Duas Estradas
Duas estradas divergentes têm definido a viagem de nosso povo. Se me pedissem para resumir o âmago de todos os argumentos judaicos desde tempos imemoriais até hoje eu diria que é o conflito entre o sol e a lua, entre “Judeus Solares” e “Judeus Lunares”. O primeiro grupo acredita na consistência; o outro na criatividade.
Sempre houve os judeus cujo foco primordial era se apegar com tenacidade ao passado, com pouca ou nenhuma mudança. Somente porque Voltaire nos deu o Iluminismo, Nietzche nos ensinou sobre a Vontade pelo Poder, Tocqueville explicou-nos a democracia, Freud descobriu o subconsciente, e Barak Obama clamava por mudança, este grupo argumenta, nossos principais valores – o que nos torna humanos e judeus – ainda não passaram por mudança. Aprenda com o sol, eles dizem. Ele tem feito a mesma coisa durante milênios, e ainda brilha forte e efetivamente.
Em contraste, os judeus lunares focam nas constantes mudanças na história: as tendências flutuantes, os desenvolvimentos culturais, as novas invenções, as revoluções tecnológicas, e a sabedoria recentemente descoberta. Esses judeus permitem que seus ouvidos absorvam os sons da progressão e das alterações no clima. Eles aspiram definir um Judaísmo – ou uma filosofia de vida – que seria relevante para a conversação contemporânea da humanidade em sua jornada rumo ao progresso. “Aprenda com a lua,” eles exclamam. Todo dia é diferente. Ela aumenta, ela diminui; até desaparece por algum tempo. Sempre assume formatos diferentes.
Com frequência, eles zombavam dos idosos que eram imutáveis. Seu hino lunar era este:
Enraizado nas tumbas do ontem. Crescendo, se esforçando para chegar ao céu. Não satisfeitos com respostas gravadas no barro. Dê-nos nova vida ou iremos morrer.
Em algumas maneiras, foi essa perspectiva que deu nascimento ao mundo judaico contemporâneo. À medida que os ventos da modernidade varriam a Europa, quando Iluminismo e Emancipação lançavam seu brilho numa nação devastada, oprimida, milhões de judeus sentiram que apegar-se ao estilo de vida e às tradições de seus ancestrais impediria sua brilhante jornada a uma nova ordem mundial. No processo, eles deram adeus ao velho para abraçar o novo; disseram adeus ao outrora para abraçar o “agora”.
Cada uma das duas perspectivas, a solar e a lunar, formaram um bom argumento. Os judeus solares nos explicam como são os judeus lunares transientes. Na sua paixão por permanecerem relevantes hoje, eles desprezaram a sabedoria de ontem. Em sua ambição para crescer, se separaram das raízes que lhes deram sua seiva original.
“Quando um homem percebe que talvez seu pai estivesse certo, geralmente ele tem um filho que acha que ele está errado” disse Charles Wadsworth certa vez.
Os judeus lunares acusam os judeus solares de monotonia, repressão e dogma, suprimindo a nova energia de hoje. Na sua esperança para continuar a corrente da história acrescentando seu elo identicamente correto, eles falham em deixar espaço para a criatividade e auto-expressão.
Duas Abordagens aos Negócios
Com frequência, o conflito entre personalidades lunar e solar emergem numa empresa, uma companhia ou uma organização.
O Chefe Executivo, David, é aventureiro, criativo, corajoso, e não teme os riscos. Ele sente que a empresa precisa adotar um novo modelo para levá-la ao topo, embora não tenha feito as coisas assim desde seu início. Porém o vice-presidente sênior, Henry, adota um modelo diferente: abordagens e investimentos conservadores, estratégias de crescimento calculadas, continuando os modelos de ontem que se provaram bem-sucedidos.
Numa reunião tentando reconciliar os dois, surgem palavras fortes: o Vice-Presidente acusa o Chefe Executivo, trinta anos mais jovem que ele, de ser volátil, impulsivo e impetuoso. “Este jovem sabe-tudo vai pegar uma empresa bem sucedida, ganhando seu lucro anual fixo, e levá-la ao chão por causa de suas decisões irresponsáveis e imaturas”.
O Chefe Executivo não fica em silêncio. “Harry é um homem velho. Ele anda com a velocidade de uma tartaruga. Sua consistência e regularidade nos levarão à paralisia, estagnação e à morte. Com ele na frente, nos tornaremos irrelevantes”.
Dois Cônjuges
Com frequência a dicotomia acaba se espelhando num casamento: Ela é espontânea, divertida, repleta de mudanças de humor e emoções. Ocasionalmente, sua personalidade luminosa brilha como a lua cheia; com frequência, porém, há períodos de tristeza e conflito interior. Ela cresce e diminui. E às vezes quer desaparecer do mundo por dois dias, como a lua.
