No Século 21 os Estados Unidos têm sido cada vez mais afetado por intolerância política; a indisposição de sequer considerar ideias políticas opostas. Isso tem causado falha comunicativa em todo o espectro político, resultando em polarização política, mal funcionamento do governo, e conflito dentro de famílias e entre amigos.

Num discurso pelo Miteler Rebe é explicado que um conflito semelhante existe no reino dos céus, entre os anjos Michael e Gavriel. Como partidos políticos opostos, eles discordam sobre como o reino do céu deveria ser governado, bem como sobre os valores em que seu governo deveria se basear. Porém apesar dessa diferença, eles podem trabalhar juntos. O motivo, explica o Rebe Miteler, é que eles entendem que estão ambos trabalhando para a mesma meta, embora de maneiras distintas e que seus valores diferentes devem ser ambos incorporados para que essa meta seja atingida.

Essa narrativa pelo Miteler Rebe contém uma importante lição sobre a psicologia da intolerância política, e sua solução. Assim, intolerância política resulta quando as metas e valores da oposição são vistas como irreconciliáveis com a sua própria. Da mesma forma, intolerância política é resolvida quando os dois lados reconhecem suas metas comuns e podem apreciar os valores do outro como necessários para atingir essas metas.

Em aplicação prática, isso pode ser atingido “aprofundando” o discurso político além de posições de política, indivíduos e políticos deveriam discutir os valores por trás dessas políticas, e as metas mais amplas que eles esperam atingir com elas.  Ao fazê-lo, eles deveriam procurar identificar metas e valores partilhados, assim quebrando intolerância política e permitindo um discurso construtivo com base nessas metas e valores compartilhados. Chamo isso de um diálogo baseado na “política de metas e valores comuns.”

Entre os políticos, tem havido um aumento na polarização política, onde até o compromisso mais leve com o partido oponente é visto como uma traição dos valores do partido. Recentemente, essa mentalidade “nós x eles” culminou numa queda do governo, pois os partidos republicano e democrata foram incapazes de concordar sobre um gasto de rotina. Os efeitos da intolerância política também são sentidos num nível pessoal. As amizades são cada vez mais afetadas, se não quebradas devido a discordância política, e até dentro de famílias as divergências políticas estão causando tensão. Às mesas de jantar, a política tem se tornado um tema evitado, pois a discordância política é com frequência termina em ressentimentos e amargor, e não numa compreensão aumentada de por que a oposição apoia as políticas (ou candidatos) que apoiam.

Em resumo, a discordância política tem mudado para intolerância política. A discordância política é normal, até saudável numa democracia que funciona. É natural que uma cidadania diversa engendre opiniões divergentes, e as melhores políticas são aquelas que vêm do diálogo entre opiniões opostas. A intolerância política, em contraste, é uma corrupção da discórdia política. Na intolerância política a oposição não apenas discorda; aquele que também se recusa a conceder a posições opostas uma séria consideração, e propostas políticas são categoricamente rejeitadas assim que são propostas.

Num clima de intolerância política, as políticas são inevitavelmente partisan, e o diálogo acaba. No entanto, encontramos uma poderosa análise de intolerância política, bem como seu remédio num ensinamento chassídico pelo Miteler Rebe.1

Citando o Midrash Tanchuma,2 o Miteler Rebe relata que os arcanjos Michael e Gavriel estão perpetuamente engajados numa disputa sobre a conduta do céu. Como diz o próprio Miteler Rebe, isso é como dois ministros do governo, lutando por políticas opostas.

Os efeitos da intolerância política também são sentidos num nível pessoal. As amizades são cada vez mais afetadas, se não quebradas, devido a discordância política, e até dentro de famílias estão causando tensão.

Michael deseja beneficência divina a ser concedida a seres criados sem base nos seus méritos, sendo dada independentemente de como merecedor o recipiente é, ao passo que Gavriel acredita que a beneficência divina deveria ser estritamente proporcional aos méritos do beneficiário. Com a exceção a ser dita abaixo, esse conflito celestial é intratável: Michael e Gavriel permanecem eternamente engajados nessa disputa, cada qual avançando sua própria agenda contra o outro. Além disso, o Miteler Rebe revela que as raizes dessa disputa política é mais profunda.

Michael incorpora bondade (chessed), e portanto tem uma tendência natural para beneficência sem fronteiras. Em contraste, Gavriel incorpora julgamento severo (guevura), portanto sua inclinação natural é agir em proporção aos méritos da pessoa. De modo simples, isso significa que Michael e Gavriel têm valores diferentes: o valor cardinal de Michael é a bondade, ao passo que a de Gavriel é o julgamento estrito. Então não apenas eles diferem sobre como o reino do céu deveria ser conduzido; eles também discordam sobre os próprios valores nos quais o reino do céu deveria estar baseado.

O que vemos, então, é que a causa da disputa entre Michael e Gavriel é dupla. Primeiro, suas metas são aparentemente uma antítese: Michael deseja conceder beneficência de maneira gratuita, ao passo que Gabriel deseja reservar a beneficência para os merecedores. Em segundo lugar, seus valores (sobre os quais as metas são baseadas) são fundamentalmente diferentes: o principal valor de Michael é a bondade, ao passo que a de Gavriel é o julgamento severo. Portanto é natural que sua disputa seja insolúvel, pois aparentemente não há um ponto em comum sobre o qual eles podem basear um acordo ou compromisso.

