É fácil pensar que o Estado Islâmico é alguma espécie de mal, de câncer medieval que de alguma forma ressurgiu no mundo moderno. O restante de nós está buscando felicidade, e aqui vem este anacronismo fundamentalista, espalhando a morte.
Em seu livro “Não em Nome de D'us - Enfrentando a Violência Religiosa,” o Rabino Jonathan Sacks argumenta que o Estado Islâmico é na verdade típico daquilo que veremos nas décadas à nossa frente. O século 21 não será um século de secularismo, escreve ele. Será uma era de dessecularização e conflitos religiosos.
Parte disso é simplesmente demográfica. As comunidades religiosas produzem muitos bebês e enchem suas fileiras, enquanto as comunidades seculares não fazem isso. O pesquisador Michael Blume consultou dados da antiga Índia e Grécia e concluiu que toda população não religiosa na história passou por um declínio demográfico.
Os seres humanos também são ‘animais’ em busca de significado. Vivemos, como escreve Sacks, num século que “nos deixou um máximo de opções e um mínimo de significado.” Os substitutos seculares para a religião – nacionalismo, racismo e ideologia política – todos levaram ao desastre. Então muitos se voltam para a religião, às vezes – especialmente dentro do Islã – com formas extremistas.
Isso já está levando a violência religiosa. Sacks enfatiza que não é a religião em si que causa violência. Em seu livro Enciclopédia das Guerras, Charles Phillips e Alan Axelrod pesquisaram 1.800 conflitos e descobriram que menos de 10 por cento tinham qualquer componente religioso. Em vez disso, a religião promove agrupamento, e o lado errado do agrupamento é conflito com pessoas fora do grupo. A religião pode levar e comunidades de moral consistente, mas em formas extremas pode também levar àquilo que Sacks chama de dualismo patológico, uma mentalidade que divide o mundo entre aqueles que são impecavelmente bons e aqueles que são irremediavelmente maus.
O dualista patológico não pode reconciliar seu lugar humilhado no mundo com sua própria superioridade moral. Ele adota uma religião politizada – restaurando o califado – e busca destruir aqueles fora do seu grupo por força apocalíptica. Isso leva a atos que Sacks chama de mal altruísta, ou atos de terror nos quais o auto-sacrifício envolvido de alguma forma é considerado como conferindo o direito de ser impiedoso e agir com crueldade inimaginável.
Foi é isso que assistimos em Paris e em outras ações em dezenas de nações.
Sacks argumenta corretamente que precisamos de armas militares para vencer a guerra contra fanáticos como o Estado Islâmico, mas precisamos de ideias para estabelecer uma paz duradoura.
O pensamento secular ou o relativismo moral não podem oferecer qualquer reação eficaz. Entre pessoas religiosas, mudanças mentais serão encontradas ao reinterpretar os textos sagrados por elas mesmas. Precisa haver uma Teologia do Outro, um complexo entendimento bíblico sobre como ver a face de D'us nos estranhos. É isso que Sacks começa a fazer.
As grandes religiões são baseadas no amor, e satisfazem a necessidade humana pela comunidade. Mas o amor é problemático. Amor é preferencial e particular. O amor exclui e pode criar rivalidades. O amor por uma escritura pode tornar difícil de entrar com simpatia nas mentes daqueles que adotam outra.
A Bíblia está repleta de rivalidades entre irmãos. Ishmael e Isaac, Esaú e Jacob, Joseph e seus irmãos. A Bíblia cristaliza a verdade de que as pessoas às vezes se vêem competindo pelo amor dos pais e até pelo amor de D'us.
Lida de modo simplista, as rivalidades entre irmãos na Bíblia parecem meramente histórias de vitória e derrota – Isaac sobre Ishmael. Mas todas as três religiões abraâmicas têm tradições sofisticadas, multifacetadas e interpretativas que minam as leituras fundamentalistas.
Junto com a ética do amor há uma ordem para abraçar uma ética de justiça. Amor é particular, mas justiça é universal. O Amor é apaixonado, mas a justiça é desapaixonada.
A justiça exige respeito pelo outro. Está na memória coletiva de pessoas que estão em comunidades pactuais: teu povo, também, já foi formado por estranhos vulneráveis numa terra estranha.
A ordem é não ser apenas empático com os estranhos, o que é frágil. A ordem é buscar a santificação, o que envolve conflito e às vezes dominar seus instintos egoístas. Além disso, D'us aparece frequentemente onde é menos esperado – na voz do estrangeiro – lembrando-nos que D'us transcende as particularidades de nossos apegos.
A reconciliação entre amor e justiça não é simples, mas para os crentes os textos, lidos corretamente, mostram o caminho. A grande contribuição de Sacks é mostrar que a resposta para a violência religiosa provavelmente vai ser encontrada dentro da própria religião, entre aqueles que entendem que a religião ganha influência quando renuncia ao poder.
Pode parecer estranho que neste século de tecnologia, a paz seja encontrada nesses textos antigos. Mas como diz Sacks, Abraham não tinha império, nem milagres nem exército – apenas um exemplo diferente de como acreditar, pensar e viver.
*Uma versão desse artigo apareceu em 17 de novembro na página A23 da edição do New York Times com a manchete: Peace Within the Texts.
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