Ele é sólido, confiável, consistente, tão regular como o nascer do sol amanhã. Quando ele tem um voo, faz as malas dois dias antes e chega ao aeroporto 3 horas e meia antes da sua viagem. Ele tem saído de casa no mesmo minuto – 8h19 da manhã – durante os últimos 36 anos para pegar o trem das 8h30. No trabalho ele é eficiente, produtivo e um forte apoiador da política da empresa. Não chegou tarde a um compromisso desde a Crise do Míssil Cubano. Nem mesmo a Chegada à Lua não o empolgou tanto a ponto de deixá-lo acordado mais tarde que de costume. Afinal ele é um sol. Vai para a cama, com um livro na mesa de cabeceira, porque nunca pega um segundo livro antes de terminar a leitura do primeiro. Isso, em sua mente, é frívolo e irresponsável… (sua esposa, por outro lado, vai para a cama com seis livros, portanto quando enjoa do primeiro – geralmente após ler três páginas – ela pode pegar o segundo livro.)
Ou às vezes (talvez com maior frequência) é de outra forma. Ela é feita de aço. É sólida, confiável. Ele é mutável e instável. Ele pode ser “artista”, mas saiu para o almoço. E o almoço nunca termina com ele. De qualquer forma, como se pode esperar, o casamento deles não é fácil.
Quem Prevalece?
Cada um de nós tende a lidar diferentemente com esse conflito. Mas o denominador comum para a maioria é que tentamos enfatizar uma das duas abordagens, para que possamos formar algum senso de identidade. Às vezes como uma sociedade damos poder exclusivo a uma abordagem quando a outra tem dominado nossa atenção por um longo tempo. Isso se torna um pêndulo balançando de um extremo a outro: abraçando arte e criatividade até que perdemos totalmente todo o senso de verdade moral, e então dando controle total à disciplina e dogma até que não haja personalidade distinguível deixada em nós.
O Judaísmo, em seu profundo entendimento da natureza humana e do processo da história, nos desafia a embarcar na estrada menos viajada.
Dois Calendários
Há dois tipos de calendários usados pela maioria da civilização atualmente: o calendário ocidental e o calendário muçulmano. O ocidental segue o ciclo solar, enquanto o muçulmano segue o ciclo lunar. Os aspectos básicos dos dois calendários são o mês e o ano. Porém sua duração pode ser calculada através do sol ou da lua. Vamos entrar numa curta jornada através desses dois calendários.1
A órbita solar (a órbita do sol ao redor da terra, ou da terra ao redor do sol) é completada a cada 365 dias2 . Isso forma um ano. Se você dividir esses 365 dias em 12 partes, tem cerca de 30 dias em cada uma. Isso forma os meses.
É assim que funciona o calendário ocidental. Os meses não são definidos pela compleição de qualquer órbita particular; eles são uma criação artificial, um produto da mente dividindo a órbita solar em 12 seções.3
A órbita lunar (a órbita aparente da lua ao redor da terra, ou a terra ao redor da lua) é completada a cada 29 ½ dias, 12 vezes mais depressa que o sol. Isso forma um mês. Agora, quando você multiplica o mês lunar – 29 ou 30 dias4 – 12 vezes, você tem um ano.
Este ano, formado por 12 meses lunares, soma 354 dias5 , 11 dias mais curto que um ano solar de 365 dias. Quando um novo ano lunar começa (o início do 13º mês), o ano solar ainda não terminou seu ano anterior e sua órbita.
É assim que funciona o calendário muçulmano. Como ocorre com os meses no calendário ocidental, os anos no calendário muçulmano não são definidos por uma realidade astronômica objetiva, mas são uma criação da mente humana multiplicando a órbita da lua 12 vezes.6
É por isso que o Ramadan – o nono mês do calendário islâmico, que é o mês islâmico de jejum, no qual muçulmanos participantes se abstêm de comer, beber e manter relações íntimas o mês inteiro do amanhecer até o pôr do sol – pode cair no inverno ou no verão, ou em qualquer outra estação. Às vezes o Ramadan é no agosto quente, e às vezes no frio fevereiro. Por quê? Porque o calendário muçulmano, ao contrário do calendário ocidental, nada tem a ver com o sol e suas estações. Gira totalmente ao redor da lua.
O Problema
Desde que você não misture os dois calendários, você vai bem. Mas é aí que os judeus chegam e geram alguma confusão. O calendário judaico é único porque integra esses dois ciclos de tempo tão diferentes – o solar e o lunar – num sistema harmonioso.
A primeira mitsvá dada ao povo judeu – antes mesmo do êxodo do Egito – especificava a Fórmula pela qual estabelecer os ciclos do tempo judaico, e isso deu nascimento ao mais complexo calendário já usado.7
A Torá especifica que os meses judaicos precisam ser estabelecidos pela órbita lunar. Simples assim. Porém a Torá também instrui o povo judeu a celebrar seus feriados (observados em determinados dias do mês lunar) durante estações solares especificas.
