Em 1941, os nazistas declararam a Estônia, uma pequena nação no mar Báltico, "Judenfrei" ("livre de judeus"). De fato, sabe-se que menos de uma dúzia de judeus sobreviveu ao Holocausto na Estônia. O massacre nazista foi seguido por décadas de repressão soviética da religião. No entanto, a comunidade judaica da Estônia está passando por um renascimento judaico que poucos poderiam imaginar. Aulas de Torá, comida casher, um “minyan” diário e outros sinais de uma vida judaica vital continuam surgindo em Tallinn, a capital da Estônia.
Eliyahu (Ilja) Šmorgun, Ph.D., 32 anos, natural de Tallinn, que leciona sobre interação homem-computador na Universidade de Tallinn e é líder da comunidade judaica local, oferece detalhes sobre essa mudança demográfica de eventos. Segue as respostas sobre o renascimento do judaísmo nessa parte do planeta.
Você pode compartilhar algumas noções básicas sobre seu país e sua história judaica para os leitores, a maioria dos quais provavelmente nunca pôs os pés na Estônia?
R: A Estônia faz fronteira com a Rússia e fazia parte da Rússia czarista de 1710 até o colapso do império em 1917, que levou à Guerra da Independência da Estônia que terminou em 1920. Uma nação independente existia aqui até a Segunda Guerra Mundial e até o final da guerra, a Estônia estava firmemente sob o controle da URSS. Em 1990, a Estônia declarou sua independência. Hoje é um membro democrático da União Europeia, com um programa educacional e econômico bem desenvolvido.
Os primeiros judeus a se estabelecer aqui foram os "cantonistas", meninos judeus que foram forçados a servir o exército russo por 25 anos. Após essa provação, eles e seus filhos receberam o privilégio de se instalar em partes do império russo normalmente proibidos a judeus, incluindo a Estônia.
Historicamente, a vida dos judeus aqui era boa, e o povo judeu desfrutava de liberdades além das de seus vizinhos na Rússia, por exemplo. Antes do início da Segunda Guerra Mundial, havia várias sinagogas em várias cidades da Estônia, e a vida judaica era bastante rica.
Os soviéticos invadiram a Estônia em 1940 e deportaram aproximadamente 10% de seus 5.000 judeus estimados para campos de prisioneiros na Rússia. Quando os alemães avançaram para a Estônia em 1941, a maioria dos judeus da Estônia escapou para a Rússia, onde muitos conseguiram sobreviver. Praticamente todos os que restaram, quase 1.000 pessoas, foram mortos pelos nazistas e colaboradores locais.
Durante o período soviético, muitos judeus vieram para a Estônia de outras partes da União Soviética, como Rússia, Bielorrússia, Ucrânia, Moldávia, etc.
É por isso que, embora 70% da população local fale estoniano, os judeus estão quase todos entre os 30% que falam russo em casa.
Como foi crescer judeu na Estônia?
R:A maioria das pessoas da minha geração cresceu sabendo praticamente nada sobre o judaísmo. A grande sinagoga Coral de Tallinn havia sido bombardeada durante a guerra, e ninguém pensou em reconstruí-la. Meus bisavós e a geração deles pararam de observar o judaísmo nos primeiros anos da União Soviética. Meus avós podem ter sabido algo sobre o judaísmo, mas pouco praticaram. Quando meus pais nasceram, havia ainda menos consciência judaica.
O único lembrete que tínhamos de nossa identidade judaica era com a teimosa quinta coluna de nossos passaportes, onde os soviéticos listavam nossa nacionalidade como "judaica".
No final dos anos 80 e 90, a comunidade se organizou mais uma vez e formaram-se clubes culturais judaicos, organizações humanitárias e até uma escola. Até hoje, além de Tallinn, existem comunidades judaicas menores em Tartu (uma cidade universitária), Narva e Kohtla-Järve. Minhas lembranças são desse período, quando estávamos novamente livres para recuperar nossa herança; no entanto, muitos não estavam inclinados a fazê-lo no sentido tradicional, principalmente devido à ignorância.