Quando eles estão perante o rei, os ministros sabem que embora difiram em muitos aspectos, ambos são leais ao mesmo rei, e ambos foram nomeados pelo rei para administrar o reino.

A análise do Miteler Rebe do desacordo entre Michael e Gavriel pode ser aplicado também à intolerância política. Por exemplo, partidos políticos opostos ou candidatos com frequência são acusados de ter valores “não patrióticos”, ou de buscarem metas perversas para o país. Assim também, indivíduos acham que opiniões políticas opostas são incompatíveis com suas metas ou valores. Assim como no caso de Michael e Gavriel, a intolerância política ocorre porque há uma visível falta de metas ou valores compartilhados, e isso impede um diálogo construtivo.

Mas, afirma o Miteler Rebe, há uma determinada condição sob a qual Michael e Gavriel podem trabalhar juntos, apesar de suas diferenças. É quando estão na presença de D'us.

Como descreve o Rebe Miteler, isso é como quando dois ministros de governo trabalham juntos na presença do rei. Quando eles estão perante o rei, os ministros sabem que embora difiram em muitos aspectos, ambos são leais ao mesmo rei, e ambos foram nomeados pelo rei para administrar o reino. Assim, eles sabem que partilham a meta comum de administrar o reino. Sabem também que o rei escolheu cada um deles para trabalhar em sua tarefa, apesar de seus valores opostos – em outras palavras, que o rei os escolheu porque cada um dos seus valores é necessário para administrar corretamente o reino.

No caso de Michael e Gavriel, isso significa bondade e severidade devem ser utilizadas adequadamente para atrair a beneficência divina – essa concessão não pode ser totalmente sem respeito ao mérito, nem pode ser apenas aquilo que é estritamente merecido – e eles também entendem que devem partilhar a meta suprema de administrar o reino do céu. Reconhecendo esses pontos em comum, Michael e Gavriel são capazes de trabalhar juntos.

Essa solução pode ser aplicada analogamente à intolerância política. A chave é as pessoas entenderem que ambos os lados da divisão política estão buscando as mesmas metas – por exemplo, a melhora da nação, e várias metas particulares, como crescimento econômico e o bem-estar dos cidadãos. Além disso, eles devem também reconhecer que os valores diferentes sob suas posições são críticos para o funcionamento saudável da nação.

Eles devem também reconhecer que os valores diferentes sob suas posições são críticos para o funcionamento saudável da nação.

O truque, então, é reconhecer essas metas e valores partilhados, e usá-los como base para discussão construtiva. Para esse objetivo, podemos usar a “política de metas e valores em comum”, para abordar o diálogo. Nessa abordagem, quando há discordância sobre uma política os interlocutores deveriam explicar as metas mais amplas que esperam atingir com essa política, e os valores para fazê-los preferir suas escolhas. O objetivo dessa abordagem é encontrar metas e valores partilhados que possam ser uma base para discussão construtiva sobre a questão. E mesmo se persistir a discordância política, pelo menos os interlocutores entenderão as posições do outro numa maneira em que podem refletir sobre a base de suas próprias metas ou valores.

Por exemplo, isso poderia ser aplicado ao recente debate, [na Europa e Estados Unidos, e mesmo no Brasil], sobre se deve-se permitir refugiados de países que com frequência abrigam bandidos e terroristas, e até que ponto fazer isso.

Propositores de deixar mais refugiados entrarem argumentam que isso vai salvar muitas vidas que caso contrário seriam perdidas para a guerra, perseguições e miséria, e que também vai melhorar estes países promovendo sua reputação humanitária. Em contraste, aqueles que querem políticas mais duras argumentam que uma política mais severa salvará vidas e os protegerá contra o terrorismo ao melhorar a segurança do país.

Porém, podemos ver que ambos os lados do debate partilham as mesmas duas metas: salvar vidas e melhorar o país. Além disso os valores por trás de cada uma dessas opiniões são compartilhados por ambos os lados. Um valor maior sob cada uma dessas posições é aquele de bondade com os outros, ao passo que um valor maior sob uma política mais dura sobre refugiados é aquele de proteger.

Todos concordariam que ambos são valores importantes; portanto o debate não é sobre os valores em si, mas sobre como aplicá-los. E depois que for entendido que há metas compartilhadas e valores que podem ser usados como um padrão comum para melhorar a política, o discurso político é capaz novamente de ser frutífero, e a intolerância política diminui à medida que esses pontos de concordância são revelados.

Em resumo, podem dar os passos para o diálogo da seguinte forma:

Política – Qual política você apoia sobre uma questão específica? Qual é a posição do seu interlocutor?

Meta – Quais metas mais amplas você espera realizar com essa política? Quais metas mais amplas seu interlocutor espera realizar com as suas?

Valor – Quais valores levaram você a adotar essa política? Quais valores informam a posição do ser interlocutor?

Pontos em Comum – Quais pontos em comum estão entre suas metas e valores e as metas e valores do seu interlocutor?