretam o Sefer Yetzirá como um tratado filosófico ou um trabalho sobre gramática ou fonética. Os cabalistas o viam como uma obra profundamente mística, cuja potência oculta é melhor resumida por um incidente encontrado no próprio Talmud:

Rav Chanina e Rav Oshaya se sentavam toda sexta-feira e estudavam o Sefer Yetzirá, e um bezerro “terceiro” [que havia atingido um terço de sua maturidade e era considerado o mais saboroso] seria criado para eles, e eles o comeriam em honra ao Shabat. 1

Os comentaristas explicam que o incidente imediatamente anterior no Talmud também envolvia o Sefer Yetzirá:

Rava criou um “homem” usando forças sagradas. Rava enviou sua criação diante de Rabi Zeira, que falou com ele e não obteve resposta. Rabi Zeira disse a ele: “Você foi criado por um dos membros do grupo, um dos sábios. Volte ao seu pó.”

Este trecho do parágrafo de abertura é um exemplo clássico do estilo do Sefer Yetzirá:

[Há] 10 sefirot, que consistem em nada, e 22 letras fundamentais: Três mães, sete duplas; doze simples [consoantes].

O cabalista vê isso como uma visão geral da hierarquia cabalística, e o gramático vê isso como uma visão geral dos fundamentos do alfabeto hebraico. Quem está certo? Talvez ambos estejam. Afinal, todos concordam que a criação (que a Cabala se esforça para explicar) foi canalizada através da fala Divina (hebraico).

Sefer Habahir ("Livro da Clareza")

Sefer Ha-Bahir – Manuscrito Em Pergaminho
Sefer Ha-Bahir – Manuscrito Em Pergaminho

Sefer Habahir (“Livro da Clareza”) foi a obra cabalística clássica mais citada e influente antes da publicação do Zohar (cerca de 1295).

Seu nome é baseado no verso de abertura, que cita Jó 37:21: “E agora os homens não veem a luz que é clara (bahir) nos céus.”

A tradição atribui a obra ao sábio e místico talmúdico do primeiro século, Rabi Nechunya ben HaKaná, cujo nome aparece nas palavras de abertura da obra. (A oração mística Ana Bechoach, que é recitada por muitos diariamente, também é atribuída a Rabi Nechunya ben HaKaná. As letras iniciais das 42 palavras da oração formam o nome de 42 letras de D’us, que é frequentemente mencionado em obras cabalísticas.)

Entre os tópicos discutidos no Sefer Habahir estão o conceito das 10 sefirot (atributos), a interpretação das letras hebraicas, guilgulim (reencarnação da alma), os Nomes sagrados de D’us e o significado mais profundo de algumas mitsvot, mandamentos.

Amostra do Ensino:

Disse o Atributo da Bondade:

Enquanto Avraham estava no mundo, eu não precisava fazer meu trabalho. Avraham estava lá no meu lugar e ‘vigiava por mim.’ Minha tarefa é trazer mérito para o mundo, e mesmo quando as pessoas são culpadas, eu lhes dou mérito. Eu também as trago de volta, direcionando seus corações para fazer a vontade de Seu Pai no Céu.

Tudo isso Avraham fez, conforme está escrito, “E ele fundou uma estalagem em Beersheba, e chamou ali o nome do Senhor, D’us do mundo.” 2 Ele compartilhava seu pão e água com todas as pessoas do mundo, trazendo-lhes mérito. Buscando convencê-los, ele diria: “A quem então você está servindo? Sirva ao Senhor, D’us do céu e da terra.” Ele os exortava até que se arrependessem. 3

O Maguid de Mezritch explica que este ensinamento ilustra como o homem é o propósito da criação. Quando o homem—uma alma revestida em um corpo—mostra hospitalidade aos estranhos como meio de promover a consciência de D’us, ele alcança um nível mais alto do que o atributo de chessed (bondade) em seu estado mais sublime. 4

Zohar

Este Zohar pertenceu ao famoso cabalista, Rabino Levi Yitzchak Schneerson, de abençoada memória. Exilado pelos soviéticos para uma cidade distante no Cazaquistão, ele não possuía tinta nem papel. Ele escreveu notas acadêmicas nas margens de seu precioso Zohar com "tinta" que sua esposa fez de frutas vermelhas (crédito: Biblioteca Agudat Chassidei Chabad - Ohel Yosef Yitzchak Lubavitch).
Este Zohar pertenceu ao famoso cabalista, Rabino Levi Yitzchak Schneerson, de abençoada memória. Exilado pelos soviéticos para uma cidade distante no Cazaquistão, ele não possuía tinta nem papel. Ele escreveu notas acadêmicas nas margens de seu precioso Zohar com "tinta" que sua esposa fez de frutas vermelhas (crédito: Biblioteca Agudat Chassidei Chabad - Ohel Yosef Yitzchak Lubavitch).

