Os judeus são obrigados a rezar três vezes ao dia, mas meu pai nunca me forçava a sentar perto dele na sinagoga e rezar. Ele me deixava ser criança e correr ao redor como um pequeno furacão (ainda tenho uma cicatriz no meu braço direito de quando esmurrei a janela de cima) ou não ligava a mínima enquanto brincava com as crianças menores.

Ele com frequência rezava sozinho, ao lado de uma janela, balançando para trás e para frente enquanto rezava na manhã do Shabat no Beit Chabad de Berkeley. Geralmente, os serviços há muito tinham terminado e os outros homens já tinham saído para a varanda para o kidush comunitário.

Mas crianças estão sempre olhando. E eu vigiava meu pai, vestido não numa túnica vermelha mas num talit branco, um sidur no colo e uma alegre melodia chassídica em seus lábios.

O Baal Shem Tov, fundador do Judaísmo Chassídico, ensinava que prece deve ser infundida com meditação e alegria. Eu via este amor na reza de meu pai, através do tom emotivo de sua voz e na maneira em que ele mexia seu braço direito enquanto cantava as melodias.

Certa vez, perguntei ao meu pai pelo que ele estava rezando Ele sorriu e disse: “Rezar não é um tempo para pedir o que você precisa, mas para descobrir para que você é necessário.”

Não para pedir o que você precisa, embora meu pai diferentemente capaz tivesse muito do que precisava. Mas para descobrir para que você é necessário, não importa – ou talvez por causa de – os impedimentos colocados sobre ele por uma sociedade de meros mortais.

Quando adolescente, meu pai sofreu de uma rara distonia neuromuscular que entortou sua perna, tirou o movimento motor de suas mãos, e o fez sofrer quando um simples ato de falar tornou-se uma tarefa repleta de esforço. Os médicos, lutando para curá-lo, operaram duas vezes seu cérebro e falharam. Mais tarde na vida, ele desenvolveu problemas debilitantes como resultado daqueles procedimentos.

Ele tinha começado o curso ginasial “normal” como o restante das crianças, capaz de correr, falar e brincar. Mas terminou o curso se sentindo engaiolado pelo seu próprio corpo, inconscientemente não comunicado e conscientemente estereotipado como “o menino desabilitado,” praguejado com o sabor do que uma vida incapacitada poderia ter sido ainda fresca em sua mente jovem. Isso era composto pela ansiedade existencial eu não sou normal através da qual todo adolescente deve passar a caminho da vida adulta.

Mas aquilo não o impediu de ficar no alto. Ele se recusou a usar uma bengala ou a usar uma placa azul em seu carro (“alguém precisa disso mais do que eu,” ele dizia). Passou seus anos de faculdade e pós faculdade liderando protestos, marchas e movimentos contra discriminação à desabilidade. Foi como voluntário a uma corte, lutando em prol de pessoas da comunidade desabilitada que estavam empobrecidas por falta de emprego, e por fim tornou-se o diretor do Centro de Vida Independente em Nova York, permitindo a pessoas como ele a viverem independentes e livres. Por estas realizações apenas, ele é, como disse o Rebe a um grupo de veteranos feridos das Forças de Defesa de Israel em 1976, “... não incapazes, mas especiais.”

Então seu querido amigo da yeshivá, Rabi Yosef Langer, pediu que ele se mudasse do Brooklyn para Berkeley para ajudar a dirigir uma nova equipe Chabad na U.C, Berkeley. Após discutir isso com minha mãe e receber uma bênção do Rebe, meu pai transportou sua família (eu tinha três anos e minha irmã 18 meses) pelo país. Ele passou alguns poucos anos como administrador do Beit Chabad, então mudou para dirigir uma livraria em San Francisco, por fim criando sua própria organização não lucrativa que provê inspeção de comida casher para fábricas e fazendas. Os costumes de sua carreira podem ter mudado mas ele nunca usou sua incapacidade como uma desculpa para não voar.

“Ser grato cria grandeza,” ele me ensinou. Como o Super-Homem, ele continua voando para frente não importa quais balas proverbiais velozes a vida atira em seu caminho. Ele me mostra como desafiar limitações mortais e declara: “Para cima, para cima e para a frente.”

Em maneiras que vão além de um artigo, ele é meu super-herói, o homem que eu quero ser. Desde os dias em que eu o conheci (e em todo ano que passa eu o conheço mais), ele permanece positivo, imbatível, com uma propensão para apreciar piadas engraçadas e finais cheios de vida dos filmes infantis nos quais ele grita e ri quando o bom sujeito vence.

