22 julho, 2019

Com suas formosas avenidas e impressionantes vistas do oceano, Barcelona é uma das cidades mais visitadas da Europa. Os turistas chegam para apreciar o pôr do sol, esportes e maravilhosa arquitetura. Porém os antigos arcos da cidade são um testemunho silencioso a mais de 1.000 anos da rica vida judaica, despachada pela Inquisição Espanhola e a Expulsão em 1492.

Desde 1999, Rabi Dovid e Nechama promovem as atividades Chabad na cidade. Numa entrevista com Chabad.org, a Sra. Libersohn conta como ela, sua comunidade e sua família têm crescido nessas duas últimas décadas.

P: Você é da França e seu marido da cidade do México. Como vieram para Barcelona?

R: Começou antes de meu marido e eu nos conhecermos. Ele viajou pela Espanha durante dois verões como parte do programa Merkos Shlichut Chabad.

Junto com Rabi Avraham Lapidus, que hoje atua na Yeshivá Torat Emet em Jerusalém, ele visitou muitas cidades, incluindo Barcelona, onde fez muitas conexões. Um ano chegou a retornar a fim de dirigir um acampamento para crianças judias durante o inverno. Depois que nos casamos em 1998, mudamos para o bairro de Crown Heights onde meu marido continuou seus estudos rabínicos.

Um dia, ele pegou um jornal escrito em espanhol e viu um anúncio que buscava um professor judeu para Barcelona. Ele ligou para o número e descobriu que a pessoa na linha era alguém que ele conhecia pelas suas visitas. Isso foi há vinte anos, e estamos aqui desde então.

Os Liebersohns educam seus filhos por intermédio da escola online Chabad, a Nigri International Online Shluchim School. Seus filhos adolescentes estudam em Israel.
Os Liebersohns educam seus filhos por intermédio da escola online Chabad, a Nigri International Online Shluchim School. Seus filhos adolescentes estudam em Israel.

P: Como foi para vocês a adaptação ao local?

R: Quando olho para trás e vejo como era quando começamos, fico tão repleta de gratidão a D'us por o quanto nossa comunidade tem avançado. Quando chegamos, havia uma pequena loja que vendia carne casher e outros itens básicos, um crédito para o difícil trabalho dos líderes da comunidade local. Porém havia muito mais a ser feito. Hoje, graças a D'us, há um restaurante maravilhoso e mercado casher de alta qualidade, ambos sob a supervisão de meu marido.

Antes de partirmos, fomos visitados pelo falecido Rabi Binyomin Klein e sua esposa, Leah. Rabi Klein nos disse para sempre lembrarmos que o Rebe estava conosco, e isso é algo que sempre senti aqui. Passamos por milagres o tempo todo. As coisas crescem e se desenvolvem em maneiras que não poderíamos sequer ter imaginado.

Sra. Leah Klein, uma querida amiga, deu-me uma máquina de pão. Ela me disse que eu estaria morando num lugar sem alimentos pás Yisrael para comprar, e isso nos permitiria ter pão fresco todo dia. Ela estava certa, mas eu não podia sequer imaginar naquela época que isso significava que estávamos nos mudando para o resto de nossas vidas.

Chegamos um pouco mais de dois meses antes de Purim, e preparamos 15 pacotes de mishloach manot para distribuir. Alguém ligou para nos agradecer pelo presente e perguntou por que o demos a ela. Como muitos outros, ela não tinha ideia sobre como Purim é celebrado. Hoje, estou contente por dizer que dezenas de pessoas nos dão mishloach manot todo ano, muitos embalando-os com produtos israelenses e outros alimentos que eles sabem ser casher. Realmente percorremos um longo caminho como uma comunidade!

Vemos as bênçãos do Rebe todo dia. Também tive de me acostumar ao idioma espanhol. Muitas pessoas aqui não sabem nada mais que espanhol ou catalão, portanto não tive escolha a não ser aprender.

Chabad cresceu em Barcelona junto com a comunidade judaica local, que inclui imigrantes do Marrocos.
Chabad cresceu em Barcelona junto com a comunidade judaica local, que inclui imigrantes do Marrocos.

P: Como é a comunidade?

R: Obviamente, não há judeus aqui com raízes profundas na comunidade desde que judeus praticantes foram banidos de morar aqui a partir de 1492, e a vida judaica não foi oficialmente permitida de voltar para cá até 1968.

Acreditamos que há pelo menos 4.000 judeus morando aqui, a maioria imigrantes vindos do Marrocos e da Argentina. Conhecemos muitos deles mas ainda há mais alguns que temos de encontrar.

No nosso Seder de Pessach, tivemos 800 convidados, e recebemos centenas nas Grandes Festas e em outros eventos no nosso Beit Chabad. Quando chegamos, não havia sequer três famílias mantendo casher. Todos os eventos aos quais fomos convidados – bar mitsvá, casamentos, etc. - não eram casher. Hoje, 90 por cento deles são casher, graças a D'us (muitos deles supervisionados por meu marido). Hoje, algumas das famílias mais religiosas se mudaram para cidades que oferecem uma educação judaica mais forte, portanto tem havido bastante progresso nesse aspecto.

Há dois anos, inauguramos nossa sede própria e pensávamos teria amplo espaço para tudo que fazemos. E graças a D'us, já tivemos que ampliá-la.

P: O que torna seu trabalho diferente daquele de milhares de emissários Chabad pelo mundo?

R: Em muitas maneiras é bastante semelhante com aquilo que nossos colegas estão fazendo. Ensinamos Torá, fazemos programas, ajudamos pessoas no decorrer do ciclo da vida. Uma coisa que é diferente aqui são as ondas de turistas judeus. Quando nos mudamos, havia um voo direto para Israel por semana. Agora, há cinco voos por dia.