O Zohar, que traduz-se como “Esplendor” ou “Radiação,” é considerado a obra fundamental da Cabala. Segundo a tradição, foi em grande parte escrito pelo grande sábio talmúdico do século 2, Rabi Shimon bar Yochai, com seções (como atestado no próprio Zohar) escritas por vários outros sábios talmúdicos, notavelmente o aluno de Rabi Shimon, Rabi Abba.

Largamente desconhecido por muitos séculos, o Zohar só foi revelado no século 13 e foi publicado por Rabi Moshe de Leon, um cabalista espanhol proeminente.

Ao contrário do Sefer Yetzirá e do Bahir, que são muito curtos e criptográficos, o Zohar foi escrito de forma muito abrangente e tornou-se a fonte para todos os ensinamentos cabalísticos escritos posteriormente.

Amostra do Ensino:

Rabi Chezkiá abriu [seu discurso] e disse:

“Está escrito: ‘Como uma rosa entre os espinhos, assim é meu amado entre as filhas.’ 5

Quem é a rosa? Isso se refere a 'Knesset Yisrael'—as raízes da alma coletiva de Israel, [malchut]. (Pois há um nível de uma rosa e há outro nível de uma rosa.) Assim como uma rosa, que é encontrada entre os espinhos, têm dentro de si as cores vermelha e branca, também Knesset Yisrael tem dentro de si tanto julgamento quanto bondade. Assim como uma rosa tem treze pétalas, também Knesset Yisrael tem dentro de si treze caminhos de misericórdia que o cercam de todos os lados.” 6

Essas palavras de abertura do Zohar ilustram o relacionamento amoroso entre D’us e Seu povo, e os 13 caminhos de misericórdia que permanecem abertos mesmo nos tempos mais sombrios.

Pardes Rimonim ("Jardim de Romãs")

Página título manuscrita de Pardes Rimonim (crédito: Columbia.edu).
Página título manuscrita de Pardes Rimonim (crédito: Columbia.edu).

O Pardes Rimonim (“Jardim de Romãs”) foi escrito pelo cabalista do século 16 Rabi Moses Cordovero, amplamente conhecido como Ramak.

Escrito quando ele tinha apenas 27 anos, é a primeira obra a sistematizar e sintetizar todo o espectro do pensamento cabalístico, e resolve muitas aparentes contradições e questões na Cabala de forma ordenada e relativamente filosófica.

No último ano de vida do Ramak, o grande cabalista Rabi Yitzchak Luria (conhecido pelo acrônimo "Ari" ou "Arizal") chegou a Safed para estudar com o Ramak, a quem ele se refere como "nosso professor.” Segundo uma tradição, o Arizal chegou a Safed no exato dia do funeral de Rabi Moshe Cordovero em 1570. Quando se juntou à procissão fúnebre, percebeu que ninguém além dele viu uma coluna de fogo seguindo a presença do Ramak.

Amostra do Ensino:

Em muitos lugares em textos cabalísticos e no Zohar, encontramos que várias cores se relacionam com as sefirot. Deve-se ter muito cuidado e não imaginar que isso deve ser tomado literalmente. A cor é algo físico, usado para descrever o mundo físico, e as sefirot, que são espirituais, não devem ser descritas com propriedades físicas. Se uma pessoa pensa que essas são literalmente as cores das sefirot, ela destrói todo o sistema e ultrapassa os limites estabelecidos pelos antigos. Portanto, quem se aprofunda nisso deve ser muito cuidadoso para não assumir que qualquer coisa física está implícita.

Na verdade, essas cores aludem aos resultados que são transmitidos das raízes mais altas. Assim, guevurá é responsável pela vitória na guerra. Como isso envolve derramamento de sangue, onde o sangue vermelho é derramado, é adequado atribuir a cor vermelha a essa sefirá. A cor vermelha também expressa ódio, raiva e fúria. Isso é óbvio. Portanto, atribuímos a cor vermelha ao lugar do julgamento. Além disso, tudo que é vermelho é derivado do poder dessa raiz…

Da mesma forma, a cor branca indica misericórdia e paz. Isso ocorre porque pessoas com cabelo branco geralmente são misericordiosas. Assim, por exemplo, os anciãos e idosos não costumam lutar em exércitos. Portanto, se você deseja representar paz e a sefirá de bondade e misericórdia, você a representa com a cor branca.

