No início dos anos 1970, graças à pressão do Presidente Nixon e da nova Emenda Jackson-Vanik, Boris Donskoi e sua família estavam entre os 900 judeus soviéticos que receberam permissão de deixar a Rússia. Boris chegou aos Estados Unidos e tornou-se um bem-sucedido fabricante de brinquedos. Com o início da Perestroika, Boris, junto com seu filho Gary, retornou à Rússia para buscar novas oportunidades de negócios.
Voltando a Moscou, Boris tornou-se amigo e patrocinador do Rabino Chefe da Rússia, Rabi Berel Lazar, que no início dos anos 1990 estava lançando os alicerces para aquela que atualmente é a enorme rede de Chabad-Lubavitch em toda a Rússia e na antiga União Soviética.
Em 1997 Boris foi diagnosticado com câncer e lutou contra a doença por muitos anos. No verão de 1992 foi hospitalizado no Sloan Kettering Institute em Nova York.
Em setembro de 2002, fui de Moscou a Nova York para participar das cerimônias em memória do primeiro aniversário dos ataques de Onze de Setembro, como representante da comunidade judaica russa. Antes de eu partir, Rabino Lazar deu-me um par de tefilin e pediu-me para visitar Gary e seu pai no hospital, e dar-lhe o tefilin com votos de completo restabelecimento para Boris.
Terça-feira, 11 de setembro de 2002
14h – Aeroporto JFK
Liguei para Gary no celular para dizer que eu gostaria de visitar seu pai no hospital. Ele começou a soluçar no telefone. “Meu querido pai faleceu há alguns instantes…” O funeral estava marcado para o dia seguinte, 11 de setembro. Como sou um cohen e não compareço a funerais, disse a Gary que o visitaria na primeira oportunidade, quando a família estivesse sentando shivá.
18h – Escritório Nacional da Hadassah, NY
Tive uma conversa com Marlene Post, presidente da organização feminina Hadassa e diretora da Birthright Israel nos Estados Unidos. Ela me convidou para juntar-me a ela na manhã seguinte, 11 de setembro, numa cerimônia memorial na FEGS, uma organização beneficiária da Federação Judaica de Nova York, a maior e mais diversificada organização de serviços humanos e saúde sem fins lucrativos nos Estados Unidos.
A sede da organização fica a pouco mais de um quilômetro do World Trade Center, e eles se envolveram nos esforços para ajuda do 11 de setembro desde o começo, principalmente nas áreas de saúde mental e auxílio às famílias. Marlene disse que com apoio de toda a comunidade judaica, eles ajudaram mais de 18.000 pessoas no ano que se seguiu aos ataques. Mais de 1.000 assistentes sociais foram empregados pela FEGS para dar aconselhamento e apoio financeiro a famílias que estavam voltando a se reestruturar depois que seu mundo ruiu.
Os serviços memoriais do Onze de Setembro
Quarta-feira, 11 de setembro 2002
10h30 - Sede do FEGS em Nova York
Dentre as muitas pessoas que Marlene apresentou nesta manhã estava Dr. Jonas Waizer, um homem bondoso que era o chefe de operações do FEGS. Dr. Waizer deu-me seu cartão de visitas e me disse: “Se conhecer alguém que precise de ajuda aqui em Nova York, por favor me telefone.”
O vento estava soprando ferozmente quando caminhei do evento no FEGS até o Ponto Zero. Era desolador: para onde quer que eu olhasse via a bandeira pendendo a meio-mastro e fotos das vítimas, e tudo que eu conseguia ver eram as lágrimas das viúvas e suas famílias.
9h30 – O Chamado para a Shivá
Marquei para encontrar-me com Dan Weiss, um amigo em comum que tenho com Gary, para ir com ele de Manhattan ao bairro Brighton Beach no Brooklyn onde Boris morava, e Gary agora está sentando shivá. A segurança está em alerta máximo, pois chefes de estado estão reunidos em Nova York para marcar o aniversário. Pontes e túneis estão congestionados, pois todos os carros são examinados minuciosamente. Não conseguimos chegar em Brighton Beach antes da meia-noite.
No percurso ligamos para o celular de Gary para verificar o endereço exato, mas não conseguimos falar com ele. Ao chegarmos em Brighton Beach, perguntamos às pessoas sobre a rua que estávamos procurando – apenas para saber que esta rua não existia em Brighton Beach.
Começamos a perguntar aos passantes se sabiam onde morava o Sr. Donskoi. Após uma hora perguntando ao acaso estávamos para desistir quando avistamos um restaurante russo que estava fechando. Perguntamos ao garçom se ele conhecia os Donskoi que tinham perdido o pai naquele dia. Ele não conhecia, mas apontou para um grupo de pessoas sentadas atrás do restaurante à luz fraca da passarela; talvez eu devesse perguntar a elas… Quando nos aproximamos para perguntar se conheciam os Donskoi, para nossa surpresa vimos que Gary, sua família e amigos estavam todos sentados ali… Também ficaram surpresos: “Como nos encontraram? O apartamento de nosso pai fica a onze quarteirões daqui!”
