Muitas vezes, quando a ciência da medicina faz uma nova descoberta, as pessoas perguntam: Rabino, o que pensa disso? Como se para dizer: olhe o que os médicos e cientistas podem fazer, como isso afeta nossas crenças religiosas. Bem, cada descoberta e avanço fortalece a fé, porque isso mostra definitivamente que há um Projetista. Ele é infinitamente maior do que podemos imaginar.

Nós não criamos a eletricidade, a energia nuclear, as células-tronco nem sequer o computador, nós meramente descobrimos aquilo que o programador (D’us) colocou no programa e após milhares de anos encontramos uma maneira de usá-lo. O que D’us deseja que pensemos com cada descoberta é como nós, como seres humanos, lidamos com isso segundo a vontade de D’us e a ética.

Então a cada prática ou descoberta enfrentamos questões éticas se os procedimentos estão de acordo com os pricípios e leis da Torá.

Introdução

“Existem dois tipos de leis: aquelas que geram a vida e as que são geradas pela vida. As leis de autoria humana são geradas pela vida. São adequadas conforme as necessidades dos seres humanos e seus hábitos. Por esse motivo, variam de acordo com a época e país. A Torá de D’us são as leis Divinas que geram a vida, é a Torá da verdade. Por isto, são iguais em todos os tempos e locais. A Torá é eterna” (Hayom Yom, 22 de Shevat).

De tempos em tempos surgem novas descobertas científicas e tecnológicas que causam um grande impacto na sociedade de uma forma geral. Muitas dessas, principalmente as ligadas ao campo da medicina e genética, geram grandes debates entre aqueles que se acham responsáveis por ditar as leis da ética e moral.

No entanto, a mente do homem é limitada, e as ideias são contraditórias. Nossos Sábios afirmam no Talmud: “Da mesma forma que as faces dos seres humanos não são iguais umas às outras, também seus conceitos são diferentes.” Dessa forma, ninguém pode afirmar que é o dono da verdade.

Diferente porém é a opinião da Torá e dos Sábios talmúdicos, que são a expressão do pensamento Divino. As leis éticas e morais da Torá, a exemplo de todas as mitsvot, foram entregues por D’s a Moshê no Sinai, e repassadas a todas as gerações por intermédio de nossos Sábios, como consta no início da Ética dos Pais. D’us é o engenheiro do Universo. Ele criou o mundo e continuamente o mantém existindo. Portanto, somente Ele sabe exatamente o que é o correto, e como devemos agir para que a vida possa existir de forma harmoniosa e justa. Essas regras Ele colocou em nossa sagrada Torá.

Como a Torá é eterna e igual para todas as épocas e lugares, nela estão contidas todas as regras que regem o uso de qualquer novidade que surge durante o tempo. Dessa forma, toda e qualquer invenção ou descoberta tem sua fonte na Torá, como é descrito nos livros dos Sábios de todas as gerações, inclusive os contemporâneos. Nesses livros, são demonstradas de forma clara as fontes na Torá e no Talmud, para cada novidade.

Ultimamente, tem-se ouvido muito falar de pesquisas sobre células-tronco e suas implicações ético-morais, e a opinião de várias autoridades civis e religiosas sobre o assunto. Como todo tema polêmico, este também tem as diretrizes claras e concretas de nossa sagrada Torá, como veremos adiante.

Células-tronco

As células-tronco são células primárias que retêm a habilidade de se renovar por meio de divisão celular mitótica, e podem se diferenciar em vários tipos de células especificas. Essas células se encontram em três diferentes categorias a seguir:

a. Células-tronco embrionárias, encontradas em embriões no estágio inicial, ou seja no período de poucas semanas após a fecundação;
b. Células-tronco adultas, encontradas em tecido adulto, como por exemplo, no cordão umbilical;
c. Células-tronco da medula óssea.

Já que as células tronco embrionárias têm o poder de se diferenciar em vários tipos de tecidos específicos, acredita-se que sejam uma grande fonte de geração de novos tecidos para repor os danificados no corpo humano, tendo um enorme potencial reparatório. Além disto, pesquisas científicas realizadas em embriões evitariam o transtorno e o perigo dos testes feitos em seres humanos.

Em seres adultos, as células-tronco funcionam como um sistema de reparo para o corpo, substituindo células danificadas por novas células especializadas. Como estas podem crescer rapidamente e transformar-se em células específicas de vários tecidos, tem sido proposto seu uso em terapias médicas.

Especificamente, tem sido considerado muito promissor o uso das células-tronco que podem ser geradas por meio de clonagem terapêutica, ou seja, utilizando um óvulo com o núcleo retirado, e introduzindo neste o núcleo de uma célula diferenciada.