Não há dúvida de que coisas que são brancas emanam do poder dessa raiz. Assim, esta é a interpretação adequada da relação entre as cores e as sefirot. As cores são usadas alegoricamente para aludir às suas funções e resultados. 7

Essas palavras de abertura no capítulo Shaar Haguevanim (Portão das Cores) enfatizam uma regra extremamente importante para se ter em mente sempre que se aprende Cabala: Nunca cometa o erro de atribuir propriedades físicas e literais ao espiritual. Ao mesmo tempo, todas as propriedades que se manifestam no físico são um reflexo de raízes espirituais.

Kitvei HaArizal ("Escritos do Arizal")

Página título de Shaar Haguilgulim (“Portal da Reencarnação”) impressa em Frankfurt (crédito: Columbia.edu).
Página título de Shaar Haguilgulim (“Portal da Reencarnação”) impressa em Frankfurt (crédito: Columbia.edu).

Os Kitvei HaArizal (“Escritos do Arizal”), os ensinamentos de Rabi Yitzchak Luria, são considerados pelos cabalistas como os textos mais autoritativos da Cabala depois do Zohar. Rabi Luria mesmo escreveu relativamente pouco. Tudo o que temos de sua própria mão são sobre dois tratados talmúdicos (incluídos no Shitá Mekubetzet, escrito por seu tio e professor, Rabi Betzalel Ashkenazi). Alguns ensinamentos cabalísticos em Etz Chaim de Rabi Chaim Vital são marcados com o prefácio “encontrado escrito em manuscrito”, indicando que foram escritos pelo Arizal. Ele também deixou um comentário sobre uma pequena seção do Zohar e alguns hinos para as refeições de Shabat.

O Arizal faleceu no ano de 1572, com a idade precoce de 38 anos, pouco mais de dois anos após chegar a Safed. A maior parte de seus ensinamentos foi registrada em numerosas obras por seus discípulos, principalmente Rabi Chaim Vital. A principal obra dos Kitvei Arizal é o Etz Chaim (“Árvore da Vida”), que expõe a base teórica da Cabala. Algumas das outras obras são Pri Etz Chaim (“Fruto da Árvore da Vida”) e Shaar HaKavanot (“Portal das Meditações”).

Apesar de sua morte precoce, não se pode subestimar o grande impacto do Arizal tanto na revelação quanto no desenvolvimento da Cabala, bem como na lei judaica, costumes e liturgia. Ele introduziu muitos conceitos cabalísticos importantes, incluindo o tzimtzum e shevirat hakeilim (faíscas caídas), e é nosso trabalho elevar o mundo e essas faíscas caídas de santidade.

Amostra do Ensino:

Está escrito na Torá que [uma das punições por transgressões nacionais é que] “D’us vos levará de volta ao Egito em navios... e lá sereis vendidos a vossos inimigos como escravos e servas, e ninguém vos comprará.” 8 Por que fazer-nos voltar ao Egito é uma punição? A Torá de fato nos diz que “não os vereis mais.” [os egípcios] 9. [Mas é contra o comando da Torá uma punição?]

Também, por que D’us disse isso sobre o Egito, mas não sobre outros exílios? Por que Ele está contra nosso retorno ao Egito, mas permite que viajemos para a Babilônia ou Media?

... Os quatro exílios correspondem às quatro letras do nome Havaya, e o exílio do Egito corresponde à ponta superior do yud, que supera todos eles e é maior do que eles. Portanto, é mencionado repetidamente [na Torá] e não está listado juntamente com os outros [exílios], pois está em uma classe própria.

Agora, o propósito do exílio é elevar as faíscas de santidade caídas que [foram espalhadas por toda a terra e] se misturaram com o mal devido ao pecado de Adam. Este é o significado do versículo, “Há um tempo quando um homem vence outro homem para seu detrimento,” 10 significando que o “homem mau” vence o “homem santo” para seu próprio detrimento, pois o fato de que ele oprime Israel e os governa permite que Israel extraia totalmente dele todas as faíscas de santidade dentro deles.

E onde quer que eles vão, a Shechiná vai com eles, a fim de elevar suas partes componentes. É por isso que somos comandados a não retornar ao Egito, mas não somos proibidos com relação a outras nações [que nos oprimiram], pois ainda não elevamos todas [as faíscas divinas] dentro delas. 11

Esse ensinamento ilustra uma das grandes inovações encontradas nos ensinamentos de Rabi Luria—que o propósito do exílio é elevar as faíscas de santidade caídas que foram espalhadas por toda a terra e misturadas com o mal devido ao pecado de Adam.