O discurso de ódio foi o tema mais presente na 50ª Convenção Nacional da Confederação Israelita do Brasil (Conib), que aconteceu em São Paulo. A preocupação com o crescimento de casos envolvendo o discurso de ódio, assim como o cenário mundial de agravamento do antissemitismo, permearam boa parte da agenda.
O evento contou com a presença de diversas lideranças judaicas, representantes das 14 federadas ligadas à Conib, de comunidades latino-americanas e de autoridades nacionais
Em seu discurso, Fernando Lottenberg enumerou ações importantes realizadas pela Conib ao longo de 2019 em diversas frentes, alertou mais uma vez para a escalada mundial do antissemitismo e lembrou que há um ano, reunidos naquele mesmo salão, durante a convenção de 2018, lamentou-se e honrou-se a memória dos 11 mortos no atentado à sinagoga de Pittsburgh. Infelizmente, a ele seguiram-se os atentados à sinagoga de Poway, na Califórnia e à sinagoga de Halle, na Alemanha, há poucas semanas, durante as celebrações de Yom Kipur.
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, dirigiu-se aos presentes, disse que o Poder Judiciário vai combater o discurso de ódio: “É lamentável estarmos confundindo liberdade de expressão com discurso de ódio. O Poder Judiciário não vai permitir o discurso de ódio que é crime. E esse crime vai ser combatido. Tolerância e respeito à diversidade são tradições no Brasil”.
O presidente da Conib, Fernando Lottenberg, defendeu a pluralidade da comunidade judaica brasileira e o combate à intolerância e ao discurso de ódio em seu discurso. Para Lottenberg, num momento de tanta polarização e fomento ao ódio e a divisões, a comunidade judaica precisa se manter unida em sua diversidade. E o guia único para promover essa união são os valores do judaísmo.
Segue parte do discurso do presidente da Conib, Fernando Lottenberg, no jantar de gala da 50ª Convenção dia 2 de novembro na Hebraica de São Paulo:
“Desde a nossa última convenção, muita coisa aconteceu - no Brasil e no mundo. Foi um ano de muitas realizações, de viagens, de encontros - e também de alguns desencontros.
Começamos o ano com a notícia de uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, assegurando a alunos alternativas para realizar provas marcadas para datas nas quais, segundo seus preceitos religiosos, seja proibido o exercício de atividades.
Temos sido, há séculos, um termômetro do estado da intolerância no mundo. O aumento de ataques a alvos judaicos, o que por si só já é terrível, geralmente precede perseguições, ataques e conflitos mais abrangentes. Somos como o elo fraco da corrente da tolerância e do entendimento, que está prestes a se romper em várias partes do mundo. Lideranças judaicas globais têm se esforçado em denunciar e combater essa onda, muitas vezes disfarçadas ou embaralhadas em disputas políticas e sectárias que transcendem a questão religiosa, étnica ou nacional. Mas, infelizmente, muitos ainda não querem ver e não querem ouvir.
Precisamos seguir firmes nessa linha de defesa do respeito e do entendimento, para o bem estar de todos.
E, para que possamos ter força nessa luta incontornável, é necessário que estejamos unidos, dentro de nossa diversidade. E o que pode nos unir se, entre nós, também há pensamentos divergentes, extremos que discordam e não se esforçam para buscar a conciliação? Penso que o que pode nos unir, meus amigos, são nossos valores, que desde sempre se fundamentam tanto no espírito comunitário, que nos permitiu resistir e prosperar em meio a dificuldades extremas, quanto na diversidade de opiniões, fonte inesgotável de sabedoria e desenvolvimento.
Segundo o rabino Jonathan Sacks, a civilização judaica é uma das únicas cujos textos canônicos são antologias de argumentos. Os profetas discutem com Deus; os rabinos discutem entre si. E, onde você encontra argumentos, lá encontrará paixão. Somos um povo com opiniões fortes - faz parte de quem somos. Nossa capacidade de argumentar, nossa grande diversidade cultural, religiosa e de qualquer outra forma, não tem sido uma fraqueza, mas uma força.