Ontem mesmo, recebemos 40 turistas israelenses para o café da manhã, e isso é uma ocorrência comum aqui. Uma das mulheres abriu sua carteira e mostrou-me um dólar que recebera do Rebe. Ela o tem levado consigo pelos últimos 30 anos.

Turistas dão muito trabalho, e às vezes exigem bastante paciência, mas sou lembrada mais e mais vezes que todo mundo é especial, e cada um tem uma história.

Purim em Barcelona com tema americano.
Purim em Barcelona com tema americano.

P: Barcelona é famosa pela sua história judaica. Notáveis lideres judeus como o Ramban e o Rashba moraram aqui, e então houve os dias sombrios da Inquisição. Isso é sentido na cidade?

R: A verdade é que você precisa mergulhar fundo para encontrar o passado judaico da cidade. Está ali, mas não é tão óbvio como é em outras cidades.

Por esse motivo, é especialmente pungente ver a vida judaica brotar no mesmo local onde o Judaísmo foi tão brutalmente destruído. Quando chegamos, lembro-me de ver os nomes em espanhol sobre as caixas do correio. Eram os mesmos nomes de famílias que eu conhecia pelas novelas históricas judaicas que lia quando criança. Perguntei aos vizinhos se eles sabiam alguma coisa sobre a história judaica da cidade e seu trágico fim, e eles disseram que não. Foi doloroso ver como a história judaica tinha sido apagada da cidade.

Todo ano, fazemos um grande acendimento de menorá de Chanucá em El Calle, o histórico bairro judeu. Judeus foram certa vez queimados na estaca aqui por se apegarem ao Judaísmo; hoje, celebramos o Judaísmo naquelas mesmas ruas. Isso me comove profundamente.

Meu marido faz muito trabalho com os jovens, nosso futuro. Escola dominical, acampamento de férias de inverno, programas e viagens são apenas algumas das maneiras em que educamos a próxima geração.

Agora mesmo ele está na Polônia liderando um grupo de 35 adolescentes judeus locais que terminaram o ensino médio numa viagem de 11 dias que irá continuar em Israel. Muitos deles estiveram em nosso “Sunday Hebrew”, envolvidos e inspirados.

A expulsão espanhola de 1492 não acabou formalmente até 1968. Na foto uma multidão compareceu à cerimônia pública de acendimento da chanukiá em ruas históricas onde judeus e o judaísmo foram banidos por séculos.
A expulsão espanhola de 1492 não acabou formalmente até 1968. Na foto uma multidão compareceu à cerimônia pública de acendimento da chanukiá em ruas históricas onde judeus e o judaísmo foram banidos por séculos.

P: Como é para os seus filhos?

R: Eles mal têm amigos de sua idade na cidade. Mas para eles, essa é a única vida que conhecem. As crianças são uma parte integrante daquilo que fazemos. Eles ajudam com nossos programas, vão a eventos e realmente assumem responsabilidade pelo sucesso de Chabad e da comunidade aqui. Por mais que possa parecer difícil em algumas maneiras, sua infância é muito especial, e espero que a valorizem quando crescerem.

Tenho uma grande apreciação pela Nigri International Online Shluchim School, que tem dado aos nossos filhos uma brilhante educação judaica aqui em Barcelona. Falamos hebraico em casa, o idioma de instrução na divisão européia da escola. Por meio da escola, as crianças têm desenvolvido amizades com filhos de emissários Chabad em toda a Europa. As crianças criam amizades conversando com seus colegas de escola online. Eles se socializam, cantam juntos, dançam juntos e se divertem como se estivessem na mesma sala. Agradeço a D'us pela tecnologia!

Em todo bar ou bat mitsvá de nossos filhos, nós fazemos uma surpresa trazendo um de seus colegas até aqui – um amigo que eles conhecem tão bem mas nunca viram pessoalmente. O mais recente ocorreu quando nossa filha ficou sem palavras quando sua amiga a surpreendeu na porta. Simplesmente fiquei ali e chorei.

Quando chegam ao ensino médio, eles vão para Israel. Nosso filho mais velho tem estado longe de casa há seis anos. Para mim, esta é a parte mais difícil; ter de me separar dos meus filhos. Recebo conforto com a garantia do Rebe de que ele pessoalmente assumiu responsabilidade pelos filhos dos shluchim.

Uma nova geração do judaísmo espanhol.
Uma nova geração do judaísmo espanhol.

P: Quais são suas expectativas para o futuro?

R: Quando chegamos, lembro que alguém me disse que permaneceríamos por um ano. Isso foi há 20 anos. Agora dirigimos um Centro Chabad lindo e vibrante. Recentemente partimos para a construção de um novo micve. As pessoas costumavam dizer ao meu marido para não usar seu chapéu preto em público, pois temiam pela sua segurança. Hoje, há estudantes rabínicos trabalhando conosco, e ninguém pensa duas vezes sobre o chapéu. Nossos meninos têm caminhado pelas ruas de Barcelona com kipá e tsitsit desde pequenos.

Nós nos tornamos uma parte natural da cidade. Quando chegamos, os únicos shluchim aqui eram Rabi Yitzchok e Shifra Goldstein em Madri. Agora, somos também abençoados por ter casais Chabad dirigindo centros em Valencia, Ibiza, Girona e Marbella. Com a ajuda de D'us, continuaremos a crescer e amadurecer como uma comunidade nos próximos anos.

Um novo centro Chabad inaugurado recentemente já preenche toda sua capacidade.
Um novo centro Chabad inaugurado recentemente já preenche toda sua capacidade.