Quando cresci na Ucrânia, em Donetsk, existiam muitas nações e nacionalidades. Nas cédulas de identidade das pessoas, constavam as designações ‘russo’, ‘ucraniano’, ‘georgiano’, ‘caucasiano’. Isso não importava muito, não havia grandes diferenças nisso, mas uma coisa, sim, fazia a diferença – se estivesse escrito ‘judeu’, era como se você sofresse de alguma doença.

Não sabíamos nada sobre o judaísmo, não havia nada de significativo na nossa identidade judaica, exceto pelo antissemitismo e o ódio contra nós. Portanto, ninguém tentava alterar em sua cédula de identidade a palavra ‘russo’ para ‘ucraniano’, por exemplo, para poder ter acesso às universidades, pois isso não importava. Mas se nela estivesse escrito a palavra ‘judeu’ e você conseguisse mudar isso – claro que suas chances de ser aceito eram muito maiores.

Lembrei-me disso essa semana, ao ver milhares de pessoas detidas nas fronteiras, tentando escapar da tragédia na Ucrânia. Elas ficam lá dias e noites, e há uma única palavra que pode ajudá-las a sair de lá: ‘judeu’.

Se você é judeu – há outros do lado de fora que se preocupam por você, há alguém do outro lado da fronteira que te procura; suas chances de sair de lá são grandes.

O mundo virou de cabeça pra baixo. Quando eu era criança, 'judeu' era uma palavra incomum para designar o mal, ninguém nos invejava.

E hoje, na fronteira ucraniana, ‘judeu’ é uma palavra para o bem. Ela descreve as pessoas que têm para onde ir, a certeza de que existe um povo que é a sua família – e que te espera do lado de fora.