A única vez em que vi medo em seus olhos foi quando ele estava lutando contra o câncer ou o total desânimo, mas quando ele relatou seu primeiro encontro com minha mãe. “Eu achava que ela iria me ver e não olhar para mim...” Ele não pôde terminar a frase. Mas eu sabia.

Na verdade, não é preciso muito para as pessoas ficarem cegas ao melhor dentro do seu vizinho. Apenas bata num proverbial par de “óculos”, ou qualquer estereótipo social, e pessoas excepcionais estão de repente se escondendo da vista. Como um judeu chassídico desabilitado, as pessoas usavam sua desabilidade como uma desculpa para zombar dele, tentar tirar vantagem dele, e acusá-lo por seus insultos covardemente vindos dos carros que passavam. Eu odiava essas pessoas. Elas faziam eu me sentir violentamente furioso.

Mas meu pai mantinha a cabeça em pé. Ele nunca os deixava levar embora seu bechirá chafshit (livre escolha) para continuar acreditando nas pessoas e tratando até aquelas que iriam prejudicá-lo com empatia. O espaço vazio que criamos para o outro é o esforço mais completo,” ele diz. Desde o dia em que sua incapacidade o atacou até este momento, ele caminha com habilidades muito menores que os outros homens. Mas é o que há por dentro que faz do meu pai, ou de qualquer outro, um Super-Homem.

Quando eu era criança, ele enchia minha mente com historias sobre os 36 tsadikim ocultos, heróis legendários que realizam ações milagrosas em segredo e na sombra. Às vezes o próprio profeta Eliahu descia do Céu, disfarçado de mendigo ou vagabundo, para ajudar alguém em dificuldades. No decorrer dos capítulos da minha juventude, eu silenciosamente absorvia essas histórias sobre o tsadik disfarçado.

Mas enquanto eu amadurecia, comecei a perguntar “por que” e questionar a veracidade desses contos que meu pai amava tanto. Talvez essas histórias eram um consolo para mortais de mente fraca tentando desesperadamente fazer sentido de um mundo sem sentido? Talvez eles fossem todos feitos para manter as massas fiéis na linha?

Ou talvez eu estivesse totalmente errado. Talvez meu pai os amasse porque ele sabia como é ser mal julgado e desprezado como um mendigo inútil pela sociedade Darwiniana? Talvez essas histórias dissessem a ele mais do que elas podiam dizer para mim? E talvez, apenas talvez, não importasse se todas essas historias milagrosas aconteceram ou não.

Enquanto outros contadores de histórias e poemas incutissem nas crianças contos sem sentido e insípidos sobre cortar ratos cegos e essas coisas, as histórias do meu pai me levaram a acreditar que os homens mal cheirosos, pobres, sem lar que todos vigiam poderiam ser um tsadik oculto, com o potencial de se tornar um dos mais notáveis seres humanos do planeta. Pode haver um objetivo maior para uma história do que esse?

No decorrer da minha vida, permaneci na sombra de meu pai e vi como ele passa tempo com aqueles que se sentem deprimidos e derrotados pela chamada “incapacidade”. Às vezes, essas pessoas são sem teto com pungentes odores no corpo espalhando a própria noção do cheiro. Outras vezes, são pessoas com suas próprias casas mas cuja falta de moradia espiritual as assola com uma pungente belicosidade vinda de dentro. De qualquer maneira, eu testemunho como ele trata cada um deles como se fossem Eliahu ,o Profeta.

Eles dizem que é preciso um herói para deixar para trás suas doutrinações da infância. Mas a doutrinação de meu pai é pura bondade. “Todos sofrem lavagem cerebral,” meu pai diz. “Apenas depende de como você leva para seu cérebro.” Ele me fez lavagem cerebral para querer ser como ele, um herói.

Atualmente, não me importo tanto sobre o “por que” ou “o que” o define. Quando você manda embora todos os poderes do Super Homem, fica com alguém como meu pai que apenas deseja ver os bons sujeitos e se recusa a desistir da esperança que é encontrar sempre a bondade nos outros.

Como um super herói, meu pai mostra que aquilo que o mundo poderia ver como comum e dirigido pela mente pode ser realmente extraordinário. Como Major General Louis H. Wilson disse certa vez: “O verdadeiro gênio não está em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer as coisas comuns extraordinariamente bem.” E, como ensinava o Baal Shem Tov, “É preciso um gênio para ser realmente simples.”

É por que eu não rezo que cresci para ser como o Super Homem. Rezo para eu crescer para ser como meu Pai. Comparado a ele, o Super Homem tem muito para vencer. Pois meu pai me mostra que maior até do que ser um Super Homem, é ser um mensch.