Aruba tem praias de areia, fontes, vistas panorâmicas, hotéis luxuosos… e vasta gama de serviços judaicos, programas e amenidades. Grande parte do atual renascimento da vida judaica nessa ilha caribenha – somente 30 quilômetros distante da Venezuela – é creditada a Rabi Ahron e Chaya Blasberg, que fundaram o Centro Judaico Chabad de Aruba em 2013.

Nessa entrevista, o casal – que cresceu respectivamente em Jerusalém e Leeds, na Inglaterra – compartilha os deleites e as dificuldades de promover a vida judaica num local onde o clima é quase sempre bom e os habitantes locais são muito receptivos.

P: Como é a comunidade judaica de Aruba? Pode descrevê-la?

R:Aruba é uma ilha pequena, antiga colônia holandesa, que é ainda um país constituinte do Reino das Índias Ocidentais.

Os idiomas oficiais são o holandês e o papiamento, uma mistura local de português, idiomas africanos, holandês e espanhol. A maioria das pessoas também fala inglês, com o qual eles se comunicam com turistas.

A comunidade judaica aqui é bem pequena, mas com uma história longa e orgulhosa.

O primeiro assentamento judaico data em 1754, quando um funcionário judeu português da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas, chamado Moses Solomon Levie Maduro, chegou aqui com sua família. Ainda há um antigo cemitério judaico local com menos de uma dúzia de túmulos, dos quais alguns datam ao início do Século 19. Não se acredita que a comunidade judaica dos anos 1800 era grande o suficiente para construir uma sinagoga, e eles eventualmente diminuíram até desaparecer. Durante o Holocausto, houve um afluxo de judeus para cá, e eles organizaram um centro comunitário e então uma sinagoga. No decorrer do tempo, muitos dos filhos daquelas pessoas se mudaram para longe, mas outros chegaram para substituí-los, formando uma comunidade judaica bastante variada.

Atividades para crianças estão no topo da lista de iniciativas importantes.
Atividades para crianças estão no topo da lista de iniciativas importantes.

P: Quem são as pessoas que você atende?

R:Pelo que sabemos, há cerca de 120 pessoas que vivem aqui o tempo todo. Além disso, muitas pessoas têm uma segunda casa e ficam durante vários meses a cada inverno, e milhares de donos judeus compartilham e vêm por algumas semanas – ou dias – todo ano para ficar nas propriedades que possuem (Aruba é considerada a Ilha número 1 no Caribe para visitantes que se repetem, graças a essas partilhas).

Num típico evento Chabad, podemos receber hospedes de Israel, Brasil, Estados Unidos, França e outros locais.

Durante a alta estação, que vai de dezembro até abril, temos mais milhares vindos de todos os lugares, a maioria do nordeste dos Estados Unidos e Canadá. E também há as pessoas que vêm em navios de cruzeiros. Elas ficam apenas por algumas horas, mas tentamos estar aqui para elas e criar uma interação positiva.

Celebrando Havdalá com a família e amigos
Celebrando Havdalá com a família e amigos

P: Como resolveram se mudar para Aruba?

R:Estávamos casados há vários anos e procurávamos um local para nos tornarmos shluchim (emissários) do Rebe – Rabi Menachem Mendel Schneerson, de abençoada memória. Estávamos procurando em muitos lugares e não havíamos encontrado algum que sentíssemos ser o certo para nós. Então um parente, Elchonon Shagalow, foi para Aruba a negócios e nos disse que a ilha estava preparada para a presença Chabad. Entramos em contato com Rabi Moshe Kotlarsky, vice-diretor de Merkos L’Inyonei Chinuch, a área educacional do movimento Chabad Lubavitch, e Rabi Mendy Zarchi, que supervisiona os centros Chabad no Caribe. Decidimos vir para uma visita, e fomos encorajados a fundar nosso centro Chabad pelo então Primeiro Ministro de Aruba, Mike Eman, que é judeu. Ele cresceu aqui e sabia que existia potencial – e ele estava certo.

A verdade é que embora tenhamos fundado o primeiro centro Chabad permanente em Aruba, Chabad tem estado envolvido na região já a décadas.

O Rebe fundou o Programa Merkos Shlichus, que despacha centenas de estudantes da yeshiva para comunidades no mundo inteiro durante as férias de verão e para os feriados judaicos. Todo verão, estudantes voam de ilha em ilha, trazendo mezuzot, literatura judaica e uma conexão com o mundo judaico exterior.

O que estamos fazendo agora à uma continuação daquilo que o Rebe começou há tantos anos.

Noite de pintura no Círculo das Mulheres Judaicas.
Noite de pintura no Círculo das Mulheres Judaicas.

P: Há comida casher em Aruba?

R: Quase tudo aqui é importado, a maioria dos Estados Unidos. Mas vinho, carne e laticínios eram muito limitados quando chegamos, quase impossíveis de encontrar.

