Em Rumo a Uma Vida Significativa, parte 1 do capítulo sobre Mudança e Convulsão

Quando uma calamidade atinge o público devemos clamar, examinar nossa vida e agir sobre ela. Dizer que a calamidade é apenas a maneira do mundo e uma coincidência é grosseiramente insensível - Maimônides, Leis do Jejum 1-2-3

Turbulência – especialmente numa escala global – proporciona um novo estágio na vida e na história. Quando a vida é abalada não devemos ser defensivos. Devemos intensificar nossa ofensiva, nos tornarmos mais pró-ativos e iniciar novos programas que irão melhorar o mundo. Para cada abalo devemos acrescentar um novo compromisso com a bondade. - O Rebe

Estamos à beira de um novo mundo,” disse o Rebe em 1990. “Estamos concluindo uma era consumida pelo materialismo, e entrando no tempo da Redenção, uma época de elevada consciência espiritual, onde o materialismo é apenas um meio para o sublime.”

A vida do Rebe foi repleta de turbulências. Nascido em 1902 na Rússia Czarista, o Rebe pessoalmente viveu através da Revolução Russa e da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. Ele estava estudando em Berlim quando os nazistas chegaram ao poder, e em Paris quando eles ocuparam a França. Após conseguir escapar da Europa durante a guerra, ele chegou aos Estados Unidos em 1941, estabelecendo-se em Nova York, e viveu ali durante a turbulenta segunda metade do Século Vinte.

Quando o Rebe discutia tragédias no decorrer dos anos, uma simples sugestão estava presente em suas palestras – como transformar eventos caóticos em forças de mudança positiva. Ele nos instruía a usar os desafios para cumprirmos nossa missão de integrar a Divindade na nossa vida diária. O Rebe via nossa geração como uma de transição, e todos os tumultos da nossa geração como parte do processo de transição. “Estamos à beira de um novo mundo,” ele disse em 1990. “Estamos concluindo uma era consumida pelo materialismo, e entrando no tempo da Redenção, uma época de elevada consciência espiritual, onde o materialismo é apenas um meio para o sublime.”

Como lidamos com calamidades?

Ao contrário de tragédia e perda pessoal, que afetam as vidas de indivíduos e aqueles próximos deles, a crise mundial a é uma ruptura que afeta comunidades, desestabiliza nações ou até coloca em perigo o mundo todo. De repente, as bases da nossa segurança – segurança pessoal, econômica, bem estar, nossas próprias vidas – foram sabotadas.

Em tempos assim, quando os alicerces do nosso mundo parecem entrar em colapso, é difícil evitar ser dominado pelo medo e pela incerteza. Perguntamos: O que está acontecendo? O mundo vai retornar ao normal? Como podemos nos preparar para um futuro desconhecido, imprevisível? Podemos recuperar nosso equilíbrio e superar nossas sensações de alienação?

Não damos boas vindas às calamidades, e podemos até desafiar D'us por permiti-las, porém parte do nosso desafio é vencer nossa fúria, medo e sofrimento a fim de trazer possibilidades de crescimento.

As perguntas chegam mais depressa que as respostas, que podem nem chegar, e ficamos desorientados e temerosos. Podem até nos tornar paralisados, incapazes de adquirir uma perspectiva sobre os eventos que nos atacaram ou recobrar controle sobre nossos destinos. Numa situação tão difícil, o que podemos fazer?

Para viver significativamente, devemos enfrentar o dilema diretamente e não nos recolher em medo ou negação. Até as experiências mais difíceis são parte do propósito e da missão na vida, e devemos lutar para aceitá-las nesse estado de espírito. Não damos boas vindas às calamidades, e podemos até desafiar D'us por permiti-las, porém parte do nosso desafio é vencer nossa fúria, medo e sofrimento a fim de trazer possibilidades de crescimento. Mesmo quando nosso estilo de vida parece estar ameaçado, devemos aprender a encontrar as sementes da transformação.

Antes que possamos aprender com o cataclisma, porém, devemos nos recuperar do choque e restaurar algum senso de segurança. Em tempos como esses precisamos buscar conforto e força nas pessoas ao nosso redor, família, amigos e comunidade. A mão que estendemos para acalmar e confortar nossos irmãos seres humanos ajuda a diminuir também o nosso sofrimento.

Uma mulher que sofreu uma grande tragédia foi ver seu Rabino. O Rabino disse a ela: Não tenho respostas para você, mas posso chorar com você. O tempo para análise e explicação vem mais tarde. A primeira reação a um trauma em grande escala é receber força e consolo. Empatia e compaixão podem parecer serem meras formas de nos abrigar da desordem ao nosso redor, mas são também os primeiros passos no processo de cura.

Como podemos compreender convulsão?

Quando garantimos nossa própria segurança e o bem estar das pessoas ao redor, podemos começar a olhar além da crise imediata para compreender a convulsão e o que significa para nós. Quando vemos o quadro em geral, é possível aprender e crescer pelas nossas experiências. Podemos descobrir que resistimos dando esses passos, que somos bloqueados por um segundo temor, mais profundo que aquele associado com os terríveis eventos: um medo do desconhecido.

Temor e incerteza são necessários, até saudáveis, são parte do processo de crescimento. Convulsão numa escala nacional ou global é um sinal de mudança. Assim como o grande cataclisma registrado na Torá – o Mabul, Dilúvio, a escravidão egípcia, o Êxodo - representam estágios num grande plano histórico divinamente ordenado, assim também são as rupturas do tecido geopolítico em nossos tempos.

