Publicado no The Times em outubro de 2007
Em 1997 um grupo de cientistas emitiu uma declaração na qual, entre outras coisas, argumentavam que “as capacidades humanas parecem diferir em grau, não em tipo, daquelas encontradas entre os animais mais elevados. O rico repertório de pensamentos, sentimentos, aspirações e esperanças dos seres humanos parece surgir nos processos eletroquímicos do cérebro, não de uma “alma imaterial”.
É isso somente o que somos? Onde, nesta definição, colocaremos o Livro dos Salmos, o Rei Lear, os lírios na água de Monet ou a Biblioteca Bodleian, Oxford? Onde colocaremos os indivíduos que arriscaram suas vida para salvar outras vidas durante o massacre em Ruanda, ou os monges budistas de hoje que enfrentam o regime militar em Burma em nome da liberdade? Captamos adequadamente os parâmetros do espírito humano ao reduzi-lo a “processos eletroquímicos cerebrais”? Obviamente, não.
A declaração comete um erro elementar de lógica, falácia genética, a crença de que como Y “surge de” X, Y não é mais do que X. Um carvalho surge de uma bolota, uma borboleta de uma lagarta, mas não são as mesmas coisas. A música surge de uma mistura de ondas de ar, mas isso não faz da música um mero barulho. Tudo que vive pode ter sua origem provada nos primeiros ribo-organismos. Mas isso não significa que todas as formas de vida são essencialmente as mesmas.
Qualquer descrição da condição humana que reduza o espírito humano a um bi-produto acidental de pressões evolutivas não conta nem metade da história de quem somos. Podemos ser – sobre isso, a Bíblia e o neo-Darwinismo concordam – “o pó da terra”, o resto reconfigurado de estrelas explodidas. Mas dentro de nós há o sopro de D'us. Cientistas chamam isso de “emergência”: o processo por meio do qual sistemas de complexidade auto-organizadores lançam algo novo, mais que a soma de suas partes. É onde ciência e religião, ambas, começam: quando a vida se torna consciente, depois auto-consciente, então capacitada a formular a pergunta: “Por quê?”
A discussão atual entre “religião” e “ciência” é profundamente desnecessária. Envolve uma caricatura de religião e uma paródia de ciência. Está estruturada ao redor de um conjunto de oposições absurdas, entre ciência e superstição, razão e revelação, conhecimento e pensamento desejoso, como se cientistas e religiosos fossem incapazes de perceber os limites de seus respectivos domínios. Precisamos de ambos: da ciência para nos dizer como o mundo é, e religião (e filosofia) para nos dizer como deveria ser.
No Judaísmo temos uma bênção especial – remonta há 2.000 anos – que pronunciamos ao encontrar um grande cientista. Religião não é, ou não deveria ser, oposta à ciência. Pelo contrário, é parte do presente de D'us à humanidade, visão e entendimento. Isso, para nós, é o que a Bíblia quer dizer quando afirma que o ser humano é “à imagem e semelhança” de D'us. Aquilo com que discordamos não é ciência mas ‘cienticismo’, a crença de que aquilo que podemos ver e medir é tudo que existe.
Somos objetos, vivendo em espaço físico, sujeitos às mesmas leis causais que os outros organismos biológicos. Mas somos também sujeitos, capazes de pensar, falar, auto-expressar e dotados de imaginação. Toda a vida é mortal mas somente os humanos contemplam a sua mortalidade. Todos os genes produzem outros genes, mas nem todos fazem criaturas capazes de amar, os sonetos de Shakespeare ou o Cântico dos Cânticos.
Um dos períodos mais gloriosos da história européia ocorreu quando religião, ciência e as artes se juntaram na Renascença. Seu manifesto, a Oração da Dignidade do Homem de Pico della Mirandola, foi um documento profundamente religioso. Na Itália deu surgimento a Michelangelo, Leonardo da Vinci, Raphael e Brunelleschi; na Inglaterra a Francis Bacon, Marlowe, Shakespeare e Milton. Isso foi o humanismo religioso ao máximo.
Então veio o confronto entre as autoridades religiosas e Galileu, e a síntese foi perdida. Religião e ciência começaram a seguir caminhos diferentes, em detrimento de ambas. Precisamos declarar uma trégua nesta guerra entre dois aspectos igualmente importante da condição humana.
Religião e ciência são como os dois hemisférios do cérebro, um analítico, outro integrativo, um falando prosa, outro poesia. Religião sem ciência é cega às obras do mundo. Ciência sem religião é surda à música da criação.
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