Agora, graças a D'us, temos um acordo com um atacadista em Miami. Há um navio que vem toda semana, portanto encomendamos tudo que precisamos, e recebemos alguns dias depois. Obviamente, temos freezers grandes para estocar para nós mesmos e outras famílias que mantêm cashrut na ilha.

Temos uma pequena loja casher no nosso Beit Chabad, que fornece refeições para hóspedes do hotel e a quem deseja alimento casher.

No Shabat e nas festas judaicas, oferecemos grandes refeições no Beit Chabad onde moradores locais e turistas apreciam a comida, boa companhia e a experiência muito agradável.

Uma coisa engraçada com frequência acontece em nossa mesa. Duas pessoas começam a conversar e descobrem que moram apenas a duas quadras uma da outra na Filadélfia, Nova York ou em Montreal. Elas precisaram viajar centenas de quilômetros para encontrar um amigo que estava morando na porta ao lado durante décadas.

Colocando tefilin na praia
Colocando tefilin na praia

P: Como é o Beit Chabad de Aruba?

R:Graças a D'us, recentemente compramos um prédio espaçoso e receptivo. Tem uma sinagoga, onde temos serviços diários durante a alta estação, e serviços de Shabat e feriados durante o ano inteiro. Há espaço para nossas aulas, eventos durante as festas e para todas as atividades que realizamos. Em nossa sede funciona nossa escola de hebraico, da qual somos orgulhosos.

Temos também um Círculo de Mulheres Judias, que promove eventos em casas particulares.

Nossa época mais ativa do ano é Chanucá, que ocorre durante o auge da estação turística. Fazemos acendimentos de menorot gigantes e concertos em vários hotéis e outros locais no centro.

P: Morar em Aruba parece como um sonho tornado realidade. Quais são alguns dos desafios?

R: Os moradores locais falam sobre febre da ilha – a sensação de estar preso numa pequena ilha sem lugar nenhum para ir. E isso é verdadeiro em algum sentido. Se queremos entrar num carro e dirigir por uma hora, não podemos; Aruba tem apenas 26 quilômetros de comprimento e 4 quilômetros de largura.

Num sentido mais imediato, há o desafio de não ter uma escola judaica para nossos quatro filhos, o mais velho com 8 anos. Nós os ensinamos em casa ou no Beit Chabad, e estamos os dois envolvidos em cuidados com eles. As pessoas acham normal poderem enviar os filhos à escola pela manhã e então ir para o trabalho. Estamos sempre equilibrando nosso trabalho comunitário com nossos deveres familiares.

Às vezes também sentimos a pressão de saber que tanto do Judaísmo da ilha depende de nós. Nosso trabalho aqui é uma honra e um prazer, mas o fato é que se quisermos comida casher, somos os únicos a importá-la. Se vai haver um seder de Pessach, é porque vamos organizá-lo. Temos um maravilhoso círculo de membros da comunidade e amigos muito atenciosos, mas somos o rabino e a rebetsin, e a responsabilidade é toda nossa.

Obviamente, essas são todas verdadeiras bênçãos. Temos uma família adorável e uma fantástica comunidade que amamos, portanto não há nada a reclamar.

Tefilin em um evento da comunidade
Tefilin em um evento da comunidade

P: O que mantém vocês motivados?

R:As pessoas que conhecemos. Aqui vai um exemplo. Um casal tinha acabado de chegar de um cruzeiro. Era Chanucá, e tínhamos menorot conosco. Eles nos viram dando uma menorá para alguém, e pararam para tirar uma foto. Começamos a conversar e eles nos disseram que eram judeus, vindos da União Soviética.

Perguntamos ao homem se ele colocaria tefilin. Ele disse que era tarde demais para ele. Seus netos estavam recebendo uma sólida educação judaica na escola hebraica nos Estados Unidos. Mas ele já fora roubado da sua identidade judaica. Por fim, concordou em colocar tefilin. Quando dissemos juntos o Shemá, ele começou a chorar. Disse que sentia que finalmente tinha quebrado as correntes do comunismo.

Foi uma experiência incrível que alterou a vida para ele e para nós. Colocou em foco por que deixamos nossas famílias e nos mudamos para Aruba: para podermos partilhar a alegria do Judaísmo, uma alma a cada vez.

Um antigo cemitério judeu tem menos de uma dúzia de sepulturas, algumas das quais datam do início do século XIX.
Um antigo cemitério judeu tem menos de uma dúzia de sepulturas, algumas das quais datam do início do século XIX.
Preparando-se para a festiva refeição de Shavuot.
Preparando-se para a festiva refeição de Shavuot.
As crianças desfrutam de uma festa em Purim e da leitura da Meguilá.
As crianças desfrutam de uma festa em Purim e da leitura da Meguilá.
Aprendendo na prática sobre o feriado de Pêssach
Aprendendo na prática sobre o feriado de Pêssach