Considere o seguinte cenário: Uma paciente tem câncer com metástase e os médicos acreditam que ela vai sucumbir à doença. “Há um novo tratamento experimental que pode possivelmente reverter a doença,” ela é informada, “mas o tratamento é perigoso, e se não tiver sucesso vai matar você.”

A paciente precisa decidir agora: Ela deveria passar pelo tratamento experimental ou deixar a doença seguir em frente? Por um lado, a intervenção pode privá-la do breve tempo restante que ela tem para viver, mas por outro lado, oferece uma chance de cura. O que diria a Halachá, Lei Judaica nessa situação? A pessoa teria permissão de passar por esse tratamento arriscado?

Definir Doença Terminal – “Chayei Shaá”

Primeiro precisamos estabelecer o que queremos dizer exatamente com “ela não tem muito tempo para viver”. Na Halachá, essa é uma declaração conhecida como chayei shaá, ou “vida temporária”, em contraste com seu oposto, chayei olam, “vida indefinida” (que significa não doença terminal).

A definição exata de chayei shaá é debatida entre eruditos judeus, com opiniões indo de uma expectativa de vida de seis a 12 meses,1 até menos, sete ou três dias.2 Outros focam menos na duração exata do tempo, mantendo que chayei shaá significa alguém com uma doença terminal à qual vai sucumbir.3

(Há um termo relacionado na literatura haláchica conhecido como “gosses,”4 alguém cuja morte é iminente,5 o que está além do escopo deste artigo. Alguns eruditos, no entanto, acreditam que um gosses e aquele apenas com chayei shaá estão na mesma situação. Outros defendem a definição mais ampla de chayei shaá destacada acima, afirmando que um gosses implica uma condição muito pior).

Atitude Haláchica Sobre Chayei Shaá

Independentemente do tempo exato, a implicação de chayei shaá é que a expectativa de vida é limitada. A Halachá dá imenso valor à vida humana, e aquele com pouco tempo restando não é diferente. Por exemplo, se um prédio cai e suspeitamos que uma pessoa está presa embaixo, podemos fazer todo o necessário para resgatar aquela pessoa no Shabat quando tal atividade normalmente seria proibida. Mesmo se descobrirmos, ao escavar, que a pessoa presa está mortalmente ferida, e tem apenas um tempo remanescente, continuamos nossos esforços para tirá-la dos escombros.6

Similarmente, quando discutindo um gosses, a halachá nos manda sermos extremamente cuidadosos para evitar qualquer coisa que possa abreviar sua vida; qualquer ação desse tipo constitui assassinato.7

Vamos retornar ao cenário do nosso paciente com a presunção de que o prognóstico se encaixa na definição de chayei shaá, pouco tempo de vida. Devido ao extremo valor que a halachá põe sobre a vida, incluindo aquele que tem apenas chayei shaá restando, o paciente seria permitido a passar pelo tratamento (potencial para cura apesar disso) que pode prejudicar seu chayei shaá?

Arriscando Chayei Shaá

O Talmud aborda um cenário comparável, e discute se um judeu pode buscar ajuda de um médico que é um virulento antissemita, suspeito de infligir danos em seus pacientes judeus.8 O consenso é que embora geralmente esteja proibida de visitar tal profissional, uma pessoa que seja doente terminal e num estado de chayei shaá pode fazê-lo, apesar do risco à sua vida, pela pequena chance de que possa de fato ser curada.

Ao emitir essa regra, o Talmud traz o precedente da história dos quatro leprosos.9 Durante a guerra com os arameus, houve uma escassez no acampamento judaico sitiado. Quatro leprosos, banidos para os portões de saída, também estavam passando fome, e decidiram se render ao acampamento arameu próximo.

“Se dissermos que vamos entrar na cidade, com a fome na cidade, morreremos ali, e se ficarmos aqui iremos morrer. Então agora, vamos para o acampamento aramaico. Se eles nos pouparem viveremos, e se nos matarem morreremos.”10

O Talmud considera esses homens, em seu profundo estado de fome, como num estado de chayei shaá.11 Ao desertarem para o acampamento aramaico, eles se arriscaram a serem mortos imediatamente, mas havia também uma chance de serem mantidos como prisioneiros e serem alimentados, salvando-se da fome inevitável. Baseado neste conto, o Talmud conclui que alguém pode arriscar chayei shaá pela chance de atingir chayei olam.12

