Em setembro de 2010, Reuters e outras agências relataram uma sensacional descoberta científica. Pesquisadores no US National Center para Pesquisa Atmosférica e a Universidade do Colorado mostraram através de simulação feita por computador como a divisão do Mar Vermelho pode ter ocorrido.

Usando técnica sofisticada, eles demonstraram como um forte vento leste, no decorrer da noite, poderia ter empurrado a água de volta e uma fenda onde acredita-se que um antigo rio se fundiu com uma lagoa costeira. A água teria sido dirigida a duas fontes, e uma ponte de terra poderia ter sido aberta na curva, permitindo que as pessoas atravessassem pelos caminhos de lama. Assim que o vento acabou, as águas teriam voltado ao lugar anterior. Como disse o líder do projeto quando foi publicado o relato: “A simulação combina certinho com a narrativa no Êxodus.”

Portanto agora temos evidência cientifica para comprovar a narrativa bíblica, embora para sermos justos, um caso bastante similar tenha sido feito há alguns anos por Colin Humphreys, Professor de Ciências Materiais na Universidade de Cambridge, e Professor de Física Experimental na Royal Institution em Londres, no seu livro Os Milagres do Êxodus.

Para mim, porém, a questão é o que a narrativa bíblica realmente é. Porque é exatamente aqui que temos um dos aspectos mais fascinantes da maneira pela qual a Torá conta histórias. Aqui está a principal passagem:

“...Então Moshê estendeu sua mão sobre o mar, e toda aquela noite o Eterno levou o mar de volta com um forte vento leste e transformou-o em terra seca. As águas foram divididas, e os israelitas atravessaram o mar sobre terra seca, com uma parede de água à direita e outra à esquerda.” (Êxodus 14:21-22)

A passagem pode ser lida de duas maneiras. A primeira é que aquilo que aconteceu foi uma suspensão das leis da natureza. Foi um evento sobrenatural. As águas ficaram de pé, literalmente, como um muro. A segunda é que aquilo que aconteceu foi milagroso não porque as leis da natureza foram suspensas. Ao contrário, como mostra a simulação no computador, a exposição de terra seca num ponto específico no Mar Vermelho foi um resultado natural do forte vento leste. O que o tornou milagroso é que aconteceu exatamente ali, quando os israelitas pareciam presos numa armadilha, incapazes de seguir em frente por causa do mar, incapazes de voltar por causa do exército egípcio que os perseguia.

Há uma importante diferença entre essas duas interpretações. A primeira apela ao nosso senso de admiração. Como é extraordinário que as leis da natureza fossem suspensas para permitir que um povo fugitivo ficasse livre. É uma história para empolgar a imaginação de uma criança. Porém a explicação naturalista é maravilhosa num outro nível. Aqui a Torá está usando ironia. O que fez os egípcios do tempo de Ramsés tão formidável foi o fato de que eles possuíam a mais moderna e poderosa forma de tecnologia militar, a carruagem puxada a cavalo. Isso os deixava invencíveis na batalha, e assustadores.

O que acontece no mar é justiça poética do tipo mais estranho. Há somente uma circunstância na qual um grupo de pessoas viajando a pé pode escapar de um exército treinado de carroceiros: quando a rota passa através de um leito de barro no mar. O exército egípcio não consegue avançar nem voltar. O vento vem. A água retorna. Os poderosos agora estão impotentes. Enquanto os impotentes conseguiram abrir caminho para a liberdade.

Essa segunda narrativa tem uma profundidade moral que a primeira não tem; e ressoa com a mensagem do Livro dos Salmos:

Seu prazer não está na força do cavalo,
Nem Seu deleite nas pernas do guerreiro;
O Eterno Se deleita naqueles que O temem,
Que colocam sua esperança em Seu amor perfeito.

(Salmo 147:10-11)

A maneira simplesmente elegante na qual a divisão do Mar Vermelho é descrita na Torá para que possa ser lida em dois níveis diferentes, um como milagre sobrenatural, outro como um conto moral sobre os limites da tecnologia quando se trata da força real das nações; para mim é o mais chocante. É um texto deliberadamente escrito para que nossa compreensão possa se aprofundar à medida que amadurecemos, e não estamos mais tão interessados na mecânica dos milagres, mas mais interessado em como a liberdade é conquistada ou perdida.

Portanto é bom saber como a divisão do mar aconteceu, mas ali permanece uma profundidade na história bíblica que jamais pode ser exaurida por simulações de computador e outra evidência histórica ou cientifica, e depende em sermos sensíveis à sua ambiguidade deliberada e delicada. Assim como o vento, ruach, um vento físico, pode partir águas e expôr a terra por baixo, também o ruach, o espírito humano, pode expôr, por baixo da superfície de uma história, um significado mais profundo por dentro.