Quanto os seres humanos precisam – e quanto podemos fazer – uns pelos outros? Um antiga profecia com 2624 anos nos ensina uma lição eterna no poder que temos para ajudar a curar um ao outro.
Permita-me compartilhar duas historias com você, definindo episódios sobre a dignidade humana que deixaram uma impressão indelével em mim.
Há alguns anos, talvez nove, eu estava dando uma aula sobre o tema de amor incondicional. O amor condicional é causado por motivos ulteriores, e portanto está sujeito à mudança: se o motivo não é mais cumprido, o amor desvanece em proporção direta. O amor incondicional, em contraste, é firme porque não é determinado por fatores casuais.
Enquanto eu estava falando, um homem sentado à minha direita começou a sussurrar. “Totalmente certo,” ele disse. “O único amor incondicional é o amor que você recebe de seu cachorro de estimação.” Sua voz ficou mais alta e mais agressiva.
“O amor humano jamais pode ser confiado. As pessoas sempre irão desapontar você, mas seu cão sempre o amará, incondicionalmente. Quando você chega em casa após um dia difícil, seu cão irá saudar você na porta de entrada, lamber você e sempre o aceitar. O amor humano é imprevisível, sempre mudando, sempre com correias amarradas.”
O homem sentia-se cada vez mais encorajado a falar, a tal ponto que estava quase espumando pela boca. “Sim”, ele continuou, “os seres humanos nunca podem ser confiáveis. O único amor que é incondicional é aquele do seu bicho de estimação.” Obviamente, o assunto abalava profundamente este cavalheiro.
O restante presente na aula, porém, ficou bem aborrecido. As pessoas tentavam silenciá-lo. Alguns zombavam, outros riam, enquanto outros ficavam furiosos. Uma mulher falou alto com ele, com uma voz de desprezo. “Não viemos aqui para ouvir você falar sobre seu cachorro. Viemos para escutar o Rabino. Por que você não se cala com essa bobagem de cachorro. Pare de falar como um lunático.”
Jamais vou esquecer a expressão nos olhos dele, enquanto olhava para ela e disse numa voz angustiada, trêmula: “Você… Você é tão insípida… “
A classe inteira olhou para mim, esperando, para ver o que eu iria responder. Eu poderia facilmente ter despachado o sujeito. Teria sido ainda possível conseguir uma boa risada às custas dele. Mas lembrei-me instantaneamente de algo que tinha ocorrido há muitos anos, quando eu usava roupas de um homem mais jovem e mais magro.
“O amor humano jamais pode ser confiado...as pessoas sempre irão desapontar você.Um homem chegou para me ver e contou-se sua história de vida, que incluía o horrível abuso a que seu pai alcoólatra o sujeitava. Para evitar os golpes de um taco de beisebol, o menino corria para fora e dormia perto da casa do cachorro, onde seria confortado pelo amor de seu bicho de estimação… O homem me disse: “Aprendi sobre amor com… um cachorro. Este foi o primeiro verdadeiro amor que jamais experimentei.”
Fiquei totalmente atordoado. Era a primeira vez que eu ouvia sobre abuso. Não conseguia acreditar. Mas jamais me esqueci da história. Portanto agora, quando aquele homem estava falando sobre o amor incondicional de um cachorro, eu disse a mim mesmo: “Você nunca sabe onde as pessoas encontram o amor. Nunca, nunca julgue ninguém especialmente quando se trata do âmbito emocional.”
Então eu disse calmamente ao homem na classe: “Ouça, esta semana estamos falando sobre amor humano. Vamos designar outra hora para discutir amor canino.”
Todos ficaram surpresos ao ver o homem responder com respeito: “Obrigado, Entendo.”
Depois da aula, outra aluna passou-me um recado escrito à mão, que eu li depois de voltar para casa. “Tenho ido às suas aulas por dois anos,” escreveu ela. “Aprendi muitas coisas e fiquei inspirada. Mas hoje à noite aprendi a lição mais importante de todas: o respeito que se deve mostrar às outras pessoas, não importa o quanto seu comportamento possa ser estranho. Você me curou essa noite da minha maior ferida: a falta de confiança na dignidade humana.”
Alguns meses depois, o homem me chamou também, e disse que queria me agradecer por não o ter dispensado.
“Sua validação por mim deu-me força para lidar com alguns desafios difíceis que estou enfrentando. No decorrer dos anos, eu sempre fui considerado estranho quando eu reagia fortemente, à minha maneira bizarra, a questões sobre o amor. Naquela noite algo mudou. O fato de você não ter me invalidado, de você realmente me permitir ser estranho, abriu algumas portas significantes. Agora acredito em algumas novas possibilidades.”
Agora, a história número dois
Em uma de nossas programações especiais, uma delas foi em Shabat Nachamu anos atrás, uma mulher estava claramente infeliz sobre quase tudo. Ela não gostava das acomodações, da comida, das pessoas, do kidush, etc. Ninguém da equipe conseguia apaziguá-la, portanto o desafio foi entregue a mim. Tentei falar com ela, sem obter resultado. O que reconheci, porém, foi que algo mais a estava perturbando. Então simplesmente a deixei em seu espaço e não argumentei.
Na manhã seguinte antes da leitura da Torá falei sobre Nachamu. “Nachamu” é o nome do Shabat, baseado no início da Haftará lida no Shabat após Tisha B’Av, o dia mais triste do calendário judaico, que recorda a destruição dos dois Templos Sagrados. A palavra significa “consolo”. D'us diz ao profeta, “Nachamu, Nachamu Ami, - Conforte, conforte Meu povo… fale ao coração de Jerusalém.”