Por exemplo, o feriado de Pêssach, começando no 15º dia do mês lunar de Nissan, também deve ser a estação da primavera (um produto do ciclo solar).8
Ora, se o ano lunar e solar tivesse apreciado um número idêntico de dias, este sistema iria funcionar perfeitamente: os meses lunares e solares viajariam juntos lado a lado. Mas como o ano lunar tem 354 dias, e o solar 365 dias, cada ano que passa cria uma discrepância de 11 dias entre os dois ciclos. No decorrer de 10 anos, o ano lunar cai atrás do ano solar cerca de 110 dias. O resultado disso seria que Pêssach, celebrado no mês lunar de Nissan, iria eventualmente terminar no inverno.
A Solução
Para enfrentar esse problema, o calendário judaico introduziu o “ano bissexto”. A cada poucos anos, um 13º mês consistindo de 30 dias é acrescentado ao ano lunar. Assim o “ano lunar” se iguala ao “ano solar”. Isso é feito aproximadamente a cada três anos, quando a discrepância entre o ano solar e o lunar atinge 33 dias. O mês acrescentado sincroniza-os, mais ou menos.9
O ano judaico de 5776 foi um daqueles anos bissextos. E o mês hebraico Adar 1, é exatamente este tipo de mês – um 13º mês adicional acrescentado ao nosso ano lunar. Para o mês adicional é sempre acrescentado ao mês de Adar, assegurando que o mês seguinte, Nissan, o mês de Pêssach, seja na primavera, pois o ano lunar agora “alcançou o ano solar.
Portanto em resumo, o povo judeu calcula seu tempo segundo a lua e o sol. Nossos meses são os da lua; nossos anos são os do sol. Para assegurar que nossos meses lunares combinem com o ano solar, estamos constantemente tentando fazer a lua superar seu vácuo de 11 dias e emparelhar com o ano solar.
Por que a Dor de Cabeça?
Mas por que a necessidade dessas dores de cabeça? Se a Torá deseja que sincronizemos nossos meses e anos com as estações solares, que estabeleça um calendário solar para começar! Por que a necessidade de seguir um sistema lunar e então tentar consertar suas falhas, defeitos e erros?
A resposta a esse enigma é que no Judaísmo medimos e calculamos nossos dias na mesma maneira pela qual medimos e calculamos nossa vida interior. Definimos o tempo na mesma maneira que definimos nossa missão na vida. E nossa missão na vida não é se tornar lunar ou solar, mas integrá-los. Sim, síntese de dois seres celestiais que possuem padrões diferentes nunca é fácil; sempre exige sintonia, sintonia fina, conferência e equilíbrio, ajustes, vigilância, humildade, e a prontidão para desafiar a nós mesmos. Mas qualquer outra maneira seria negligenciar um componente vital de nosso desígnio e do nosso objetivo na vida.
Afastar-se de seu cônjuge porque eles são tão diferentes é pouco. Sim, sincronizar duas personalidades nem sempre é uma jornada fácil, especialmente quando um é o sol e o outro – uma lua. Porém está nessa tentativa aproximar duas órbitas nas quais podemos entender plenamente nosso potencial interior.
A verdade jamais pode ser captada via lua ou sol por si própria. Devemos utilizar nossa capacidade inovadora plenamente, e mesmo assim, para nossa criatividade ser produtiva e afirmar a vida, devemos ter uma estrutura na qual operar. Se eu deixar de lado aquela estrutura em nome da liberdade e auto-expressão, seria como a água escapando pelos “cantos” da panela para entrar em contato direto com o fogo por baixo da panela. Os resultados? Não resta nenhum fogo.
Vamos ver a estrutura conjugal. Alguns podem defender paixão e romance lunar, sem as limitações impostas pelo compromisso estável “solar” para uma pessoa sem ultrapassar os limites. O casamento sem limites pode parecer excitante, mas os resultados são bem conhecidos: diminui em vez de aumentar o amor e a confiança entre marido e mulher, e a pessoa com frequência termina sem nada.
Amamos a lua. Devemos ser frescos, criativos, apaixonados e explorar e atualizar todos os nossos recursos individuais. Devemos celebrar o novo e o criativo. Mas o ano bissexto nos ensina que nossa lua interior – nossa lunática interna – deve, a cada poucos anos, ser sincronizada com nosso sol interior. Precisamos ancorar nosso estado de espírito em valores testados pelo tempo para definir o que é certo e o que é errado. Nossa criatividade floresce melhor no solo do comprometimento e da tradição. As estruturas da moralidade e as leis da Torá são semelhantes às leis da biologia. Você não pode ignorar o ritmo da alma. Somente no conflito para sintetizar o sol e a lua que a plena capacidade e majestade do ser humano pode ser expressa.10
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