Na floresta amazônica fica uma das comunidades judaicas mais isoladas do mundo. Localizada onde os rios Solimões e Negro se juntam para formar o Amazonas – a 1.500 quilômetros do Atlântico e inacessível por estradas – Manaus é a capital do estado brasileiro do Amazonas, rico em recursos naturais.
Rabino Arieh e sua esposa Devora Lea Raichman dirigem o Beit Chabad em Manaus há quase dez anos. Texano nativo, Rabino Raichman recentemente partilhou alguns dos desafios e alegrias de levar uma vida judaica (e criar seis filhos) numa cidade que fica no meio de uma selva.
Rabino Raichman, por favor, descreva Manaus. É realmente diferente de qualquer outra grande cidade?
Manaus é uma típica cidade brasileira com grande parte de favelas, ruas arborizadas, e avenidas. Mas você sente constantemente a floresta com cada um dos seus sentidos.
O calor e a umidade ali são opressivos, portanto as pessoas raramente saem de casa se puderem evitar. Chove muito aqui nos trópicos, e nosso Beit Chabad (que também é nosso lar) inundou duas vezes no ano passado.
Há também animais da selva na cidade. Ao dirigir, às vezes é preciso esperar macacos ou cobras atravessarem a rua; nosso Beit Chabad anterior tinha morcegos no telhado.
Você escuta também os sons da Amazônia. Há lagartos que fazem sons terríveis à noite, e a árvore açaí na frente da nossa casa atrai todos os tipos de papagaios. É bonito para turistas, mas um inçomodo que nós moradores apenas temos de nos acostumar.

Como o isolamento afeta as coisas?
Na maior parte, significa que às vezes você precisa aprender a ter paciência. Se, por exemplo, seu ar condicionado quebrar, você pode precisar esperar alguns dias para que uma peça seja enviada pela água (literalmente) de Belém ou venha por avião de S. Paulo.
A falta de peças também pode ser um motivo para haver frequentes quedas de eletricidade. Quando isso acontece, temos de ir para um hotel passar a noite pois é quase impossível dormir sem ar condicionado.
Ao mesmo tempo, estar tão distante torna a nossa comunidade bastante unida. As pessoas estão aqui para o longo termo, e valorizam amizades e companheirismo.
Isso significa também que precisamos ser tudo para todos o tempo todo. Por exemplo, havia alguém passando pela Amazônia para levantar dinheiro e tratamento do câncer. Ele contraiu malária e então foi preso na fronteira do Amazonas com a Colômbia, onde estava precisando de ajuda. Sua família fez contato conosco, pois somos o único recurso judaico por quilômetros ao redor.
Um visitante vindo de Israel recentemente teve um acidente de carro em uma cidade que fica a mais de uma hora de voo daqui. O único judeu na região era um cirurgião ortopédico, e conseguimos falar com ele.

Qual é a história dos judeus em Manaus?
A história judaica começa com o ciclo da borracha no Século 19, quando a cidade cresceu rapidamente, assim como o comércio ao longo de toda a Amazônia. As oportunidades atraíram exploradores judeus e empreendedores, especialmente do Marrocos.
Em 1910, Rabino Shalom Muyal do Marrocos, que tinha viajado pela Amazônia para promover a observância judaica e realizar a circuncisão entre os moradores, faleceu de febre amarela e está enterrado no cemitério municipal de Manaus. Ele chegou a ser considerado como santo por muitos na população não-judaica, que faz visitas regulares ao seu túmulo.
Sua bisneta, que agora mora na França, recentemente veio em visita Ela disse que Rabino Muyal tinha deixado para trás uma esposa grávida e três filhos quando veio para cá naquela que pensava ser uma viagem temporária. Sua esposa nem mesmo descobriu que ele tinha morrido até oito anos após seu falecimento.
Durante 99 anos entre sua morte e nossa chegada, nunca tinha havido um Rabino morando aqui. Minha esposa é a primeira rebetsin a morar aqui.
Como é a vida judaica hoje?

A comunidade aqui é pequena, cerca de 500 judeus em geral. Muitos são descendentes dos mercadores marroquinos originais, mas temos também outros que vieram para cá em busca de oportunidades de negócios ou objetivos ambientais.
Minha esposa cresceu em Belém, onde seus pais dirigem o centro Chabad local, portanto a mentalidade e os costumes são familiares para ela. As pessoas aqui são amigáveis, então não demorei muito para me aclimatar também à comunidade.
Quando chegamos, havia três famílias que mantinham casher. Dez anos depois, há 14 famílias que compram carne casher e outros mantimentos no armazém que temos fora do nosso Beit Chabad. Há aulas semanais para crianças e adultos, e atividades diferentes nos feriados durante o ano. Há também 15 homens que compraram seus próprios tefilin e os colocam toda manhã, o que é surpreendente. Antes de chegarmos, nem uma mulher usava o micvê. Hoje, são cinco.
Há um micvê no Beit Chabad ou elas podem apenas usar o Rio Amazonas?
Ainda não temos um micvê, o que obviamente é um desafio. O Amazonas também não é uma opção. É barrento e poluído, e não é seguro para nadar. Também não é halachicamente ideal porque é alimentado em grande parte pela água da chuva e portanto precisaria ser confinado a uma piscina para ser casher, o que não ocorre.
Até conseguirmos fundos para um micvê (D'us queira que seja logo), as mulheres voam para S. Paulo, que normalmente é a passagem mais barata, mas dura quatro horas para ir mais quatro para voltar, ou a Belém, que dura duas horas cada rota.