Como resultado desse decreto talmúdico, muitos especialistas haláchicos concordam que uma pessoa pode passar por tratamento para a chance de atingir a cura, mesmo se isso possa prejudicar seu chayei shaá restante.13

Definindo “Tratamento Arriscado”

Ainda há vários fatores que devem ser abordados. Por exemplo, importa o quanto o tratamento é arriscado? Em nosso cenário acima, se o tratamento tiver uma chance de 95% de morte, o paciente seria realmente permitido a assumir aquele risco? E se o tratamento tem apenas mínimo risco, então talvez ele deveria não apenas ser permitido a assumir aquele risco, mas ser obrigado a fazê-lo, sob o mandado geral de guardar e melhorar a própria vida!14

Rabi Moshe Feinstein, um dos maiores especialistas haláchicos do Judaísmo pós-guerra, publicou extenso artigo abordando esse tema,15 concluindo que se a chance de sucesso for maior que 50%, o paciente não apenas é permitido a passar pelo tratamento, mas halachicamente obrigado a fazê-lo. Se a chance de sucesso versus o risco é uma subida com 50% de chance de morte, então ele é permitido, mas não obrigado a fazê-lo.16

Quando se trata de tratamentos que estão associados com um grau relativamente alto de risco, Rabi Feinstein diz que embora haja algum debate na literatura haláchica (com uma proeminente autoridade proibindo 17 e outra permitindo 18), se o paciente quisesse fazer o tratamento arriscado, ele ou ela deveria confiar na posição mais leniente e passar pelo tratamento apesar do alto grau de risco.19 Essa posição, que permite à pessoa passar pelo tratamento mesmo se o risco de morte for maior que 50%, tem sido qualificada por alguns 20 como somente ser permitido se aquele risco não excede os 70%.21

Até quando o risco é considerado baixo, e alguém seria permitido ou até obrigado a passar pelo tratamento, não é necessário dizer que precisa haver uma razoável chance de sucesso.22 Segundo vários especialistas haláchicos, precisa haver pelo menos um consenso na maioria de dois terços de médicos na área de que há uma chance de sucesso com esse tratamento.23

Fatores Mitigantes Adicionais

O fator operativo aqui é que o tratamento arriscado deve ter o potencial de converter o paciente do status de chayei shaá para chayei olam. Se, no entanto, o paciente não está num status chayei shaá, essa permissão de passar pelo tratamento de risco pode não se aplicar.

Por exemplo, se o paciente não tem uma doença terminal, mas está gravemente incapacitado, e o tratamento arriscado pode aliviar esse sofrimento, muitos especialistas haláchicos opinam que o paciente não deveria ter permissão de se arriscar por essa qualidade de fator de vida.24 (Há uma opinião, porém, de que se este caso o paciente pedir o tratamento arriscado, então mesmo assim pode ser permitido.25)

De modo contrário, se o paciente de fato está em status chayei shaá, mas é questionável se o tratamento arriscado vai abordar diretamente a causa do status, então não seria permitido. Por exemplo, um cenário foi apresentado a Rabi Yitzchok Zilberstein sobre um paciente que estava gravemente mal nutrido e caquético por uma combinação de dificuldades.

O paciente, já num estado tênue, então contraiu bronquite, o que o colocou em grave perigo. A bronquite podia ser tratado com antibióticos, mas os antibióticos poderiam também causar graves efeitos colaterais.

Rabi Zilberstein estava inclinado a permitir os antibióticos, apesar do potencial para danos, baseado na discussão acima. Seu sogro, especialista haláchico Rabi Yosef Chalom Elyashiv, o contrariou, porém, declarando que nossa discussão de chayei shaá não se aplicaria a este caso, porque a saúde deteriorada do paciente não se devia exclusivamente à bronquite, e tratar a bronquite não reverteria a deterioração subjacente da saúde.26

Conclusão

Se o paciente tem uma doença terminal, então em certas situações ele(a) pode passar por tratamento que reverta a doença terminal, apesar do risco associado com o procedimento. Obviamente, como em qualquer tópico da ética médica e da Halachá, por orientação prática uma autoridade rabínica em ambos os campos deve ser consultada.

Que D'us Todo Poderoso conceda força a todos aqueles enfrentando esses desafios, lembrando Sua promessa à nação judaica nascente à véspera da batalha: “Seja forte e resoluta, não seja aterrorizada ou desalentada, pois o Eterno Teu D'us está contigo aonde quer que vás,”27