"O que você fez!" exclama minha mãe, frisando cada palavra. Um dragão habitou seu corpo, e seus olhos estão exalando fogo. Respiro fundo antes de explicar que coloquei as cobertas que usei durante minha visita em sua casa em seu cesto de roupa suja. Minha mãe bate os pés. “Eu nunca lavo as cobertas. Esta é a minha casa. Eu estou no comando. Fazemos as coisas do meu jeito. Do meu jeito!" ela repete, ainda mais alto.
"Por favor, me perdoe, mãe", eu digo. “Você está 100% certa. Estou totalmente errada e muito, muito arrependida.” Normalmente, eu não sou de rastejar. Mas eu sei que essa não é realmente minha doce e gentil mãe falando: ela está sob o poder tanto de sua demência vascular quanto do Alzheimer, a forma mais prevalente de demência.
Recebi a notícia através dos resultados de seus exames há cinco anos, logo após seu diagnóstico de dupla demência. Preocupava-me ler que, como um todo, a demência é a sétima principal causa de morte por doença e uma causa crescente de várias deficiências. Ainda assim, sei que minha mãe está entre os sortudos, tendo assistência médica domiciliar e fundos para poder permanecer em casa na presença de auxiliares. Mesmo depois de ultrapassar os limites da apólice, há dinheiro para ela continuar permanecendo em sua casa. Meu irmão e eu também temos sorte. Nós supervisionamos seus cuidados, mas nenhum de nós foi desafiado pelo profundo cansaço que meus amigos experimentaram ou estão passando em tempo integral com seus próprios pais.
Alguns dizem que dentro de cada doença há um presente. Não precisei cavar muito fundo para descobrir as oportunidades que a demência de minha mãe me ofereceu. Uma é ouvir pacientemente suas queixas, talvez para expiar todas as vezes que fiz tudo, mas bati os pés. Outra é ter me programado a voar de Nova York para a Flórida a cada seis semanas, para compartilhar refeições, risos (quando possível) e lembranças que ainda permanecem.
Minhas visitas não são simplesmente uma obrigação ou retribuição pelos cuidados que ela dedicou a mim ao longo de sua vida. Eu sinto o impacto profundo de passar tempo com ela, especialmente agora. Talvez quando chegar a hora e ela esquecer meu nome, ela se lembre de que tem uma filha que a ama. Que sempre a amou.
Encontrar o presente que a demência da minha mãe deu é claro que requer uma busca muito mais profunda. Ela não é mais capaz de se comunicar com suas amigas: principalmente o grupo de senhoras com quem ela se sentou durante jantares durante sua vida independente. Ela parece entediada enquanto folheia os álbuns de fotos, esperando sacudir sua memória. A maioria de sua família e amigos agora são como estranhos de qualquer forma. Ela parou de pintar telas e confeccionar cartões de felicitações pintados à mão. Compartilhar sua casa com auxiliares, aceitar ajuda para tomar seus medicamentos, despejar leite em seu cereal e lhe alcançar seu chá quente reforçam sua dependência. Ela está dolorosamente ciente dessa dependência.
Há quase três anos, minha mãe começou seus “passeios noturnos” pelo apartamento, sem saber onde estava. Às vezes, ela se sentava na cama, ainda meio adormecida, e depois corria para a porta da frente, respondendo a uma batida ou a um telefonema que só ela ouvia. Expliquei à minha mãe que não era mais seguro para ela ficar sozinha à noite e que era hora de agendar ajudantes 24 horas por dia. "Você está tirando tudo o que sou", ela me acusou entre soluços.
Depois que a lógica falhou, usei uma munição poderosa. Eu disse a ela que não conseguiria dormir à noite sabendo que ela poderia estar em perigo. Não era mentira. “Eu nunca quero magoar ou preocupar você,” ela disse, com lágrimas ainda em seus olhos, enquanto ela relutantemente consentia. Mais tarde, ela me disse: “Eu te amo tão alto quanto o céu”. Quem, eu pergunto, não gostaria de estar perto de uma mãe para ouvir isso?
Eu, por uma.
Houve momentos em minha vida em que eu teria preferido ficar bem longe. Momentos em que me senti sobrecarregada por seu carinho. Tempos em que eu estava muito voltada para mim mesma e no jogo de culpa por coisas que agora parecem tão inconsequentes que são ridículas, tristemente ridículas. Naqueles tempos que não voltam mais, perdi a oportunidade de transmitir meu amor. Mas talvez os sentimentos de culpa ajudem a pavimentar o caminho para a redenção.
No meu caso, não era tarde demais.
Talvez enquanto um pai está aqui, nunca é tarde demais.
Lembro sempre disso cada vez que penso no quinto mandamento que D'us deu aos judeus no Monte Sinai, um mandamento universal: “Honrar os pais”. Para fazê-lo, talvez, especialmente em tempos mais difíceis.
Como o Chinuch (Mitsvá 33) explica: Na raiz desta mitsvá está o pensamento de que é apropriado para uma pessoa tratar com amor e bondade a pessoa que a tratou com bondade. ... Cabe a uma pessoa perceber que seu pai e sua mãe são a causa de sua existência no mundo; portanto, na verdade, é apropriado que ela lhes dê todas as honras e todos os benefícios que puder ...
Olho brevemente para minha mãe, que não se importa mais com o que veste ou se o seu rosto está lavado. Que às vezes, por suas próprias frustrações, fala comigo de forma grosseira ou desagradável. Então dirijo um olhar mais cuidadoso e mais profundo. Vejo que, apesar da mente debilitada de minha mãe, ainda há um brilho em seu coração, uma bondade essencial em seus olhos que sempre esteve lá. Com meus próprios olhos renovados, vejo o quão capaz minha mãe é de ainda perceber o amor e de dá-lo, pelo menos com o melhor de sua capacidade.
A parte mais essencial da minha mãe ainda está aqui. Só é preciso um pouco mais de foco da minha parte para encontrá-la.
Minha mãe começa a chorar enquanto nos abraçamos em despedida.
"Você virá de novo, certo?" ela pergunta.
"Sim, mãe", eu digo, abraçando-a com mais força. "Vejo você muito em breve."
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