Sempre fiquei surpreso com os estudos que mostram quantas pessoas ignoram um crime perpetrado diante de seus olhos. Incontáveis são as histórias sobre assaltos nas ruas, com transeuntes correndo rapidamente, evitando confrontos e desconsiderando os gritos da vítima.

“Como as pessoas podem ser tão insensíveis?” Eu me pergunto. “Elas gostariam de ser ignoradas se estivessem em tal situação?”

Até que um dia me encontrei exatamente nesta situação. Após a meia-noite de uma noite fria de inverno, ouvi sons abafados pela minha janela. Olhando para fora, vi dois homens atacando um terceiro, evidentemente tentando roubá-lo.

Minha primeira reação foi medo. Eles estão carregando uma arma? Se eu sair, estarei me colocando em perigo? Posso ao menos ajudar essa pessoa? Todos os tipos de desculpas passaram pela minha cabeça para justificar a não intervenção. Eu poderia simplesmente ligar para a polícia e esperar até que eles chegassem.

Mas, apesar de todos os meus esforços sobre-humanos para evitar a situação, rapidamente percebi que estava sucumbindo a ser subumano ao ignorar os gritos de um homem em perigo. E independentemente do meu instintivo de preservação às custas de outra pessoa, peguei uma pá na porta e saí correndo de casa gritando com aqueles caras. Desci as escadas correndo e, ao me aproximar da cena do crime, os homens saíram correndo, deixando um idoso trêmulo – que reconheci ser nosso vizinho – caído no chão e sangrando levemente. Eu o ajudei a se levantar, levei-o até sua casa e o atendi no que foi necessário. E não, não me considero um herói. Eu simplesmente fiz o que é humano. Mas nunca esquecerei a tentação de olhar para o outro lado, o que, francamente, seria bastante embaraçoso.

Quantos crimes e injustiças no mundo – e na história – teriam sido evitados se algumas pessoas, alguém, qualquer um, protestasse e interviesse? Quantas pessoas hoje, bem perto de você, estão sendo ameaçadas, feridas e ninguém realmente se importa? Quantos de nós estamos feridos sem que ninguém nos pergunte como nos sentimos?

Desde tempos imemoriais, místicos gentis e almas sensíveis ponderam sobre o paradoxo perturbadoramente absurdo de um universo que é integralmente conectado e interdependente, e ainda assim podemos facilmente ignorar a dor de outra pessoa (ou até mesmo ferir outra pessoa), mesmo que ela também nos prejudique. O Talmud de Jerusalém aborda essa questão com a pergunta contundente: se todos nós, humanos, fazemos parte de um organismo, como pode uma parte do corpo prejudicar outra? Faz algum sentido que a mão esquerda golpeie a mão direita se esta se comportar mal?

A única resposta concebível é que não estamos conscientes . Não sentimos que todos fazemos parte de uma entidade. E este é um dos elementos mais tristes da solidão existencial: a ilusão de que cada um de nós está sozinho. Que cada um é independente e separado de todos os outros. Que sua dor é só sua. Ninguém se importa e nem consegue entender o que você está passando.

Toda a Torá vem para contrariar este mito. Como o sábio Hillel declarou: “Aquilo que você não gosta, não faça aos outros. Esta é toda a Torá. O resto é comentário.”

Isto é consistente e complementa outra afirmação de Hillel: “Se eu não sou por mim mesmo, quem será por mim? Se sou apenas por mim mesmo, o que sou?”

Cada um de nós é um indivíduo e, ao mesmo tempo, estamos interligados e interdependentes. Quando um de nós está sofrendo, todos nós estamos sofrendo. Podemos não sentir, mas isso não diminui a realidade.

Um versículo da porção da Torá resume esta mensagem. Mas primeiro, uma breve introdução.

Meu pai, o jornalista Guershon Jacobson, certa vez foi ver o Rebe. Em algum momento da conversa o Rebe disse sorrindo ao meu pai: “Sendo você um jornalista, gostaria de me entrevistar?”

Meu pai hesitou e então indagou ao Rebe se ele poderia fazer-lhe algumas perguntas. “Sim, de fato”, respondeu o Rebe. “Não é essa a natureza de uma entrevista sem censura?”

Entre as perguntas que meu pai fez estava a seguinte: “As pessoas se perguntam por que o Rebe assume causas que outros ignoram, às vezes até situações aparentemente impossíveis?”

O Rebe respondeu citando um versículo da Torá que descreve uma das primeiras experiências de Moshe: “E foi naqueles dias, e cresceu Moshe e foi ter com seus irmãos e viu suas pesadas tarefas e viu um homem egípcio ferindo a um homem hebreu, um de seus irmãos. E virou-se para um lado e para outro e viu que não havia ninguém, então feriu o egípcio e o escondeu na areia” (Shemot 2:11-12).

O Rebe então perguntou: “Por que Moshe olhou ao redor, e somente quando não havia ninguém, ele golpeou o egípcio? Neste momento de crise, Moshe estava tão preocupado com o seu próprio bem-estar? E se sim, por que precisamos saber desse detalhe? O fato é que, apesar da cautela de Moshe, dois homens testemunharam seu ato e mais tarde o denunciaram. Então, claramente, este versículo tem alguma outra mensagem para nos contar.

“'Ele olhou ao redor e não viu nenhum homem' pode ser interpretado como significando que ele não viu 'nenhum homem' que se importasse – ninguém estava preocupado com o ato perpetrado contra seus semelhantes. Moshe, entretanto, se importou. Então ele fez o que era necessário para proteger pessoas inocentes do genocídio brutal.”

“Quando testemunhamos uma injustiça e olhamos ao redor e ninguém parece se importar”, concluiu o Rebe, “devemos agir”.

Isso define um líder. Alguém que se preocupa quando todos estão ocupados com seus próprios interesses. Certamente, interesses importantes, mas ainda assim autodirigidos .Um líder é alguém que não apenas sente empatia por outra pessoa. Ele ou ela sente a dor da outra pessoa como se fosse sua .

Somos todos como um organismo. Mesmo quando uma unha minúscula está doendo, todo o corpo sente isso. Então olhe ao redor. Injustiça, dor, mágoa – as pessoas estão sofrendo. Se você não vê “nenhum homem” – se você não vê ninguém se importando – por que você não se torna a pessoa que fará algo a respeito?

Neste exato momento, enquanto você lê estas linhas, pode haver alguém, não muito distante, precisando de uma boa palavra, um abraço, um belo gesto. Podemos chamá-la no celular, enviar-lhe um e-mail, uma mensagem de texto, twittar – o que for preciso – e acalmar um coração dolorido, trazendo alegria a uma alma em sofrimento.

Às vezes, tudo o que é necessário para mudar um mundo é “simat lev” – alguém que se importa.