Como você redescobriu sua herança judaica?
R: Suponho que começou há 15 anos, quando minha mãe começou a trabalhar como secretária do rabino Shmuel Kot, rabino-chefe da Estônia e um amado emissário de Chabad-Lubavitch aqui desde 2001. O rabino e sua esposa fizeram um trabalho maravilhoso no revigoramento do Judaísmo entre residentes e turistas.
Minha conexão pessoal começou muito depois que meu irmão mais velho e eu voltamos de uma viagem a Israel sob uma organização chamada Mekorot quando eu tinha 17 anos. Visitar o Cotel e estar em uma atmosfera judaica foi muito inspirador para mim. Depois dessa viagem, decidi me submeter ao brit milá (circuncisão) e adotar um nome judeu. Eu realmente não entendi o porquê, mas sabia que precisava fazer isso. Eu participei das preces durante as festas judaicas, mas foi isso. O próximo passo veio através do programa STARS, agora conhecido como Eurostars, para jovens judeus em idade universitária aprenderem sobre o judaísmo, organizado por Chabad na Rússia e franqueado em comunidades judaicas em toda a Europa. Fui recrutado por um rabino muito persistente chamado Inon Assayag que foi enviado pela Organização Sionista Mundial para ajudar o rabino Kot nos programas para jovens.
Comecei a aprender mais e mais. No começo, era tudo intelectual, mas gradualmente comecei a entender que não bastava aprender sobre o judaísmo. Na verdade, eu tinha que viver o judaísmo.
Um dos destaques da minha jornada judaica desse período foi quando eu aprendi online todo o Tanach em russo durante dois meses. Senti que precisava ter uma visão panorâmica do judaísmo, sua história e onde me encaixava em tudo. Gradualmente, comecei a incorporar o Shabat e a cashrut em minha vida. O próximo marco foi quando me mudei para o meu próprio apartamento. Consegui um lugar perto da sinagoga, o que me permitiu participar sem andar de ônibus. Isso é único aqui, já que a maioria dos judeus vive espalhado por toda a cidade de Tallinn. Meus pais tinham uma mezuzá em nossa casa, instalada por nossos parentes que moravam lá antes de nós, mas essa foi a primeira vez que eu mesmo coloquei uma mezuzá.
Existem 14 programas educacionais separados para judeus de todas as idades, desde crianças a aposentados e todos os demais, bem como um minyan matinal diário.
Como é a vida judaica em Tallinn?
R: Há um grande edifício no centro da cidade, onde as organizações judaicas estão sediadas. Mesmo ao lado está o centro comunitário religioso, uma instalação moderna impressionante com uma sinagoga, cozinha casher, micvê, salas de aula e muito mais. Hoje está muito ocupado, graças a D'us.
Existem 14 programas educacionais regulares separados para judeus de todas as idades, desde crianças a aposentados e todos os demais. Há um minyan matinal diário, programas de férias, aulas para mulheres, para homens, adolescentes e muito mais.
Neste outono, planejamos adicionar aulas de estoniano e inglês para garantir que todo judeu possa aprender. Também temos um capítulo ativo do Smart J - um programa depois da escola para as crianças desfrutarem de um jantar casher, aprenderem sobre o judaísmo em um ambiente informal e se divertirem em um ambiente seguro e acolhedor.
Existe comida casher disponível em Tallinn?
R: Além das instalações da cozinha na sinagoga, um membro da comunidade abriu recentemente um bistrô casher, onde é possível obter baguels e outras refeições casher. (Também há apartamentos para alugar lá, e fica a uma curta distância da sinagoga, por isso, é uma opção ideal para turistas observantes ou viajantes a negócios.) É muito impressionante ver que uma comunidade tão pequena quanto a nossa pode apoiar um restaurante casher . Somos pequenos, mas crescemos constantemente.
