A Metáfora de Manter uma Bola no Ar
Acreditar na criação ex-nihil – algo a partir do nada – tem sido uma pedra fundamental da crença judaica no decorrer dos tempos. Na verdade, muitos comentaristas judeus explicam que implícito no verbo bara – que é usado no primeiro versículo de Bereshit, e comumente é traduzido como “criar” – é a ideia de que algo totalmente novo e imprecedente foi produzido, i.e., a criação ex-nihil.1 Isso é muito diferente das criações humanas, que são feitas de materiais já existentes.
A diferença também se expressa no produto “criado”. Uma entidade criada ex-nihil jamais pode ser independente de seu criador, em oposição a um objeto feito a partir de substâncias pré-existentes.
Por exemplo, um marceneiro pega a madeira, corta-a nas dimensões exatas, afixa pernas a ela e produz uma mesa. Depois que a mesa é feita, o marceneiro pode passar para seu próximo projeto, e a mesa continuará a existir. No caso da criação ex-nihil, por outro lado, a coisa criada precisa ser constantemente recriada.
Isso pode ser entendido considerando-se o caso de alguém que deseja lutar contra a gravidade e impedir que uma bola toque o chão. Como há uma tendência natural para que a bola caia, a única maneira de mantê-la longe do chão é se houver uma força oposta – alguém segurando-a ou jogando-a para cima – para impedir que toque o solo.
Similarmente, a própria ideia de algo (separado de D'us) existir é uma novidade. O verdadeiro estado da Criação é a não-existência. A única maneira de um ser criado poder existir é se algo o criar continuamente, para contrariar seu estado natural de não-existência.
Criação contínua pela Palavra de D'us A Metáfora da Lâmpada Elétrica
Rabi Israel Baal Shem Tov, fundador do Movimento Chassídico, explicou o processo pelo qual D'us cria algo a partir do nada. Como muitos dos seus ensinamentos, é revolucionário ao mesmo tempo em que meramente elucida ensinamentos tradicionais, antigos.
A Mishná declara: “Com Dez Pronunciamentos o mundo foi criado.”2 O apoio bíblico para os pronunciamentos de D'us serem o método da criação3 é o versículo: “Pela palavra de D'us os céus foram feitos, e pelo sopro de Sua boca, todas suas hostes.”4
Além de citar o versículo: “Para sempre, ó D'us, Tua palavra permanece nos céus,”5 o Baal Shem Tov explica que ao contrário da palavra humana – que uma vez falada se esvai – a “fala” de D'us é eterna. Isso significa que os Dez Pronunciamentos usados para criar o mundo continuam a existir, constantemente recriando o mundo.6
Isso talvez possa ser ilustrado usando-se uma lâmpada elétrica como exemplo. Quando alguém aperta o interruptor de uma lâmpada, cria um circuito, fazendo os elétrons fluir dentro do circuito, e a luz acender. Porém meramente apertar o interruptor é somente metade da história. Para que a lâmpada permaneça acesa, deve haver uma constante renovação da energia, pois no momento em que a energia acabar – puf – lá se vai a luz.7
O mesmo se aplica à criação. Para que o mundo continue a existir, as palavras de criação de D'us precisam constantemente alimentar sua existência.8
Assim como ocorre quando alguém olha para uma lâmpada, os fluxos separados de energia que estão constantemente acendendo-a não são aparentes, assim também quando alguém olha para o mundo, os atos separados de criação que o colocam em existência não são prontamente discerníveis, e a existência parece estar fluindo numa corrente constante, o produto de um único ato.
Como a existência do mundo é apenas dependente de sua constante recriação, não deveria haver necessidade de um Armagedon ou desastre de proporções cósmicas para destruir o mundo e fazê-lo reverter ao nada. Tudo que seria necessário é uma cessação de sua recriação.
