por Edwin Black

Um tecelão judeu em Ramadi, no Iraque, em 1918

“Despossessão violenta”. Num dialeto árabe, a palavra é Farhud. Durante décadas depois do acontecimento, muitos pensavam que o pesadelo fora uma convulsão súbita e inesperada que afligira a comunidade judaica iraquiana, que habitava aquele país há 2.600 anos. Mas na verdade, o selvagem ataque e a matança ocorrida em 1-2 de junho de 1941 não foi inesperada. Durante anos, o ódio aos judeus, o ódio anti-britânico e a agitação nazista fervilhavam por baixo da superfície, como um vulcão fumacento esperando para entrar em erupção.

Pouco depois de Hitler assumir o poder em 1933, o encarregado de assuntos da Alemanha em Bagdá, Fritz Grobba, adquiriu o jornal cristão iraquinano AL-Alem AL Arabi, convertendo-o num órgão nazista que publicou uma tradução de Neub Kamof de Hitler em suas instalações. Então, a Rádio Berlim começou a apresentar programas árabes em todo o Oriente Médio. A ideologia nazista de conspiração judaica e manipulação internacional foi largamente adotada na sociedade iraquiana, especialmente dentro da estrutura do problema palestino que dominava as políticas iraquianas.

À medida que o nacionalismo árabe e o hitlerismo se fundiam, numerosos clubes jovens de estilo nazista começaram a se espalhar pelo Iraque. Um grupo mais forte conhecido como Futuwwa era nada menos que um clone da Juventude Hitlerista. Em 1938, membros do Futuwwa foram chamados para ir a um rali de acendimento de velas do Partido Nazista em Nuremberg. Quando a delegação voltou da Alemanha, um refrão comum em árabe era: “Vida longa a Hitler, o matador de insetos e judeus.”

Com o irromper da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939, o Grande Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, e um bando de agitadores palestinos transnacionais, tinham permeado os círculos governamentais em Bagdá. Por exemplo, Taha al-Hashimi, Chefe da Comitiva Iraquiana, foi nomeado também chefe do Comitê para a Defesa da Palestina.

Para atrair mais árabes à causa nazista, Grobba empregou táticas como dispensar muito dinheiro para políticos e distribuir alemãs sedutoras entre os membros mais altos do exército. A rádio alemã em Bagdá com frequência fazia relatos mentirosos sobre falsas rebeliões dos judeus na Palestina. Grobba, em conluio com o Mufti, incentivava muitos iraquianos a agirem como nazistas.

Em 1 de abril de 1941, com a Segunda Guerra a pleno vapor, um grupo de militares iraquinos pró-Nazismo conhecido como Praça Dourada forjou um golpe, expulsando o governo dominado pelos britânicos. Rapidamente, a Praça Dourada consolidou ações iraquinas à vontade férrea de Berlim.

Por que eles se tornaram parceiros?
A Praça Dourada queria que a Alemanha destruísse a presença britânica e judaica em seu país. O Terceiro Reich agarrou aquilo que estava abaixo do solo - petróleo. Sem aquele petróleo, ainda controlado por uma empresa britânica, a Alemanha não poderia invadir a Rússia.

Um esforço baldado para confiscar o petróleo britânico e as instalações militares no Iraque ocorreu durante maio de 1941. Mas em 28 de maio, 1941, uma coluna militar britânica determinada a proteger as instalações do petróleo finalmente atacou os arredores de Bagdá para derrotar a insurgência.A Praça Dourada, aliada dos nazistas, e Grobba, que manobrava atrás dos bastidores do Reich, fugiram da capital. Em 31 de maio, às 4 da madrugada, ainda no escuro, o prefeito em exercício surgiu com uma bandeira branca em prol do resíduo de autoridade oficial no Iraque.

No dia seguinte, 1 de junho, com a autoridade britânica nominalmente restaurada mas ainda oculta além das cercanias de Bagdá e os golpistas da Praça Vermelha fora do país, o regente britânico, Princípe Abd al-Ilah, retornou ao Iraque. Durante as poucas horas para o retorno do regente, um grande vácuo existia no país. Isso resultou no banho de sangue de 1-2 de junho, que ficou conhecido como o Farhud.

Os planos originais para uma ação de varredura anti-judaica em 1 de junho, organizada antes do pseudo-sucesso dos britânicos, tinham a intenção de imitar as campanhas nazistas de assassinatos em massa na Europa. Listas de judeus já tinham sido compiladas. Residências judaicas tinham sido marcadas antes com um hamsa vermelho-sangue, ou palmas da mão, para orientar as matanças. O texto anunciando o assassinato em massa e a expulsão já tinham sido preparados e programados para divulgação na rádio.

Porém líderes judaicos que sabiam do desastre iminente imploraram misericórdia às autoridades municipais temporárias do local, o que conseguiu engendrar a expulsão de Bagdá dos planejadores do massacre. A rádio em 31 de maio simplesmente anunciou que o regente britânico nomeado voltaria ao seu palácio de seu refúgio temporário na Transjordânia.