O Midrash explica (Peksita Rabsi, 30) que cada Haftará das semanas seguintes seguem uma sequência. D'us primeiro enviou Seus mensageiros, os profetas, para consolar Jerusalém e o povo. “Mas Zion disse (na Haftará da próxima semana): “D’us me abandonou; Meu D’us esqueceu de mim”.Zion não se consola com a consolação dos profetas. Os mensageiros voltam e falam para D’us (na Haftará da terceira semana): “Aflito, abalado pela tempestade, a pessoa não é consolada” pelas nossas palavras de conforto. D'us então respondeu (na quarta semana): “Anochi, nochi hum Menachem’chem”, Eu, Eu sou aquele que te conforta.” Não mensageiros, mas Eu – sim, Eu mesmo – conforto você. Por quê? Porque a lei é “se um fogo sai do controle… aquele que iniciou o fogo deve fazer reparação” (Shemot 22:5). Como D'us é aquele que “começou o fogo” que destruiu o Templo, o Próprio D'us vem para confortar sobre a perda (Pesikta Rabsi,30).
A questão que abordei foi essa: Se as pessoas estivessem certas em ficar insatisfeitas com o consolo dos mensageiros, por que o Próprio D'us não veio consolar as pessoas, e em vez disso enviou mensageiros?
Sugeri que talvez o motivo para isso é porque ao enviar mensageiros humanos para consolar as pessoas (Nachamu, Nachamu Ami) D'us instilou nos seres humanos o poder de consolar os outros. D'us obviamente tem o poder de nos consolar, e Ele o faz depois. Mas a grande pergunta é se temos o poder de consolar e dar força uns aos outros? Nachamu, Nachamu Ami claramente declara que nos foi dado esse poder.
Isso pode ser comparado à declaração talmúdica sobre cura. Um versículo específico na Torá (v’rapê ye’rapê lo) declara que D'us deu aos seres humanos (médicos) a permissão Divina e o poder de curar. Talvez esse fosse um passo necessário para começar a curar e a reparar o ódio infundado, que foi a causa da destruição do Segundo Templo. [Embora Nachamu fosse dito por Yeshayahu em conexão com o primeiro Templo, porém Nachamu permanece na Haftará recitada também após a destruição do Segundo Templo].
Após minha breve palestra sobre o tema, a mulher infeliz com tudo, chamou-me de lado, e me disse que este é o primeiro yahrzeit de seu filho, cujo bar mitsvá foi no Shabat Nachamu. Ela tinha vindo participar nessa semana para tentar alivia seu sofrimento. Ela reconhecia que a sua angustia foi a causa de todas as suas reclamações. Após ouvir minhas palavras, ela se sentiu consolada. Acreditava que realmente temos o poder de confortar uns aos outros e como tal ela gostaria que eu dedicasse a leitura da Haftará em honra ao seu filho.
Sim, meus amigos, temos o poder de consolar e fortalecer uns aos outros. Não deveríamos levar isso levianamente; é um poder Divino dado a nós como um grande presente. Obviamente, esse presente também vem com seu alter ego: a capacidade de ferir ao outro. Mas o foco deveria estar em nossa habilidade de escolher o caminho para capacitar uns aos outros.
Isso pode também explicar o grande poder no contato humano. Sabemos hoje – algo que sempre foi enfatizado na Torá – o profundo efeito de uma mãe embalando seu filho recém nascido. Ainda temos de apreciar plenamente o impacto de nove meses de gestação, quando o feto está totalmente submerso no útero de sua mãe, num desenvolvimento e senso de segurança neste mundo. Mas é totalmente claro que o toque amoroso dos pais ajuda a criança a desenvolver segurança e confiança, e a capacidade, por sua vez, amar e tocar os outros.
D'us poderia ter nos criado para sermos totalmente auto-dependentes, sem a necessidade da aprovação humana, mas então nós seres humanos não seríamos parte da criação da magia do amor. Portanto D'us assumiu o risco – como Ele fez com todos os poderes concedidos aos seres humanos – mas um risco que valeu os benefícios: o grande poder que geramos quando temos sinergia, amor e incentivo ao nosso próximo.
É verdade que o sábio Hillel diz: “Se eu não for por mim mesmo, quem será por mim?” Mas ele também continua: “Se eu for somente para mim mesmo, quem sou eu?” A segunda frase não contradiz a primeira, porque antes de mais nada, cada um de nós é um indivíduo que tem o poder de ficar sobre os próprios pés. Mesmo se não recebermos o amor adequado (D'us não o permita), não somos fadados e temos a capacidade de compensar nutrindo a nós mesmos, conectando-nos com nossas almas Divinas. Em outras palavras, somos indivíduos independentes; nosso valor inerente não é determinado por outras pessoas.
Mas quando estabelecemos o senso de ser (“se eu não for por mim mesmo quem será por mim?”) a pessoa pode atingir grandes alturas somente com o apoio e complementação dos outros (“Se eu não for por mim mesmo, quem sou eu?”). Portanto, lembre-se toda vez que você interagir com outra pessoa: Você tem a capacidade única de fortalecê-la. Toda vez.
É tudo sobre dignidade humana. Respeitar a dignidade do outro é o mesmo que respeitar a sua própria . Se alguém está comprometido o outro irá logo segui-lo. Além disso, cada um de nós é um microcosmo de um todo. Quando você toca outra pessoa você toca o universo. E finalmente, tocar a outro é tocar a D'us. De modo contrário, mesmo se você tenha perdido a confiança nas pessoas devido a experiências desapontadoras, saiba sempre que ainda permanecem indivíduos especiais que têm a habilidade de nos ajudar. Portanto nunca perca a esperança. Procure e você encontrará.
Que levemos a sério essa responsabilidade, e possamos viver de acordo com o seu pleno poder.
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