A polêmica

Existem muitas discussões sobre o uso dos vários tipos de células-tronco na área ética da medicina, e principalmente na área religiosa.

Muitos consideram o uso de células-tronco de forma geral com o intuito de procriá-las, uma invasão na obra Divina da Criação, como se estivéssemos ‘brincando de ser D’us’.

Outros veem o uso da clonagem terapeuta como um perigo para o futuro, sendo que se o ser humano usar essa tecnologia no presente, futuramente poderá ser empregada de forma errônea, como por exemplo, na produção de seres humanos em série com intenções totalmente negativas.

Porém, a maior polêmica surge ao redor do uso de células embrionárias, que têm um potencial de gerar um ser humano, podendo ser considerado seu uso como um homicídio. Isto é gerado na dúvida de quando se dá o início da vida de um ser humano. Como dissemos anteriormente, a mente humana é limitada e contraditória. Por este motivo existem ideias e considerações extremamente opostas sobre o acima descrito, que em muito dificultam as pesquisas e progressos neste sentido.

A visão da Torá

Conforme a visão judaica, não existe nenhuma proibição de o ser humano interferir na obra Divina da natureza, usando da tecnologia para curar o ser humano, ou para garantir a ele uma vida mais digna e longeva. Muito pelo contrário. Baseado no versículo (Shemot 21:19): “...e deverá curá-lo”, nossos Sábios ensinaram no Talmud que D’us deu ao médico a licença, e consequentemente o poder de curar o paciente.

Desta forma, a medicina deve usar todo seu poder de pesquisa tecnológica para chegar a soluções para as várias enfermidades e fraquezas do ser humano. Caso isto não seja feito, transgride-se a proibição de “...não fique inerte ao ver o sangue de seu amigo...” (Vayicrá 19:16), explicado por nossos Sábios no Talmud (San’hedrin 73a): ‘Não fique parado vendo o próximo morrer, sabendo que você pode salvá-lo’.

Além do mais, quando se trata de um caso de perigo de vida, a Torá abre mão do cumprimento de quase todas as mitsvot para salvaguardar uma vida judaica, com exceção de três: idolatria, homicídio e relações incestuosas. Como também, conforme a visão de nossos Sábios, o avanço das pesquisas tecnológicas no campo da procriação e engenharia genética por exemplo, não consiste em nenhuma contradição com a fé da Criação Divina, ou com qualquer fundamento do Judaísmo.

Todas essas técnicas produzem algo de alguma matéria-prima existente. Isto é denominado pelos Sábios “yesh miyesh” (algo de algo). Diferente porém da obra Divina (sem querer comparar), que foi feita “yesh meayin” (algo do nada absoluto). Além disso, nenhuma destas técnicas científicas interpreta o início da vida e o objetivo da mesma. São apenas ferramentas para usar as forças da natureza ativadas pelo Criador.

De acordo com a visão judaica, não é aceita a ideia de que o homem deve evitar ao máximo interferir na natureza. Pelo contrário, o homem é sócio de D’us no melhoramento e progresso do mundo em todos os aspectos.

Células-tronco adultas

Baseado no ensaio acima, segundo a lei judaica, a princípio não existe nenhuma proibição no uso de células-tronco adultas, tanto para uso medicinal como para pesquisas, sendo estas retiradas do cordão umbilical, da medula óssea ou de qualquer outro tecido.

No caso de clonagem terapêutica, não existe nenhuma proibição clara da Torá, já que a retirada de um óvulo feminino, diferentemente do esperma, não transgride nenhuma lei da Torá.

Como também, atualmente não temos o direito de decretar qualquer proibição com receio de problemas futuros, salvo às proibições que constam claramente na Torá, e que foram decretadas pelos Sábios na época do San’hedrin, ou ainda aquelas que têm o consenso geral dos Sábios. Logicamente, não se deve fazer qualquer tentativa de inserir uma célula clonada no útero de uma mulher para procriar, pois isto envolve várias proibições conforme a Halachá (Lei judaica).

Células-tronco embrionárias

A maior polêmica surge no uso de embriões para pesquisas ou terapias, já que desta forma estaremos ‘matando’ este embrião ao tirar dele a possibilidade de se desenvolver em um feto.

Essa técnica desperta várias dúvidas que devem ser minuciosamente analisadas conforme a Halachá a seguir: É permitido a fecundação de um óvulo in-vitro? Sob que condições? Em que etapa embrionária se dá o início da vida? Será que destruir um embrião é considerado um homicídio? Será permitido “fabricar” um embrião para ser usado em pesquisa de células-tronco?