E quanto à floresta, como ela impacta a vida judaica?
Como mencionei antes, Manaus está profundamente conectada com o rio e a floresta em muitos níveis. Num nível comunitário, na comemoração de Tu Bishvat, o Ano Novo das Árvores, 10 homens da nossa comunidade foram até uma torre no meio da floresta, onde estudamos e rezamos juntos num minyan. Há poucos lugares no mundo onde você pode ter essa experiência. A pessoa sente realmente a beleza e a verdejante vitalidade do mundo como obra Divina. E, claro, a floresta tropical atrai muitos turistas, a quem servimos em diversas maneiras.
Poderia falar mais sobre os turistas?
Os turistas vêm para cá de todas as partes do mundo, para passear na floresta, nadar com os golfinhos cor de rosa, encontrar os macacos, esse contato todo com a natureza. Nós os provemos com serviços de prece, comida casher e tudo o que precisarem.
Há 20 cruzeiros que passam por aqui todo ano durante a estação chuvosa, quando o rio é profundo o suficiente para os navios passarem em segurança.
Saudamos os turistas judeus no famoso Teatro Amazonas, que foi construído com materiais importados em 1896 durante o ciclo da borracha, e é considerado um dos pontos mais impressionantes da cidade.
Uma vez por ano, acendemos uma Chanukyiá gigante ali. Alguns turistas ficam surpresos ao nos verem, mas outros nos procuraram online e esperam que o Chabad esteja ali para eles, não importa onde no mundo.

É difícil cobter comida casher?
Na maior parte, é preciso paciência e previsão, pois tudo precisa ser enviado através do Amazonas vindo de Belém em contêineres refrigerados. Muitas vezes ficamos sem leite casher. Tentei algumas vezes supervisionar a ordenha numa fazenda local e levar para casa algum leite chalav Yisrael, mas isso se provou impraticável. O clima é tão quente que quando chegava em casa com o leite e o pasteurizava a maior parte tinha estragado. Quando as coisas ficam difíceis, aprendemos a resolver, e a viver sem elas.
Há crianças na comunidade, e o que vocês oferecem para elas?
Há várias crianças judias aqui que conhecemos, além dos nossos seis filhos. Durante as férias de inverno e verão, fazemos um dia no campo para elas, onde exploram o Judaísmo e se divertem num ambiente casher.
Nos domingos, as crianças se reúnem para estudar e praticar uma atividade. Fazemos muito trabalho um a um, ajudando as crianças a estudar hebraico, aprender sobre as festas e tudo para dar-lhes uma educação judaica.
Temos um enorme orgulho em ver as crianças crescerem em seu Judaísmo, e celebrar bar e bat mitsvá, e outras importantes datas. Recentemente tivemos o prazer de oficiar um casamento de um jovem local que se casou com uma mulher judia nos Estados Unidos, e agora está envolvido com o Chabad em Nova York.

Parece que as coisas realmente progrediram. Foi isso que você imaginou que ocorreria?
Tenho família no Brasil, e quando eu era adolescente minha família veio visitar Manaus e eu vim junto. Apreciei realmente a Amazônia e queria um dia retornar, mas nunca pensei que terminaria morando aqui. Naquele tempo, eu nem sequer sabia que havia judeus na Amazônia.
Quando nos casamos, minha mulher e eu nos instalamos no Brooklyn, Nova York, e pensamos em nos tornar emissários Chabad em Manaus. Fizemos uma viagem rápida em junho, e foi realmente uma experiência desanimadora. Nosso bebê de 2 meses desmaiava com o calor, e as pessoas que conhecemos pareciam estar bem longe do Judaísmo.
Um homem idoso que encontramos nos disse que tinha cometido o erro de levar uma vida não-judaica e nos implorou por uma ajuda para assegurar que a próxima geração não cometeria o mesmo erro. Aquilo nos afetou, mas não estávamos preparados para assumir o compromisso.
Então, alguns meses depois, Rabino Gabi e Rivky Holtzberg foram assassinados em seu Beit Chabad em Mumbai. Fomos inspirados pela dedicação deles e pela sua disposição de mudar-se para o outro lado do mundo para uma comunidade pequena, isolada. Decidimos tentar Manaus por um ano com o entendimento de que iríamos partir se não pudéssemos levar adiante. Chegamos aqui e nunca olhamos para trás.
Neste Shavuot passado, nosso sexto filho nasceu aqui em Manaus. Aqui é um lar para nós. As pessoas são nosso povo. Até Mashiach chegar, este é nosso local no mundo, e não o trocaríamos por nenhum outro.

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