E essa fortaleza, portanto, vem da conjunção de dois fatores aparentemente contraditórios: a coesão comunitária e a diversidade de pensamento. É uma combinação nem sempre fácil, mas sempre necessária. Trata-se de um arranjo pelo qual a Conib vem lutando desde sempre, ainda mais nesses tempos de tanta polarização e de promoção do ódio e da intolerância. Mas essa postura de defesa firme e intransigente de nossa diversidade nem sempre é compreendida como tal.
Como estabelece nosso estatuto, somos uma instituição política, mas também apartidária. E, nesse papel, devemos manter boas relações e diálogo efetivo com todas as vertentes políticas e institucionais do nosso país. Não há como fazer de outro jeito. É isso o que temos feito. Dialogamos - e divergimos, quando necessário - com todos os governos, independentemente de sua orientação política. Tivemos encontros com autoridades e ministros, em vários governos, cada um a seu tempo, sempre de forma independente. Respeitamos as autoridades estabelecidas e exigimos respeito por nossa institucionalidade.
Não temos partido, mas temos lado. E o nosso lado, na liderança da comunidade judaica brasileira, é a defesa da democracia, dos direitos humanos, dos valores judaicos e das boas relações do Brasil com Israel. As boas relações do Brasil com Israel são um objetivo central da Conib, pois assegurar a existência de um Estado judeu forte e soberano é peça fundamental na defesa dos valores judaicos. E é preciso, nesse sentido, registrar a crescente melhoria do relacionamento dos dois países. A postura mais equilibrada do Brasil em órgãos internacionais como a ONU e o Conselho de Direitos Humanos, tem contribuído muito para este aperfeiçoamento.
Agradeço a presença de todos vocês nesta noite, nossos apoiadores permanentes, pessoas físicas, jurídicas e fundações, que não medem esforços em nos apoiar e assim podermos manter a qualidade de nossos projetos. Gostaria também de registrar o trabalho incansável e voluntário, das lideranças comunitárias, muitas delas aqui presentes. Sem o trabalho de vocês, cada um em sua área de atuação, não teríamos uma comunidade forte, diversa e próspera.
Meus amigos: vivemos tempos difíceis. O ressurgimento do antissemitismo, de forma organizada e letal em sociedades democráticas e livres, mostra que precisamos trabalhar ainda mais. Na Conib, nas nossas federadas e em outras organizações comunitárias trabalhamos intensamente focados em segurança, para que nosso país siga sendo esse porto seguro da vida judaica. Não faltam ameaças, principalmente nas redes sociais e na chamada deep web. Estamos atentos e atuantes em relação a isso, com diálogo intenso com as autoridades e monitoramento constante do mundo e do submundo digital.
Enfim, ser judeu não é fácil, nem simples. E está ficando mais complicado. Poucas décadas depois do Holocausto, nossos inimigos saem das sombras e vêm à luz das telas de celulares, tablets e computadores, promovendo o antissemitismo e sua forma contemporânea, o antissionismo, com efeitos letais. As redes sociais estão cheias de exortações contra alvos judaicos. E essa luta contra a intolerância e a propagação do ódio, portanto, não pode ser apenas nossa. Por tudo isso, temos a obrigação de estar na linha de frente da promoção do entendimento e do combate ao ódio e à intolerância. Este é o melhor legado que podemos deixar para as próximas gerações.
A trajetória de nossa comunidade e de sua representação tem sido uma história de integração, desenvolvimento e sucesso. Está em nossas mãos garantir sua continuidade.
Sobre nossa missão de melhorar o mundo, o Talmud nos alerta que não devemos nos intimidar pela enormidade da tarefa. Não somos obrigados a completar a missão, mas não podemos abandoná-la.”
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