Após 20 anos de negligência e abandono, uma das mais antigas sinagogas de Buenos Aires é devolvida à comunidade graças ao empenho de um rabino local.

Fundada em 1907, a sinagoga fica no bairro de La Boca, onde a maioria dos primeiros imigrantes judeus de Buenos Aires se estabeleceu.

A fachada original foi preservada quase intacta, com exceção dos grafites que cobrem o exterior da sinagoga. No interior, imagens antissemitas foram pintadas nas paredes.

A congregação foi fechada logo após a morte de seu rabino, há 20 anos. Logo depois, foi ocupada por invasores que o profanaram, criando um clube clandestino chamado House of the Stars, provavelmente em referência à Estrela de David. O clube organizava festas regularmente com música, álcool e drogas.

"Ao caminhar pela rua, eu não podia acreditar no que estava vendo. Comecei a investigar, e descobri que grandes festas estavam sendo realizadas neste lugar sagrado", disse o rabino Shneur Mizrahi, que chefia uma sinagoga Chabad nas proximidades.

Os vizinhos, assim como os membros da comunidade judaica local, frequentemente discutiam com os novos ocupantes, mas eram ameaçados de violência.

"Alguns meninos judeus mais jovens me disseram que viram suásticas e fotos de Hitler dentro da propriedade. Uma mulher não judia também nos trouxe fotos mostrando o que acontecia lá. Precisávamos fazer alguma coisa", disse Mizrahi.

Dentro da sinagoga, Mizrahi mostrou ao The Times of Israel o espaço em frente à arca sagrada, onde bandas de rock e punk costumavam tocar. O "clube" também tinha duas seções VIP - uma logo atrás da arca e outra no andar superior, na seção feminina.

Mizrahi disse que apresentou denúncias à polícia e aos promotores locais e não recebeu resposta. No último Chanucá, Mizrahi organizou uma festa no parque do bairro e convidou Carolina Romero, presidente do conselho comunitário de La Boca. Ele expôs a situação e pediu ajuda.

Entrando na sinagoga pela primeira vez, Romero ficou chocada com o que viu. "Quando ouvi a história deste lugar, sabia que não podia deixar isso acontecer na minha comunidade, então me envolvi. Existem muitas propriedades ocupadas, mas essa tem um significado especial", disse Romero ao The Times of Israel.

Romero disse que entregou pessoalmente cartas às autoridades da cidade e acompanhou o processo para agilizar a investigação.

"Eu realmente acredito que Deus nos ajudou; essa recuperação não foi por acaso", disse ela.

Os policiais finalmente invadiram a propriedade em 6 de julho, no mesmo dia em que Mizrahi foi rezar pela sinagoga na cidade de Nova York, no túmulo do rabino Menachem Mendel Schneerson, líder da sinagoga Chabad-Lubavitch Hasidic.

Enquanto o Times de Israel falava com Mizrahi dentro do prédio recém-recuperado, Ricardo Aisen se aproximou e se apresentou. O homem de 71 anos costumava frequentar esta sinagoga quando criança. Depois de 40 anos, esta foi sua primeira visita ao local.

"Eu entrei aqui quando tinha 8 anos e, quando fiz 13 anos, celebrei meu bar-mitzvah neste local. Ainda consigo fechar os olhos e lembrar de tudo", disse Aisen.

Lágrimas rolaram por seu rosto quando ele se lembrou: "Era uma sinagoga Ashkenazi e lá em cima havia um serviço sefaradita, com muitas pessoas. Minhas melhores lembranças foram de Rosh Hashaná e Iom Kipur, quando toda a comunidade judaica de La Boca se reunia para rezar".

Aisen apontou o local de oração que seu pai ocupava regularmente e lembrou como ele defendia a importância de manter a tradição judaica.

Andando pela propriedade, Aisen não podia acreditar na extensão do dano.

"Nós judeus devemos ser fortes e ter fé", disse ele. "Essa recuperação mostra como podemos resistir aos golpes duros e sempre nos recuperarmos da dor".

Antes de partir, Mizrahi ajudou Aisen a colocar os tifilin e, junto com outros nove homens, formou um pequeno quorum religioso para as orações da tarde.

Segundo o rabino Tzvi Grunblatt, diretor de Chabad-Lubavitch, na Argentina, esta é a segunda sinagoga que a comunidade conseguiu recuperar no bairro. Mizrahi se empenhou muito para conseguir isso, disse Grunblatt.

"Quase perdemos a esperança porque o processo não estava avançando, mas finalmente, depois de um ano e meio, o despejo foi autorizado", disse ele.

Na manhã seguinte à limpeza do prédio, membros da comunidade judaica realizaram orações matinais na sinagoga.

"Senti que, depois de anos de festas noturnas e atividades antissemitas, estávamos iluminando as almas das pessoas que costumavam orar aqui", disse Grunblatt.

Grunblatt disse ainda que o movimento está considerando várias opções para o edifício. Ele continuará abrigando a sinagoga e poderá abrigar também um museu com uma exposição permanente sobre imigração judaica na Argentina. Também poderia ser usado para ajudar a hospedar mochileiros israelenses que precisam de um lugar temporário para ficar.

"Essa história me lembra o que Chabad-Lubavitch fez na União Soviética nas décadas de 1960 e 1970, quando várias sinagogas usadas anteriormente como clubes ou teatros foram recuperadas", disse Grunblatt. "A mensagem é que a história judaica nunca será perdida. As pessoas podem ocupar nossas propriedades ou até profaná-las, mas, se persistirmos, não haverá nada que que nos impeça de recuperá-las".