Setenta anos após a libertação de Auschwitz, violência e ódio contra os judeus está aumentando, especialmente no Oriente Médio e entre os muçulmanos na Europa

Um grupo de sobreviventes do Holocausto, agora idosos e frágeis, voltaram a Auschwitz, o símbolo ocidental do mal - de volta ao lado do trabalho escravo do vasto complexo, com sua inscrição zombadora Arbeit Macht Frei (“O trabalho liberta”), e de volta ao campo de extermínio, onde um milhão e duzentos e cinquenta mil seres humanos, a maioria judeus, foram gaseificados, queimados e transformados em cinza. Eles foram lá para comemorar o dia, 70 anos atrás, em que os soviéticos libertaram Auschwitz e viram, pela primeira vez, as verdadeiras dimensões do maior crime desde que os seres humanos colocaram o pé na terra.

O momento teria sido emotivo na melhor das hipóteses, mas este ano trouxe um fato especialmente perturbador. O Livro Bereshit diz que, quando D'us disse a Avraham o que aconteceria com seus descendentes, um “temor da grande escuridão” desceu sobre ele. Parte daquele medo assombrou os sobreviventes esta semana, que testemunharam o retorno do antissemitismo na Europa após 70 anos das promessas constantes de líderes políticos de que “Nunca mais.” Quando terminaram de recitar o Cadish, a prece dos enlutados, um homem gritou: “Não quero voltar aqui outra vez.” Todos sabiam o que ele queria dizer. O medo não era apenas sobre o passado, mas também sobre o futuro.

O assassinato de clientes judeus num supermercado em Paris, após a matança de 12 pessoas nos escritórios da revista satítica Charlie Hebdo, causou arrepios nas espinhas de muitos judeus, não porque fosse o primeiro desses eventos, mas porque se tornou parte de um padrão que já se repete. Em 2014, quatro foram assassinados no Museu Judaico em Bruxelas. Em 2012, um rabino e três crianças pequenas foram assassinados numa escola judaica em Toulouse. Em 2008 em Mumbai, quatro terroristas se separaram de um grande grupo matando pessoas nos cafés e hotéis da cidade e foram até um pequeno centro judaico ortodoxo, onde assassianram um jovem rabino e sua esposa grávida, após torturá-los e mutilá-los.

Um antigo ódio renasceu.

Alguns políticos ao redor do mundo negam que aquilo que está acontecendo na Europa seja antissemitismo. Segundo eles, é meramente uma reação às ações do Estado de Israel, ao contínuo conflito com os palestinos. Mas as políticas do Estado de Israel não são feitas em supermercados casher , nem em sinagogas, nem em instituições culturais judaicas em Bruxelas, Copenhagen e Mumbai. Os alvos nessas cidades não eram israelenses. Eram judeus.

Segundo o Instituto de Pesquisa da Mídia no Oriente Médio, um clérigo egípcio, Muhammad Hussein Yaqub, falando em janeiro de 2009 na Al Rahma, uma popular estação religiosa de TV no Egito, deixou claros os contornos do novo ódio: “Se os judeus deixarem a Palestina para nós, começaríamos a amá-los? Claro que não. Jamais os amaremos… São inimigos não porque ocuparam a Palestina. Teriam sido inimigos mesmo se não ocupassem nada… Você precisa acreditar que iremos lutar, derrotar e aniquilá-los até que não reste um único judeu na face da terra… Você não vai sobreviver enquanto um único de nós permanecer.”

Nem todos falaram com tanta força, mas este é o ódio que o Oriente Médio e os muçulmanos têm sentido durante décadas, e agora está surgindo na Europa. Para os judeus, “nunca mais” está se tornando “sempre”.

O objetivo do problema é, obviamente, difícil de entender exatamente. Mas pesquisa recente é sugestiva - e alarmante. Um estudo da Liga Anti-Difamação publicado encontrou atitudes anti-judaicas “persistentes e invasivas” após pesquisar 53.100 adultos em 102 países e territórios no mundo todo. A liga descobriu que 74% daqueles pesquisados no Oriente Médio e no Norte da África tinham atitudes antissemitas; o número foi 24% na Europa Ocidental, 34% na Europa Oriental e 19% nas Américas.

Ou considere um estudo do Pew Research Center feito em 2011, que descobriu que opiniões favoráveis sobre judeus eram “uniformemente baixas” na maioria das regiões muçulmanas pesquisadas: 4% na Turquia e nos territórios palestinos, 3% no Líbano e 2% no Egito, Jordânia e Paquistão.

Com essa conjuntura na história do ódio, devemos lembrar o que é o antissemitismo. Não é contingente, mesmo acidental, somente sobre os judeus. Os judeus morrem por causa dele, mas não são as únicas vítimas. Atualmente comunidades cristãs estão sendo atacadas, aterrorizadas e dizimadas em todo o Oriente Médio, na África sub-saariana e em partes da Ásia, e dezenas de muçulmanos são mortos todos os dias pelos seus irmãos, com sunitas contra xiitas, radicais contra moderados, religiosos contra os seculares. O ódio que começou com os judeus jamais acaba com os judeus.

