Sou médico especialista em doenças infecciosas. Trabalho nessa área há mais de 20 anos, atendendo diariamente pacientes adoentados. Tenho trabalhado em hospitais na cidade e nas favelas mais pobres da África. AIDS, Hepatite, Tuberculose, SARS, Síndrome Respiratória Aguda Grave, Sarampo, Herpes, Coqueluche, Difteria… já fui exposto a quase tudo na minha profissão. E com notável exceção de SARS, quase nada me fez sentir vulnerável, desanimado ou amedrontado.
Não estou com medo do Covid-19. Estou preocupado sobre as implicações de um novo agente infeccioso que está se espalhando pelo mundo e continua a encontrar novos apoios em solos diferentes. Estou bastante preocupado pelo bem estar daqueles idosos, com saúde frágil ou sem imunidade que na maioria podem sofrer, desproporcionalmente, nas mãos desse novo flagelo. Mas não estou com medo do Covid-19.
O que me deixa temeroso é a perda de razão e a onda de medo que tem induzido as massas da sociedade numa crescente espiral de pânico, estocando quantidades absurdas de mantimentos e etc.
Estou assustado porque máscaras N95 são roubadas de hospitais e prontos-socorros onde na realidade são necessárias para provedores da saúde na linha de frente e em vez disso estão sendo usadas em aeroportos, ruas, cafeterias, perpetuando ainda mais o medo e a suspeita dos outros.
Estou temeroso de que nossos hospitais sejam lotados por gente que provavelmente não tem nada, e aqueles com problemas no coração, enfisema, pneumonia e AVC pagarão o preço por lotação nas salas de emergência por falta de médicos e enfermeiros.
Estou com medo de que restrições de viagem se tornem tão grandes que casamentos serão cancelados, formaturas perdidas e reuniões de família não ocorram. E bem, até aquela grande festa chamada de Jogos Olímpicos… que poderia ser cancelada.
Estou assustado de que os mesmos temores epidêmicos vão limitar comércio, prejudicar parcerias em múltiplos setores, e por fim terminem numa recessão global.
Porém na maior parte, estou assustado sobre qual mensagem estamos transmitindo aos nossos filhos quando enfrentamos uma ameaça. Em vez de razão, racionalidade, imparcialidade e altruísmo, estamos dizendo a eles para entrarem em pânico, terem medo.
Covid-19 está longe de terminar. É capaz de estar chegando a uma cidade, um hospital, um amigo ou até um membro da família perto de você. Pare de esperar ser surpreendido. O fato é que o próprio vírus provavelmente não trará tanto dano quando chegar. Mas nossos próprios comportamentos podem ser desastrosos.
Imploro a todos vocês. Temperar o medo com razão, o pânico com paciência e a incerteza com educação. Temos uma oportunidade de aprender muito sobre higiene e limitar a propagação de inumeráveis doenças transmissíveis em nossa sociedade. Vamos encarar juntos esse desafio no melhor espírito de compaixão pelos outros, com paciência, e acima de tudo, com um esforço inabalável para buscar a verdade, fatos e conhecimento, e não especulações.
Fatos, não medo.
Mãos limpas.
Coração aberto.
Nossos filhos irão nos agradecer por isso.
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