Sua esposa também é da Estônia?
R: Minha esposa, Chaya, é de Yecaterimburgo, Rússia, e estudava no seminário de Chabad em Moscou quando nos conhecemos. Fomos apresentados através de um shiduch. Graças a D'us, temos dois filhos lindos.
Ela ficou feliz em se mudar para a Estônia, onde a comunidade é tão pequena?
R: Essa foi uma das decisões mais difíceis que tivemos que tomar como casal de noivos. Por um lado, há um programa maravilhoso em Moscou, onde casais recém-casados são apoiados por um ano pela comunidade. Isso permite que marido e mulher aprofundem sua compreensão do judaísmo.
Foi muito tentador para nós. Por outro lado, sabíamos que éramos necessários aqui na Estônia. Esta é a minha comunidade e senti que poderíamos contribuir aqui.
Hoje, além do meu trabalho na universidade, criamos e lideramos muitos programas educacionais para a comunidade, trabalhando ao lado do rabino e da sra. Kot. Fazemos parte de um núcleo crescente de jovens famílias locais comprometidas que servem como exemplo para outras pessoas seguirem.
Onde seus filhos irão para a escola?
R: Você abordou uma das principais questões com as quais estamos lidando. Há um jardim de infância judaico, por isso estamos bem por alguns anos. Há também uma "escola judaica" no complexo da comunidade judaica, mas na verdade é uma escola pública com instrução em hebraico e aulas rudimentares de judaísmo. Por ter uma boa reputação, muitas pessoas querem enviar seus filhos para lá; a maioria dos estudantes não é judia e a comida não é casher.
Há muita conversa agora sobre a viabilidade e sustentabilidade de uma escola particular judaica. Se isso não funcionar, existe a Escola Online para filhos de Shluchim, mas o tempo dirá.
Sua família também progrediu na observância judaica?
R: Sim. Nós nunca planejamos, mas realmente aconteceu. Meu irmão estava envolvido antes de mim e, de várias maneiras, segui o caminho que ele abriu. Ele foi um membro ativo do conselho da sinagoga por muitos anos e está envolvido nas discussões sobre a possível escola. Meu pai inicialmente não estava muito envolvido, mas o rabino Kot é um líder tão genti e positivo que é difícil não se inspirar nele. Hoje em dia, meu pai vem no Shabat, nas festas judaicas e coloca tefilin. A sinagoga também se tornou sua casa.
Hoje, em toda a Europa, nota-se um crescimento acentuado doe anti-semitismo. Como são as coisas na Estônia?
R: É provável que exista algum anti-semitismo em nível individual, como você tem em quase todos os lugares, mas não é o que você ouve em outras partes da Europa. Além disso, o rabino Kot e o presidente da comunidade, Boris Oks, têm excelentes conexões com os líderes políticos, que provaram ser amigos de confiança da comunidade judaica.
Gostaria de compartilhar algo mais?
R: Quero reiterar o incrível impacto que a educação judaica teve e continua a ter nas pessoas daqui. Todo dia, vejo pessoas experimentando pelo que passei. Eles aprendem sobre o judaísmo e gradualmente o incorporam em suas vidas. Homens e mulheres de meia idade que viveram seus anos de formação sob os soviéticos estão observando cada vez mais, acendendo velas ndo Shabat, colocando tefilin ou mantendo-se casher.
Do meu grupo STARS, quatro de nós iniciamos famílias judias. Dizem-nos que todo indivíduo é um mundo inteiro. Aqui vemos “mundos” que estão se iluminando com o judaísmo após gerações de supressão, casamento e negligência. As pessoas estão aprendendo Torá, Mishná, Halachá e Chassidut.
Alguns fizeram grandes mudanças e outros estão dando passos pequenos, mas todos estão progredindo. Faíscas foram acesas e agora estão acendendo outras faíscas.
A família Shmorgun é ativa em todos os aspectos da vida judaica em Tallinn.
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