O antissemitismo tem existido há muito tempo. Um momento crítico ocorreu no final do Século I da EC, quando o Evangelho de João atribuiu a Jesus essas palavras sobre os judeus: “Vocês pertencem ao seu pai, o Demônio.” Mas foi preciso um milênio para esse texto espalhar violência contra os judeus. Isso veio em 1095, quando o Papa Urbano II fez seu chamado para a primeira Cruzada. Um ano depois, alguns cruzadistas, a caminho de “liberar” a cidade sagrada de Jerusalém, pausaram para massacrar comunidades judaicas no norte da Europa, em Colônia, Worms e Mainz. Milhares morreram. Muitos judeus cometeram suicídio para não se submeter à multidão e à conversão forçada ao Cristianismo. Foi um momento traumatizante para o Judaísmo europeu - e o pior estava por vir.

A partir da época das Cruzadas, os judeus na Europa cristã começaram a ser vistos não como seres humanos, mas como uma força malévola, um poder demoníaco e destrutivo que em mistério mas ativamente buscava o prejuízo de outros. Os judeus foram acusados de profanar o pão sacramental usado na comunhão, de envenenar poços e espalhar a peste. Foram considerados responsáveis pela Peste Negra, a epidemia que no Século 14 custou milhões de vidas. Eles viviam com medo.

Esse período acrescentou ao vocabulário repressor do Ocidente Medieval termos como queima de livros, conversão forçada, Inquisição, auto da fé, expulsão, gueto e pogrom. Em duração e intensidade, está entre as crônicas mais duradouras na história. O que aconteceu para ativar um ódio que tinha estado incubado durante 10 séculos, desde que o Cristianismo emergiu do Judaísmo?

A mesma pergunta poderia ser feita sobre o nazismo alemão. Se alguém fosse indagado nos anos de 1890 para identificar os epicentros do antissemitismo na Europa, as respostas provavelmente seriam Paris (onde Alfred Dreyfus, um militar francês de ascendência judaica, foi acusado de espião e preso injustamente) e Viena (cujo prefeito preconceituoso, Karl Lueger, tornou-se inspiração e modelo para Hitler). Por que foi a Alemanha que concebeu e executou a Solução Final, um programa elaborado com o único objetivo de exterminar os judeus da Europa?

A resposta é a mesma nos dois casos: o antissemitismo torna-se mortal somente quando uma cultura, nação ou fé sofre de uma dissonância cognitiva tão profunda que se torna insuportável. Acontece quando a maneira pela qual um grupo vê a si mesmo é contrariada pela maneira que é visto pelo mundo. É o sintoma de um durável senso de humilhação.

A cristandade, que tinha sido transformada pela conversão do imperador romano Constantino no Século Quatro, viu-se dominada pelo Islã por volta do Século Onze. A Alemanha, que se via como a suprema nação da Europa, foi derrotada na Primeira Guerra Mundial e então punida sob o Tratado de Versalhes.

Essas humilhações resultaram não na introspecção, mas numa busca por culpados estrangeiros - inimigos externos que podiam ser culpados e destruídos. O paralelo no Islã no século passado foi a derrota e dissolução de seu único bastião restante de poder, o Império Otomano, em 1922. Seis anos depois, nasceu o Islã político radical no Egito, na forma da Irmandade Muçulmana.

O ódio cultivado para tais fins culturais e políticos resolve a dissonância entre a glória passada e a atual ignomínia. Ao transformar a pergunta “O que fizemos de errado?” em “Quem fez isso conosco?” isso restaura parte do auto-respeito e proporciona um rumo de ação. Na psiquiatria, os termos clínicos para este processo são divisão e projeção: permite às pessoas se definirem como vítimas.

A pergunta então se torna: vítimas de quem? Houve muitas possibilidades. Entre os séculos 15 e 18, a Europa culpava bruxas e matou 40.000 delas, segundo o historiador britânico Ronald Hutton. Mas os problemas da Europa continuaram. Durante dois milênios outro candidato também tem estado disponível: os judeus.

Apesar de algumas vozes dissonantes alegarem, o antissemitismo não tem proveniência genuína dentro do Islã. O historiador Bernard Lewis faz uma clara distinção: O Islã tradicionalmente tem inimizade pelos judeus, disse ele, não ódio - acrescentando: “Por inimizade você não morre. Pelo ódio você morre.” O antissemitismo entrou no Islã vindo de fora, na forma de dois mitos clássicos importados da Europa.

O primeiro foi o libelo de sangue, a ideia louca de que os judeus matavam crianças cristãs para usar seu sangue para fazer matsot, o pão ázimo comido durante Pêssach. A ideia é absurda, não apenas porque a menor gota de sangue na comida a torna proibida segundo a lei judaica. O libelo foi uma invenção inglesa, nascida na Noruega, e foi condenada sem sucesso por vários papas. Foi introduzido no Oriente Médio por cristãos no Século 19, levando a julgamentos de judeus inocentes no Líbano e Egito e, o mais famoso, em Damasco no ano de 1840.

O libelo de sangue ainda está em circulação. Em 1983, o Ministro da Defesa da Síria, Mustafa Tlass, adotou-o em seu livro, “As Matsot de Zion”, segundo os eruditos como Stephen Eric Bonner e Anthony Julius. Em 1991, segundo a Agência Telegráfica Judaica, o delegado sírio da Comissão dos Direitos Humanos da ONU elogiou este “valioso livro”, dizendo que “desmascarava o caráter racista do Sionismo”.