7 de maio de 2016/29 de Nissan de 5776

Alguns anos atrás fui visitado por Philip Lader, então embaixador americano na Corte de S. James. Ele contou-me sobre um fascinante projeto que ele e sua esposa tinham iniciado em 1981. Eles tinham percebido que muitos dos seus contemporâneos se encontrariam em posições de influência e poder num futuro não muito distante. Ele pensou que seria útil se eles se reunissem com frequência para um estudo a fim de partilhar ideias, ouvir especialistas e formar amizades, pensando coletivamente sobre os desafios que eles deveriam enfrentar nos próximos anos. Então criaram os chamados Fins de Semana de Renascimento. Eles ainda ocorrem.

O mais interessante que ele me contou foi que eles descobriram que os participantes, todos excepcionalmente dotados, acharam uma coisa especialmente difícil, ou seja, admitir que eles cometiam erros. Os Laders entendiam que isso era algo importante que precisavam aprender. Líderes, acima de tudo, deveriam ser capazes de entender quando e como tinham errado, e como consertar isso. Tiveram uma ideia brilhante. Cancelaram uma sessão a cada fim de semana para uma palestra feita por uma estrela reconhecida em algum campo, sobre o tema “Meu Maior Equívoco”. Sendo inglês, não americano, eu tive de pedir uma tradução. Descobri que um equívoco é um erro embaraçoso. Uma gafe. Um erro. Um estrago. Um fora. Uma mancada. Algo que você não deveria ter feito e tem vergonha de admitir que fez.

É muito mais fácil admitir seus pecados, falhas e erros quando outras pessoas estão fazendo o mesmo.

Isso, na essência, é aquilo que Yom Kipur é no Judaísmo. Nos tempos do Tabernáculo e do Templo, era o dia em que o homem mais sagrado de Israel, o Sumo Sacerdote, fazia expiação, primeiro pelos próprios pecados, depois pelos pecados de sua “casa”, então pelos pecados de todo Israel. Desde o dia em que o Templo foi destruído, não temos Sumo Sacerdote nem os ritos que ele cumpria, mas ainda temos o dia e a capacidade de confessar e rezar pelo perdão. É muito mais fácil admitir seus pecados, falhas e erros quando outras pessoas estão fazendo o mesmo. Se um Sumo Sacerdote, ou outros membros da nossa congregação, podem admitir seus pecados, nós também podemos.

Tenho afirmado em toda parte (na introdução do Machzor Koren Yom Kipur) que a mudança do primeiro Yom Kipur para o segundo foi uma das grandes transições na espiritualidade judaica. O primeiro Yom Kipur foi a culminação dos esforços de Moshê para assegurar perdão para o povo após o pecado do Bezerro de Ouro (Ex. 32-34). O processo, que começou em 17 de Tamuz, terminou em 10 de Tishrei – o dia que mais tarde se tornaria Yom Kipur. Aquele foi o dia em que Moshê desceu da montanha com o segundo conjunto de tábuas, o sinal visível que D'us tinha reafirmado Seu pacto com o povo. O segundo Yom Kipur, um ano depois, iniciou as séries de ritos estabelecidos na parashá desta semana (Lev. 16), conduzidos no Mishcan por Aaron em seu papel como Sumo Sacerdote.

As diferenças entre os dois eram imensas. Moshê agia como um profeta, Aaron como um sacerdote. Moshê estava seguindo seu coração e sua mente, improvisando em reação à resposta de D'us às suas palavras.
Aaron estava seguindo um ritual precisamente coreografado, do qual cada detalhe fora estabelecido com antecedência. O encontro de Moshe foi único, um drama irrepetível entre céu e terra.O de Aaron era o oposto. As leis que ele estava seguindo nunca mudaram no decorrer das gerações, enquanto o Templo esteve de pé.

As preces de Moshê em prol do povo eram repletas de audácia, aquilo que os sábios chamam de chutspá kelapei shemaya, “audácia na direção do céu,” atingindo um clímax nas impressionantes palavras “Agora, por favor perdoa seu pecado– e se não, risca-me, rogo, do Teu livro, que escreveste.” (Êxodus 32:32). Em contraste o comportamento de Aaron foi marcado pela obediência, humildade e confissão. Havia rituais de purificação, oferendas pelo pecado e perdão, pelos seus próprios pecados e aqueles de”sua casa” bem como aqueles do povo.

A maioria dos pecados que confessamos são sobre nossos relacionamentos com outras pessoas.

A mudança de Yom Kipur 1 para Yom Kipur 2 foi um exemplo clássico daquilo que Max Weber chamou de “a rotinização do carisma”, ou seja, pegar um momento único e traduzi-lo em ritual, transformando uma “experiência elevada” numa parte regular da vida. Poucos momentos na Torá rivalizam em intensidade com o diálogo entre Moshê e D'us após o Bezerro de Ouro. Mas a questão depois disso foi: como poderíamos alcançar o perdão – nós que não temos mais um Moshê, ou profetas, ou acesso direto a D'us? Grandes momentos mudam a história. Mas aquilo que nos muda é o hábito não espetacular de fazer certos atos repetidas vezes até que eles reconfigurem o cérebro e mudem nossos hábitos do coração. Somos moldados pelos rituais que realizamos repetidamente.

