Durante o avanço para Moscou, Napoleão entrou em Vilna onde permaneceu vários dias. Diz-se que ao percorrer a cidade com seu séquito, ao observar grande concentração de judeus pelas ruas, com seus trajes típicos, exclamou: “... aqui é a Jerusalém da Lituânia ! ...” E assim Vilna ficou conhecida.
Outra lenda fala que o Imperador encontrou um judeu chorando na rua, e quis saber se suas tropas lhe haviam feito algo. O judeu disse que não, ele chorava por algo ocorrido há 2 mil anos. Era Tisha be’Av, o dia mais triste do calendário judaico, que marca a destruição dos dois Templos Sagrados de Jerusalém. Ao que Napoleão concluiu: ”um povo que ainda hoje recorda um passado tão remoto, certamente terá um grande futuro”.
Foi com estas histórias que Yulik, nosso guia em Vilna, iniciou um dia que ficaria gravado em nossa memoria, quando conhecemos a Jerusalém da Lituânia, terra de muitas sinagogas e yeshivot, eminentes sábios e rabinos, onde viveu o Gaon (Gênio) de Vilna, Rav Eliahu Ben Shalom Zalman (1720-1797) que deixou na historia a sua fama de eminente comaentarista da Torá, que desde a mais tenra idade atraia para Vilna rabinos de toda a Europa desejosos de ouvi-lo, um menino de 9 anos ensinando a velhos rabinos.
A Lituânia comemorou em 2018, cem anos da restauração da sua independência, após extensos períodos de dominação estrangeira. Entretanto novos períodos se sucederam sem liberdade, em que o país sofreu sob o tacão nazista e depois soviético. O nome da principal avenida, Gediminas, o primeiro rei lituano, mudou ao longo do tempo, primeiro para Adolf Hitler, e depois para Josef Stalin, até ser novamente restabelecido. Hoje a Lituânia é um dos países mais amigos de Israel da União Europeia tendo recebido este ano a visita do Primeiro Ministro de Israel Bibi Netanyahu.
A efervescência da vida judaica já não é a mesma dos anos 30. Poucos judeus sobreviveram ao Holocausto. Na Lituânia não houve câmaras de gás, e sim outro método cruel, o fuzilamento de milhares e milhares de seres inocentes.
Na tarde fria, Yulik nos levou a conhecer Ponary (Paneriai em lituano). Lugar onde as famílias passavam férias, ainda hoje a floresta encanta pela quietude, o canto dos pássaros, a sombra do arvoredo. Mas não nos enganemos. Ali a espécie humana revelou o que de mais torpe poderia apresentar. Os trens chegavam com sua carga humana, as vitimas obrigadas a se perfilar na beira das enormes valas, sendo cruelmente metralhadas pelos nazistas e seus pérfidos colaboradores da milícia e policia lituana.
E ali ficavam empilhados uns sobre os outros, mortos, feridos ou até mesmo vivos. Historias relatam como alguns que por milagres não tinham sido baleados, conseguiam sair debaixo da pilha de centenas de cadáveres, abandonando Ponary durante a noite.
Mas para onde ir?
Acabavam voltando para o gueto de Vilna, não muito distante, o único lugar onde não seriam denunciados, apenas para dias mais tarde, de novo embarcar em um daqueles trens da morte.
Enquanto caminhamos pelas alamedas cuja beleza esconde o terror que a natureza abrigou no seio da floresta, Yulik nos conta essas histórias, visivelmente abalado. Mas é preciso manter viva essas memorias, e os relatos do heroísmo dos lutadores do gueto de Vilna, onde a exemplo de Varsóvia, também houve resistência, como conta o grande poeta Aba Kovner, ele mesmo um dos sobreviventes daquela luta.
Clique aqui para comentar este artigo