O Mundo é a Palavra de D'us Analogia a Partir da Moderna Física
Olhamos em torno e vemos mesas feitas de madeira, cadeiras feitas de metal, e copos feitos de vidro. Tudo parece ser feito de seus materiais específicos. Atualmente, porém, sabemos que a diferença entre esses itens está realmente na maneira em que várias partículas sub-atômicas foram colocadas juntas para formar átomos, e várias combinações de átomos foram colocadas juntas para formar moléculas de diferentes materiais. Desde uma mesa de madeira até uma cadeira de metal, tudo é formado de um punhado de elétrons, prótons e neutros pulando juntos em volta em várias formações – essencialmente, tudo é feito do mesmo material.
O mesmo é verdadeiro num sentido espiritual. Os tijolos de toda a criação, em toda a sua variedade, são os mesmos Dez Pronunciamentos.
Isso não apenas inclui a criação daquelas coisas que são especificamente mencionadas nos Dez Pronunciamentos em Bereshit (como o sol e a lua), mas também todos os itens não mencionados explicitamente (como uma pedra).
Rabi Isaac Luria explica que em cada coisa, seja animal, planta ou uma substância inanimada como pedra ou água, há uma força de vida espiritual, uma alma. A alma de cada coisa é formada das letras dos Dez Pronunciamentos.
Algumas criações, como o sol e a lua (que são mencionados explicitamente nos Dez Pronunciamentos), são capazes de receber sua força de vida diretamente dos reais Dez Pronunciamentos registrados na Torá. Outras criações específicas, como uma pedra, somente podem receber sua força de vida após descer e ser progressivamente diminuída. Isso ocorre através de um proceso de substituições e transposições das letras que formam os Dez Pronunciamentos, até a força de vida ser condensada o suficiente para que a criação específica possa ser trazida à existência. (Este sistema de substituir e trocar as letras dos Pronunciamentos é conhecido como os “231 potais, para trás e para frente”. Cada letra do alef-beit, alfabeto hebraico, pode ser combinada com qualquer outra letra. Por exemplo, um alef pode ser combinado com um beit, um guimel ou daled, etc. Há 22 letras no Alef-beit, o que nos dá 462 possibilidades (22 X 21 = 462). No entanto, como cada uma pode ser lida de trás para a frente ou de frente para trás (por exemplo, alef bet ou bet alef) restam 231 possibilidades (462/2 = 231). Por sua vez, as várias combinações dessas letras substituídas formam palavras diferentes, assim nos deixando com um conjunto quase infinito de possibilidades.9 Cada substituto diminui ainda mais o brilho dos Dez Pronunciamentos em sua forma original, permitindo assim que as criações mais mundanas e grosseiras sejam criadas.)
Divina Providência
Este entendimento da Criação nos leva a outro famoso ensinamento do Baal Shem Tov: tudo que acontece neste mundo é devido à hashgachá peratit, “Divina Providência” – nem sequer a queda de uma folha é resultado de mera coincidência.10
Se cada detalhe da criação está constantemetne sendo colocado em existência por meio do cliente e das letras substituídas dos Dez Pronunciamentos, isso significa que toda faceta do mundo está constantemente sendo criada de novo para algum propósito específico.
Felicidade
Quanto temos isso em mente, temos o poder de superar quaisquer obstáculos que possam surgir na vida. Saber que D'us recria constantemente o mundo nos dá a força para confiar que mesmo que as coisas pareçam más, tudo pode mudar num instante para o bem. A realidade não tem existência independente.
Além disso, o conhecimento de que cada momento está sendo recriado a partir do nada pelo Criador também muda a maneira de vermos o presente, e nos permite ficar alegres mesmo quando as coisas não parecem estar indo bem. Afinal, essa circunstância que percebemos como negativa na verdade está sendo criada de novo a cada momento por um D'us benevolente. Nas palavras de Rabi Shneur Zalman de Liadi:11
Ora, quando um homem… imaginar em sua mente como ele é criado ex-nihil a cada momento, como pode ele pensar que está sofrendo, ou que tem aflições relacionadas com “filhos, vida [i.e., saúde] e sustento,” ou qualquer outro sofrimento mundano? Pois… a sabedoria de D'us é a fonte da vida, bondade e deleite… exceto que, como não é apreensível, a pessoa imagina que está sofrendo, ou afligida. Na verdade, porém, “Nenhum mal desce do Alto”…
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