Em 1997 um grupo de cientistas emitiu uma declaração na qual, entre outras coisas, argumentavam que “as habilidades humanas parecem diferir no grau, não no tipo, daquelas encontradas entre os animais superiores. O rico repertório da humanidade, com pensamentos, sentimentos, aspirações e esperanças parece surgir dos processos eletroquímicos do cérebro, não de uma alma imaterial.”
É isso tudo que somos? Onde, nesta definição, colocaremos o Livro de Salmos, Rei Lear, os lírios de Monet ou a Biblioteca Bodleian em Oxford? Onde encontraremos os indivíduos que arriscaram a vida para salvar vidas durante o massacre em Ruanda, ou os monges budistas que enfrentaram o regime militar em Burma em nome da liberdade? Nós captamos adequadamente os parâmetros do espírito humano reduzindo-o aos “processos eletroquímicos do cérebro?” Obviamente não.
A declaração é culpada de um erro elementar de lógica, a falácia genética, a crença de que como Y “se origina de” X, Y não é mais do que X. Um carvalho nasce de uma bolota, a borboleta de uma lagarta, mas não são as mesmas coisas. A música surge de uma agitação de ondas sonoras, mas isso não transforma a música em mero barulho. Tudo que vive pode ser rastreado até os primeiros ribo-organismos. Isso não significa, porém, que todas as formas de vida sejam essencialmente a mesma.
Qualquer relato sobre a condição humana que reduza o espírito humano a um produto acidental de pressões evolutivas diz menos da metade da história de quem somos nós. Podemos ser – nisto, a Bíblia e o neo-Darwinismo concordam – “pó da terra”, os restos reconfigurados de estrelas que explodiram. Porém dentro de nós está o sopro de D’us. Os cientistas chamam isso de “emergência”: o processo no qual sistemas de complexidade auto-organizadas produzem algo novo, mais que a soma de suas partes. É quando ambas, ciência e religião, perguntam: quando a vida se tornou consciente, depois autoconsciente, depois capaz de fazer a pergunta: “Por quê?”
A discordância atual entre “religião” e “ciência” é profundamente desnecessário. Envolve uma caricatura de religião e uma paródia de ciência. Está estruturado ao redor de um conjunto de oposições absurdas, entre a ciência e a superstição, razão e revelação, conhecimento e raciocínio desejoso, como se cientistas e religiosos fossem incapazes de perceber os limites de seus respectivos domínios. Precisamos de ambos: a ciência para nos dizer como o mundo é, e religião (e filosofia) para nos dizer como deveria ser.
No Judaísmo temos uma bênção especial – que remonta há cerca de 2000 anos – que dizemos ao encontrar um grande cientista. A religião não é, ou não deveria ser, oposta à ciência. Pelo contrário, é parte do presente de percepção e entendimento dado por D’us à humanidade. Isso, para nós, é o que a Torá quer dizer ao afirmar que a pessoa humana é “à imagem e semelhança” de D’us. Nós não discordamos da ciência mas do “cientismo”, a crença de que aquilo que podemos ver e medir é tudo que existe.
Nós somos objetos, seres em espaço físico, sujeitos às mesmas leis causais que os outros organismos biológicos, Porém também somos sujeitos, capazes de pensamentos, fala, auto-expressão e imaginação. Toda vida é mortal mas somente os humanos contemplam a própria mortalidade. Todos os genes produzem outros genes, mas nem todos produzem criaturas capazes de amar, de escrever os sonetos de Shakespeare ou o Cântico dos Cânticos.
Um dos períodos mais gloriosos da história européia ocorreu quando a religião, a ciência e as artes se juntaram na Renascença. Seu manifesto, a “Oração da Dignidade do Homem”, de Pico della Mirandola, foi um documento profundamente religioso. Na Itália, fez surgir Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rafael e Brunelleschi; na Inglaterra, Francis Bacon, Marlowe, Shakespeare e Milton. Este foi o humanismo religioso elevado ao máximo.
Então veio o confronto entre as autoridades religiosas e Galileu, e a síntese foi perdida. Religião e ciência começaram a tomar caminhos diferentes, em detrimento de ambas. Precisamos declarar uma trégua nesta guerra entre dois aspectos quintessenciais da condição humana.
Religião e ciência são como os dois hemisférios do cérebro, um analítico, outro integrativo, um falando em prosa, outro em poesia. A religião sem ciência é cega às obras do mundo. A ciência sem religião é surda à música da criação.
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