Como terapeuta, aprendi que em última análise, toda terapia é terapia de sofrimento – o conhecimento de que nessa vida, estamos sempre lidando com algum tipo de perda: perda de identidade, perda de inocência, perda dos sonhos, perda de um ente querido.
Quando o Coronavírus atingiu o mundo e se tornou evidente que era uma pandemia de proporções épicas, e, como todos neste planeta, fui jogado a uma nova realidade. Perguntei-me se todo o meu trabalho pessoal e profissional durante os últimos 40 anos poderiam sustentar a mim e aos meus entes queridos e os meus amados “alunos” (ou seja, clientes). Eu sabia que essa crise global era de uma natureza totalmente diferente. E assim, seria eu capaz de me segurar na “corda” da fé e da confiança em D'us que agora estava balançando e desafiando nossa realidade?
Então chegou a notícia de que meu genro, Shalom, em Monsey, N.Y., tinha sido hospitalizado. Não podendo viajar para estar ali com minha filha e meus netos (que também estavam doentes com o vírus), isso aumentou a minha ansiedade. Sentimentos de impotência e desesperança abalaram minha família enquanto tentávamos desesperadamente achar ao menos um raio de esperança. Aquela semana da hospitalização dele foi passada em pânico, ansiedade e temor, implorando por qualquer fiapo de possibilidade de que ele iria se curar e recuperar a saúde.
Não foi assim. Meu genro faleceu no Shabat, 10º dia de Nissan. A triste ligação chegou logo após um Shabat de intensa oração. Impossível! Este não deveria ser o mês de milagres? O mês da redenção – de sair da escravidão para a liberdade? Shalom?
Meu genro, que durante 33 anos foi mais como um filho para mim … cuja presença representava shalom, “paz” a todos que o conheciam e amavam. Ele era realmente um esteio para sua família e seus amigos – um mensch responsável, confiável e respeitável. Como nosso mundo poderia existir sem ele?
Para aumentar nossa angústia havia as restrições contra viajar. Não poderíamos apoiar um ao outro fisicamente com nossa presença, nosso sofrimento coletivo, nossos abraços, e a força do amor familiar. O funeral foi no dia seguinte, que testemunhamos em Zoom [do mundo inteiro: Inglaterra, Austrália, Israel). Foi quase um insulto para nossos sentidos – a frieza da tecnologia, e mesmo assim o alívio de em alguma forma vermos uns aos outros e podermos passar “juntos” por este pesadelo.
Três dias depois, precisávamos celebrar a festa de Pêssach. Sempre, esses dias têm sido um tempo de amor para nossa família. Agora eles passaram como um borrão. Estar sozinho, separado, temeroso; mesmo assim, de alguma forma passamos pelos movimentos. Eu descobri que tudo que podia fazer estava me colocando em modo automático, perguntando se havia coisas suficientes no mundo para enxugar as lágrimas.
Na época, a porção semanal da Torá lembrava as prematuras mortes dos dois filhos de Aharon, o Sumo Sacerdote. A reação de Aharon foi vayidom, ele ficou silente.
Aquilo ressoava comigo. Nenhuma palavra. Silêncio, A magnitude dessa perda era tão devastadora que nenhum pensamento ou sentimento poderia jamais ser expressado. Esperei. Esperei paciente e impacientemente para o tempo passar, para a capacidade de respirar conscientemente no momento presente. Voltei-me para a dolorosa obra de permitir as lágrimas de dor e trauma, e de treinar e re-treinar meu cérebro a permanecer longe do que seria/poderia/deveria do passado e da insistente ansiedade do futuro.
Estando no campo da saúde mental (e provavelmente desde que eu tinha 5 anos de idade), eu sempre tinha tentado encontrar a filosofia e a psicologia por trás dos mistérios da vida – dar razão e significado às pessoas, locais e eventos que pareciam tão esparsos – quando tudo parecia tão desolado. E, é claro, aprender como funcionar quando o sofrimento não pode ser contido.
Gradualmente, no decorrer dos anos, desenvolvi algum rumo, algumas ferramentas e um conjunto de crenças que me permitem “considerar essas verdades como auto-evidentes”. Agora, numa maneira mais profunda, precisei voltar a elas. Talvez elas também irão ser úteis a outros.
- Sei que não sei. Maimônides diz que o conhecimento mais elevado é “saber que não sabemos.” Isso certamente nos mantém humildes e coloca tudo em perspectiva. O que podemos realmente saber sobre esse tempo de vida? Vidas passadas? A jornada da nossa alma? É um eterno desafio ter um cérebro que naturalmente deseja saber e mesmo assim em tantos pontos na vida, somos impedidos de saber.
- Ouça o corpo. A conexão coração-corpo é tão real. Ouvir aquilo que o corpo está dizendo é vital para nossa saúde mental e física. Sintomas físicos imploram por reconhecimento e compreensão. Eu não poderia controlar meu corpo além daquilo que ele é capaz de fazer. Náusea, perda de apetite, choro incontrolável, indiferença, desespero – todos se tornaram meus novos companheiros.
- Aceitar sem julgamento. Este é um dos mais difíceis. A frase Baruch Dayan ha-Emet, “Bendito seja o verdadeiro Juiz”, é fácil de pronunciar, mas difícil de interiorizar. D'us não serve a mim e às minhas limitações. Estou aqui para servir a Ele. Sei o que eu posso e vou lutar com minha reação à dor e ao sofrimento, será a raiva, a negação, luta, medo, etc. Mas no final, minha saúde mental depende da minha capacidade de aceitar a realidade sem julgamento.
- Não comparar ou competir. Todos sofrem à sua maneira individual. Não há uma maneira certa ou errada de reagir à perda; devemos honrar nossos próprios sentimentos. Para orientação e perspectiva, precisamos apenas olhar na Torá por ajuda e até inspiração.
- Haverá perguntas, mas não respostas. Há tantas questões: Por que eu? Por que nós? O que poderíamos ter feito para impedir isso? Houve cuidado suficiente quando ele foi para o hospital? Haverá recuperação deste caos – esta dor inconsolável na nossa vida? Pode um dia haver cura? O que podemos esperar de nós mesmos, do nosso mundo, do nosso futuro?
- Viver com a dualidade de lastimar e seguir em frente. A total dualidade deste mundo se torna tão pungente. Quando abalados por uma tragédia, as coisas parecem irreais. O trauma com frequência abala nossa conexão com a realidade. Deveríamos ser capazes de apreciar um dia de sol? O perfume da primavera? Uma nova pequena vida abençoando essa família? O pendulo de sentimentos e pensamentos balança para a frente e para trás, às vezes violentamente, às vezes com surpresa, e sem notar nem tempo para se ajustar. Ao mesmo tempo, é imperativo que lamentar não nos impeça de seguir em frente e levar a vida que eu sei que o meu genro desejaria que tivéssemos.
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