A mão que estendemos para acalmar e confortar nossos irmãos seres humanos ajuda a diminuir também o nosso sofrimento.

Quando nos sentimos desorientados pelo que aconteceu – mesmo se a princípio sentimos medo e dor – estamos reconhecendo as profundas mudanças que ocorrem ao nosso redor. É perturbador nos encontrarmos suspensos entre um passado que foi levado embora e um futuro imprevisível, não informado. Nesses momentos, o que vemos é destruição e desordem, e não podemos compreender como as convulsões de hoje estão começando a introduzir o futuro. Mas elas estão.

Nossos sábios ensinam: “Quem é sábio? Aquele que vê o nascimento”– não apenas a escuridão, mas como ela leva à luz. O crescimento ocorre em três estágios: um estado embrionário, um vácuo entre velho e novo, e um estado de transformação. Convulsão é o estágio do meio, caótico. Sob a nossa perspectiva humana, pode parecer como um abismo, mas numa visão mais ampla, é o primeiro sinal de algo novo, um nascimento. Quando mudanças catastróficas criam rupturas na nossa vida diária, podemos ser vitimas delas, ou podemos aproveitar a oportunidade para buscar sinais das mudanças que seguem os tempos difíceis. Aquilo que descobrirmos vai nos levar a uma visão inteiramente nova.

Entre as muitas convulsões causadas pela Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa estava a devastação da vida religiosa sob o governo soviético. Milhões de pessoas foram mortas e outras foram perseguidas e não tinham permissão de viver livremente. Um dos notáveis rabinos da época, que desafiou abertamente as autoridades soviéticas, foi preso e condenado à morte. Ele foi salvo milagrosamente, e mais tarde explicou, que por mais difícil que possa ser a situação, devemos nos apegar à nossa fé e saber que esses tempos sombrios levarão a um novo renascimento da vida judaica e ao início de uma nova ordem no mundo onde paz e liberdade irão reinar.

É perturbador nos encontrarmos suspensos entre um passado que foi levado embora e um futuro imprevisível, não informado.

O Rebe prometeu, que em breve, veríamos em retrospecto como esses terríveis eventos (como os eventos que levaram ao milagre de Purim) foram partes de um quebra cabeças maior, etapas num processo, e que ao conectarmos os pontos iríamos reconhecer o plano Divino que está nos levando a um lugar melhor.

O que nos traz verdadeira segurança?

Em tempos de colapso, nos é dada a rara oportunidade de perceber diretamente e com certeza o que é verdadeiro e real em nossas vidas. Como resultado, percebemos duas coisas fundamentais. Primeiro, vemos os frágeis confortos materiais inúteis em que confiamos com frequência nossos sensos de segurança. Ao enfrentar uma crise, imediatamente reconhecemos que é tolice depender dessas coisas não substanciais para nossa segurança e sobrevivência. Em segundo lugar, quando olhamos por baixo da superfície do nosso reino material, começamos a discernir os limites de um mundo mais resistente, onde podemos construir um pilar suficientemente poderoso para nos apoiar e proteger. Descobrimos, em outras palavras, a fonte de uma segurança que é permanente e eterna.

Nós mesmos – nosso verdadeiro ser – consiste de dois componentes: um corpo e uma alma. A felicidade é possível somente quando ligamos essas entidades diferentes, quando nutrimos nossa alma assim como fazemos com nosso corpo. A verdadeira segurança somente é possível quando nossa vida material está enraizada em nós e conectada com a nossa vida espiritual.

Esses eventos são uma doutrina ascética, que nos encoraja a negar nossos corpos ou o mundo material. Mas devemos reconhecer que a vida material não é um fim auto-suficiente em si mesma, mas um meio para expressão espiritual e o corpo é um veículo para a jornada das nossas almas neste mundo. O corpo e a alma, porém, não são aliados naturais; os mundos material e espiritual com frequência estão em oposição. Em geral, quanto mais valor colocamos nas coisas materiais, mais desafiante é descobrir o espiritual. Não demora muito para atingirmos o ponto onde estamos conscientes de nada exceto da matéria; nossa propriedade, nossa prosperidade e nossas conquistas materiais criam uma ilusão sedutora de valor e invencibilidade. Enquanto estivermos vivendo vidas confortáveis livres de perturbação, nossas ilusões podem ser perpetuadas.

No instante em que irrompe o desastre, percebemos com terrível clareza como estávamos enganados em devotar nossa vida à busca de fins puramente materiais. Ao redescobrir nosso propósito interior – e sincronizar as metas de corpo e alma – podemos voltar ao rumo. Para fazer isso, cada um de nós deve perguntar: Para que estou aqui? Quais são minhas prioridades? Qual deveria ser meu objetivo? O que iria me fazer sentir seguro nesse mundo, não importa o que aconteça? As perguntas são feitas em tempo de ruptura – e as respostas que nós damos – são provavelmente as mais difíceis da nossa vida.

Quando o mundo ameaça sair do controle, como pode quando irrompe o desastre, temos uma oportunidade de espreitar por trás da sua fachada de falsa solidez e dar uma olhada sincera também em nós mesmos. Podemos nos encontrar face a face com o medo existencial e a solidão com que as pessoas há muito tempo têm lutado: que estamos sozinhos em nosso universo, que a vida carece de propósito e direção.

Ao superar nosso terror, respondemos ao desafio para definir nossas verdadeiras crenças, quem somos nós e os valores pelos quais vivemos. Nestes momentos, temos uma oportunidade de descartar antigos padrões de comportamento e nos adequarmos aos novos.