Os judeus de Bagdá tinham todos os motivos para celebrar. 1 de junho era o alegre dia sagrado de Shavuot, comemorando quando a Lei da Torá foi dada aos judeus no Monte Sinai. Os judeus de Bagdá pensaram que a estabilidade tinha retornado aos seus 2.600 anos de existência no Iraque. Estavam errados.

Às cerca de 3 da tarde daquele dia 1 de junho, o Regente Abd al-Ilah tinha pousado no aeroporto perto de Bagdá. Ele estava passando pela Ponte al-Khurr para retornar ao palácio quando um contingente de judeus de Bagdá apareceu para saudá-lo. Assim que o grupo chegou à ponte, encontrou um contingente de soldados dispensados acabando de voltar de sua dispensa das forças britânicas. A mera visão desses judeus, vestidos com roupas festivas, foi o suficiente para enraivecer os soldados.

Subitamente, os judeus foram atacados com facas e machados. Vários morreram na hora ali sobre a ponte. O planejado extermínio sistemático, agora dobrado, irrompeu num assassinato espontâneo em toda a cidade.

Bagdá tornou-se um inferno. Multidões frenéticas irromperam por toda a cidade e assassinaram judeus abertamente nas ruas. Mulheres eram violentadas enquanto suas famílias horrorizadas assistiam. Crianças eram mortas na frente dos pais. Casas e lojas foram saqueadas e queimadas. Tiros e gritos eletrificaram a cidade durante horas e horas. Decapitações, corpos rasgados, bebês desmembrados, torturas horríveis e mutilações ocorriam em toda parte. Membros retirados eram sacudidos aqui e ali como horríveis troféus.

À medida que Bagdá ardia, a existência judaica se esvaía em fumaça subindo aos céus. Lojas e casas eram saqueadas e então incendiadas. Uma sinagoga foi invadida e suas Torot queimadas no clássico estilo nazista. Porém as tropas britânicas ficaram a minutos de distância, sob as ordens de Londres para não se moverem para não despertar o sentimento árabe contra a infraestrutura do petróleo.

As ruas não eram seguras para os judeus. Suas casas, já demarcadas como residências judaicas, eram ainda menos seguras. Gangues formadas por soldados, polícia e civis invadiam bairros judaicos com impunidade.

Casa após casa, os móveis eram colocados contra a porta para formar uma barricada. Quando os invasores empurravam as portas, mais e mais móveis pesados eram colocados no lugar. O ataque incessante e os chutes por fim conseguiam sucesso, e inevitavelmente, uma casa depois da outra, os assassinos conseguiam arrombar. Quando os árabes entravam, muitas famílias fugiam para o telhado.

Os judeus fugitivos pulavam de um telhado para outro. Em alguns casos, pais e irmãos atiravam crianças dos telhados para baixo, para os cobertores que esperavam ali. Quando não havia lugar no telhado, alguns judeus resistiam aos atacantes com óleo fervente, pedras, e qualquer outro meio de defesa que conseguissem ter.

As mulheres eram profanadas em toda parte. Os árabes irrompiam na escola e as alunas eram violentadas - interminavelmente. Seis meninas judias foram levadas para uma aldeia quinze quilômetros ao norte e localizadas somente mais tarde. Jovens ou não, as mulheres judias eram atacadas e impiedosamente violentadas e com frequência mutiladas.

Finalmente, o prefeito telefonou ao regente, então a suprema autoridade no país, e implorou a ele que desse ordens às tropas leais. À medida que a ordem circulava, as unidades leais começaram a abrir fogo contra os rebeldes, especialmente quando eles voltavam aos bairros muçulmanos para continuar sua pilhagem. Depois que o tiroteio começou, os rebeldes fugiram

Dias depois, quando o Regente conseguiu restaurar a ordem, os britânicos entraram nos limites da cidade. O petróleo estava seguro. Os judeus de Bagdá não estavam.

Na verdade, ninguém jamais saberá quantos foram assassinados ou feridos durante aqueles dois dias sombrios. Estatísticas oficiais, baseadas em testemunhas temerosas e relutantes, listaram cerca de 110 judeus mortos. Centenas foram listados como feridos. Porém os líderes judaicos disseram que os verdadeiros números foram muito maiores.

Um historiador iraquiano sugeriu que 600 foram assassinados durante o ataque no decorrer da noite. A Sociedade Funerária Judaica tinha medo de enterrar os corpos. Os cadáveres eram coletados sem respeito e colocados num túmulo em massa enorme, que parecia um pão gigante.

Farhud - em árabe, a palavra significa dispossessão violenta. Era uma palavra que os judeus da Europa em tempos de guerra jamais conheceram. Holocausto - foi uma palavra que os judeus do Iraque durante a guerra jamais conheceram. Mas logo eles todos saberiam seu significado independentemente do idioma que falavam. Após os eventos de 1-2 de junho de 1941, ambas as palavras se juntaram.


Edwin Black é o autor de IBM e o Holocausto, e O Farhud - Raízes da Aliança Árabe-Nazista no Holocausto. Em 1 de junho de 2015, ele proclamou o Dia Internacional Farhud num evento global nas Nações Unidas.