Além do mais, a intercessão de Moshê com D'us não induziu a um estado de penitencia entre as pessoas. Sim, ele realizou uma série de atos dramáticos para demonstrar ao povo sua culpa. Mas não temos nenhuma evidência de que eles internalizaram isso. Os atos de Aaron foram diferentes. Envolviam confissão, expiação e uma busca pela purificação espiritual. Envolviam um cândido reconhecimento dos pecados e falhas do povo, e eles começaram com o próprio Sumo Sacerdote.

O efeito de Yom Kipur – expandido nas preces de grande parte do resto do ano de tachanun (preces de súplica), vidui (confissão) e selichot (preces por perdão) – foi criar uma cultura na qual as pessoas não estão envergonhadas ou embaraçadas para dizer “Eu fiz errado, eu pequei, cometi erros.” É isso que fazemos na litania de erros que enumeramos em Yom Kipur em duas listas alfabéticas, uma começando com Ashamnu, bagadnu, a outra começando com Al chet shechatanu.

Como Philip Lader descobriu, a capacidade de admitir erros nada mais é que geral. Racionalizamos. Justificamos. Negamos. Culpamos os outros. Tem havido vários livros poderosos sobre o assunto nos últimos anos, entre eles os de Matthew Syed, “Pensamento da Caixa Negra: A Surpreendente Verdade Sobre o Sucesso (e Por que Algumas Pessoas Jamais Aprendem com Seus Erros)”1; de Kathryn Schulz, “Estar Errado: Aventuras nas Margens do Erro” 2, e “Erros Foram Cometidos, Mas Não Por Mim”, de Carol Tavris e Elliot Aronson.

Os políticos acham difícil admitir erros. Também os médicos; erros médicos preveníveis causam mais de 400.00 mortes todo ano nos Estados Unidos. Assim é com banqueiros e economistas. O desastre financeiro de 2008 foi previsto por Warren Buffet já em 2002. Aconteceu apesar dos avisos de vários especialistas que o nível de empréstimos e hipotecas e de débitos era insustentável. Tavris e Aronson contaram uma história semelhante sobre a polícia. Após terem identificado um suspeito, eles ficam relutantes para admitir provas de sua inocência. E assim vai.

As estratégias para evitar são quase infindáveis. As pessoas dizem: Não foi um erro. Ou, dadas as circunstâncias, foi o melhor que poderiam ter feito. Ou foi um pequeno engano. Ou era inevitável devido ao que sabíamos na época. Ou a culpa foi de outra pessoa. Recebemos informações erradas. Fomos avisados enganosamente. Algumas pessoas blefam, ou se apegam a negação, ou se vêem como vitimas.

Temos uma capacidade quase infinita para interpretar os fatos de modo a nos livrar. Como disseram os sábios no contexto das leis da pureza. “Ninguém pode ver as próprias falhas, suas próprias impurezas.”4 Nós somos nossos melhores advogados no tribunal da autoestima. Raro é o indivíduo com coragem de dizer como fez o Sumo Sacerdote, ou o Rei David após o profeta Nathan confrontá-lo com sua culpa em relação a Uriá e Batsheva, chatati, “Eu pequei”.

O Judaísmo nos ajuda a admitir nossos erros em três maneiras. Primeiro é o conhecimento de que D'us perdoa. Ele não nos pede para jamais pecar. Ele sabia com antecedência que Seu presente da liberdade às vezes seria usado erradamente. Tudo que Ele nos pede é que reconheçamos nossos erros, aprendamos com eles,confessemos e resolvamos não cometê-los novamente.

A segunda é a clara separação do Judaísmo entre o pecador e o pecado. Podemos condenar um ato sem perder a fé no agente.

Terceiro é a aura que Yom Kipur espalha pelo resto do ano. Ele ajuda a criar uma cultura de honestidade na qual não ficamos envergonhados de reconhecer os erros que cometemos. E apesar do fato de que, tecnicamente, Yom Kipur é focado nos pecados entre nós e D'us, uma simples leitura das confissões em Ashamnu e Al Chet nos mostra que, na verdade, a maioria dos pecados que confessamos são sobre nossos relacionamentos com outras pessoas.

O que Phillip Lader descobriu sobre seus elevados contemporâneos, o Judaísmo interiorizou há muito tempo. Ver o melhor admitir que também comete erros é profundamente poderoso para o restante de nós. O primeiro judeu a admitir que cometeu um erro foi Yehuda, que tinha acusado erradamente Tamar de má conduta sexual, e então, percebendo que estava errado, disse: “Ela é mais justa que eu” (Gênesis 38:26).

Certamente é mais que mera coincidência que o nome Yehuda venha do mesmo radical de Vidui, “confissão”. Em outras palavras, o próprio fato de que somos chamados judeus - Yehudim – significa que somos o povo que tem a coragem de admitir nossos erros.

A auto-crítica sincera é uma das inconfundíveis marcas da grandeza espiritual.