Fecundação in-vitro

Existe uma controvérsia entre os rabinos sobre se esta prática é permitida e sob que condições, já que envolve alguns aspectos da Halachá que podem ser problemáticos, como a proibição de retirar o sêmen do homem, e o status do feto gerado, se este é ou não considerado filho de um casal. Por outro lado, existe um fator positivo desta prática, que conforme várias ideias, um homem pode cumprir desta forma a primeira mitsvá da Torá, a de proliferar, se não o consegue de forma natural.

De uma forma geral, existe um consenso das autoridades rabínicas atuais, que permitem esta prática sob certas condições a seguir:

a. Somente pode ser feito por um casal cuja cerimônia religiosa foi realizada conforme as leis judaicas, que não tem filhos, e que já tentaram todas as outras opções para engravidar e não obtiveram sucesso.

b. Só é permitido se o sêmen usado pertencer ao marido e o óvulo à esposa, sendo proibida a doação de outros. Como também, só é permitido se o embrião for inserido no útero da esposa, sendo proibida a prática de barriga de aluguel.

c. Há necessidade de supervisão rabínica em todo o processo, sendo que todo o material deve ser selado por um supervisor competente.

d. O sêmen deve ser coletado após uma relação sexual normal entre marido e mulher, sendo que em certos casos, há a possibilidade de usar um preservativo especial para isto.

Tudo isto, porém, deve ser realizado apenas após consultar um rabino especializado no assunto, sendo que não deve ser usada esta matéria como orientação prática neste sentido. Os gametas gerados por esta fecundação só podem ser usados por este mesmo casal, sendo proibido sua implantação no útero de outra mulher.

O que fazer com os gametas remanescentes que não foram e não serão implantados? Será permitido descartá-los, ou devem ser mantidos congelados eternamente?

Isto depende da definição do início da vida conforme a lei judaica explicada a seguir.

O início da vida

Conforme a lei judaica, um feto já é considerado um ser vivo, com corpo e alma, porém não tem as condições totais de um ser humano após o nascimento. De fato, a Torá nos diz que alguém que comete um homicídio estará suscetível à pena de morte. Ao causar um aborto voluntário, esta pena rigorosa não existe. Contudo, conforme a maioria das ideias rabínicas, foi cometido um homicídio, salvo se a gravidez constituir um perigo de vida para a mãe.

No entanto, para efeito de certas leis, durante os primeiros quarenta dias de gestação o feto é considerado inexistente. Isto porém não tem nenhum efeito com relação ao aborto voluntário, sendo este considerado totalmente proibido neste período, e, conforme várias ideias, mesmo então é considerado homicídio.

Não obstante, várias autoridades rabínicas consideram o embrião um ser vivo somente após ser implantado no útero da mulher, sendo permitido descartar os gametas remanescentes de uma fecundação in-vitro, que não serão usados pelo casal, já que é proibido doá-los a outro casal, conforme acima citado. Apesar de haver ideias contrárias, que proíbem qualquer destruição direta destes embriões por serem já considerados seres vivos, o consenso da maioria dos rabinos atuais aceita a primeira opinião. No entanto, todos concordam que descartar um embrião só é permitido caso se tenha absoluta certeza de que este não será mais usado na procriação desse casal.

Conclusão

À luz dessas ideias, o uso de células-tronco de embriões para pesquisas ou uso medicinal só seria liberado pela Halachá, caso sejam usados embriões que não foram ainda e não serão implantados no ventre. Ou seja, embriões que foram frutos de uma fertilização in-vitro, que por qualquer motivo não podem ou não serão mais usados na procriação, já que pelo consenso da lei judaica poderiam ser descartados, não haveria motivo para proibir seu uso para pesquisas ou terapias.

Porém, fabricar embriões especialmente para usar suas células-tronco é totalmente proibido conforme as leis judaicas, já que a fecundação in-vitro só é permitida quando o intuito é cumprir a mitsvá de procriar, e segundo algumas ideias rabínicas, um embrião já é considerado um ser vivo, sendo que isso deve ser levado em conta a princípio. No entanto, estas proibições não são tão graves a ponto de impedir o resguardo de uma vida. Citamos acima, que quando se trata de um caso de perigo de vida, a Torá abre mão do cumprimento de quase todas as mitsvot com exceção de idolatria, homicídio e relações incestuosas. Sendo assim por que proibir a fecundação in-vitro para promover pesquisas que podem salvar vidas?

Todavia, quando afirmamos que a Torá libera certas proibições para salvar vidas, trata-se de uma cura imediata, não apenas uma especulação de uma cura futura. A Torá é chamada por nossos Sábios de “Torat Chayim” (a Torá da vida), pois tem o dom de transmitir saúde e longevidade àqueles que a cumprem. Com certeza, seguir seus mandamentos é o melhor remédio para uma vida saudável e abençoada.