D'us disse a Avraham: "Deixa tua terra, teu local de nascimento e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te mostrarei" (Bereshit 12:1).


Estas palavras estão entre as mais conseqüenciais da história da humanidade. Com elas nasceu uma nova fé que tem perdurado por dois terços do curso da civilização, e permanece jovem e vigorosa até hoje. D’us lhe disse para deixar tudo que lhe era familiar e viajar até um destino desconhecido. Por fim, este lugar se tornaria conhecido como a Terra de Israel e Avraham como aquele a quem ela foi originalmente prometida. Na ocasião, porém, Avraham não tinha idéia sobre aonde estava indo. Mas ordens são ordens, e assim, ele seguiu fielmente.



No final, a grande caminhada de Avraham seria o cumprimento de seu chamado como pai do monoteísmo. Ele enfrentaria todo o mundo pagão daquela época e seria mais bem-sucedido do que poderia imaginar. A propósito, creio que nós não damos o devido valor aos nossos gigantes bíblicos. Deixamos de apreciar a enormidade da contribuição de Avraham à civilização. O que ele fez foi nada menos que, sozinho, mudar a maneira de pensar do mundo! Acreditar em um Único Criador indivisível era um choque cultural para os idólatras daqueles tempos. Esta conquista fez de Avraham não somente o Patriarca fundador do povo judeu, como também o pai de todas as fés monoteístas do mundo.



Nunca houve alguém como Avraham, porém a Torá pouco fala dele. Quando crianças aprendemos que ele foi o primeiro iconoclasta, a pessoa que, ainda jovem, quebrou os ídolos da casa de seu pai. Avraham não se encaixa em qualquer imagem convencional do herói religioso. Ele não é, como Nôach, o único sobrevivente de um mundo prestes a ser destruído. Ele não é, como Moshê, um doador de leis e libertador. Não é, como os profetas, um homem que passa a vida enfrentando reis, lutando com seus contemporâneos e "falando verdades aos poderosos".



Na verdade, ele é um homem de virtude exemplar. Dá as boas-vindas a estranhos e lhes oferece comida. Luta uma batalha para resgatar seu sobrinho Lot. Espera pacientemente por um filho e então, quando vem a ordem, está disposto a oferecê-lo em sacrifício, apenas para descobrir que o D'us da verdade não deseja que sacrifiquemos nossos filhos, mas que os amemos. 



Segundo nossos Sábios, esta jornada rumo ao desconhecido foi o primeiro dos dez testes de fé que o Todo Poderoso imporia a Avraham. Porém, o teste definitivo, sobre o qual lemos em Rosh Hashaná e novamente na Parashá desta semana, é considerado o teste supremo. A Akeidah, o Sacrifício de Yitschac, o quase-sacrifício do filho que ele esperara um século para ter, consegue muito mais destaque na Torá, em nossas preces e nos escritos dos comentaristas.



Por que seria este o caso? O primeiro teste de Lech Lechá teve um impacto universal, ao passo que o Sacrifício de Yitschac foi apenas entre um pai, seu filho e D’us. Em algum ponto no alto de uma montanha escondida, bem distante do escrutínio público, um drama pessoal foi desempenhado. A jornada de Avraham, por outro lado, teve uma audiência quase global. Certamente, este teste universal é considerado muito mais importante que o teste pessoal de pai e filho.



A resposta é que antes que possamos aceitar uma missão universal para a humanidade, devemos primeiro entender nosso relacionamento pessoal com D’us. Ou, simplificando, antes que você possa mudar o mundo, precisa conhecer quem você é. Se você não conhece a si mesmo, se não reconhece sua própria missão espiritual pessoal, como pode esperar ter influência sobre a sociedade em geral?



Os Sábios ensinaram: “Aperfeiçoe a si mesmo antes de procurar aperfeiçoar os outros.” Obviamente, isso não equivale a dizer que não devemos tentar ensinar aos outros antes de sermos perfeitos nós mesmos (quem é perfeito?). O que isso sugere é que se queremos causar um impacto sobre os outros, nosso chamado deve ressoar autêntico e genuíno. Como podemos causar uma impressão sobre os outros se não somos indivíduos que merecem crédito? Um bom vendedor acredita em seu produto (mesmo se ele tiver de convencer a si próprio para acreditar…)



O lendário Hilel nos diz em Ética dos Pais: “Não julgue o teu próximo até que você tenha estado em seu lugar” – e uma interessante interpretação alternativa diz que ele quis dizer que para julgar acuradamente outra pessoa, devemos primeiro estabelecer que tipo de reputação aquele indivíduo desfruta em seu próprio lugar, sua própria cidade e lar. Não há alguma verdade na piada de Jackie Mason falando sobre o marido judeu que manda e desmanda na cidade, mas assim que entra na própria casa se transforma num marido dominado?



Há alguns anos, li uma frase que teve um profundo impacto sobre a minha personalidade: “Todo Rabino tem apenas um sermão – a maneira que vive sua própria vida.” É verdade. Podemos pregar de hoje até o próximo Yom Kipur, mas se não “fizermos aquilo que dizemos” e vivermos da maneira que pregamos, não comoveremos nossa platéia. Os oradores mais eloqüentes não causarão impacto se os ouvintes souberem que sua mensagem é oca e não se apóia num comprometimento pessoal genuíno.



Então, embora a história da jornada e da missão universal de Avraham apareça na Torá e venha cronologicamente antes do teste definitivo, a Akeidah reina suprema. Não apenas porque foi o mais difícil, mas porque nosso compromisso pessoal e integridade sempre formam a base moral de nossa missão para com o mundo. Ao final do dia, somente estes validam a pessoa e sua mensagem. Nenhum de nós pode ser um Avraham, mas todos podemos tomá-lo como exemplo. Talvez esta seja a mais profunda de todas as lições.