Durante as três horas seguintes nos sentamos e conversando, ouvimos as histórias e casos da vida de Boris. Antes de ir embora, entreguei a Gary o tefilin que Rabino Lazar tinha enviado, e ele prometeu honrar a memória do pai usando o tefilin todos os dias quando fosse à sinagoga recitar o kadish. Ele viu este encontro improvável à meia-noite, que lhe trouxe tanto consolo, como um sinal do Alto para ele se aproximar mais da fé.
O Infortunado Violinista
Terça-feira 12 de setembro
Quando Dan Weiss e eu voltamos ao carro para retornar a Manhattan, começamos a conversar sobre 11-9 e seu efeito sobre o mundo. Dan, que trabalha no ramo teatral na Broadway, contou-me sobre um amigo seu chamado Sasha, imigrante judeu russo, talentoso violinista que estudou nas melhores escolas da Rússia e tocou em alguns dos mais afamados salões de música em Nova York. Infelizmente, sua carreira chegou ao fim quando, devido a instabilidade emocional, ele não pôde mais tocar regularmente em shows.
Um dia no meio da década de 1990 ele encontrou um lugar num túnel do metrô por baixo da Torres Gêmeas, e começou a tocar ali todo dia das 6h30 até as 9 da manhã, enquanto milhares de pessoas passavam. Muitos apreciavam a beleza de sua música e jogavam moedas em seu balde. Ele às vezes chegava a coletar quase mil dólares por dia.
Na manhã de 11 de setembro de 2001, Sasha estava ali tocando como de costume. Quando os aviões atingiram O WTC, Sasha estava entre os milhares de pessoas que fugiram para salvar a vida.
Todos os dias, Sasha se conectava com centenas de pessoas que trabalhavam nas Torres, mesmo que apenas por alguns segundos. Quando as torres caíram, a vida de Sasha também desabou. Ele não conseguia suportar o sofrimento causado pelas imagens das centenas de rostos que tinham passado por ele todos os dias, rostos que ele tinha visto aquela manhã, muitos dos quais pereceram nos ataques.
Nas semanas e meses que se seguiram, Sasha tornou-se cada vez mais triste e desanimado; somente tocava o violino para sobreviver. Dan contou-me que nos dias recentes, as imagens do ataque apareciam sem parar na televisão com a aproximação do aniversário. Sasha tornou-se ainda mais deprimido, a ponto de se tornar suicida. Sentava na frente da TV o dia inteiro assistindo aos clipes do ataque.
“Você já tentou procurar o FEGS?” perguntei. Dan disse-me que o FEGS ajuda somente as famílias das vítimas, ou empregados nas Torres Gêmeas que tiveram problemas psicológicos. Sasha estava ganhando a vida no edifício, mas não estava oficialmente empregado ali. “Além disso,” continuou Dan, “ele está se recusando a procurar profissionais em busca de ajuda.”
Eu contei a Dan sobre o meu encontro naquela manhã com o Chefe de Operações do FEGS, e sobre sua generosa oferta. Do carro, às 3 horas da madrugada, Dan ligou para Sasha e encorajou-o a não fazer algo drástico, e que a ajuda estaria a caminho pela manhã.
7 da manhã
Liguei para o Dr. Waizer. Ele disse que organizaria imediatamente uma equipe de especialistas para ir ao apartamento de Sasha. Dentro de algumas horas, os especialistas e médicos começaram uma intervenção de emergência e a dar a Sasha os cuidados, medicação e apoio que ele precisava para voltar ao que era antes – no sentido emocional, físico e financeiro. Em algumas semanas ele estava a caminho de uma total recuperação.
Por trás da cenas – Intervenção do Alto
Shabat – 4 de janeiro de 2003 – Moscou, Rússia
Gary estava visitando Moscou e convidei-o à minha mesa do Shabat. Com a mesa repleta de convidados, relatei toda a história da minha viagem a Nova York e como a shivá da meia-noite levou ao salvamento da vida de Sasha.
Gary então pediu para falar. “Toda a história que Rabino Berkowitz contou é verdadeira. Porém eu gostaria de acrescentar uma parte que ele não conhece.”
“Na segunda-feira, 9 de setembro, o dia anterior ao falecimento de meu pai, Dan ligou-me e me contou toda a história sobre a situação desesperadora de Sasha. Como me formei em Psicologia e falo russo, Dan pediu-me para visitar Sasha e tentar encorajá-lo a conseguir ajuda profissional, ou simplesmente impedi-lo de tirar a própria vida.
“Eu tinha de agir. Falei ao meu pai que estava saindo do lado de seu leito por um breve espaço de tempo para tentar salvar a vida de um homem. Fui ao apartamento de Sasha e bati na porta, mas ele não permitiu minha entrada. Falei com ele através da porta durante alguns minutos até que o convenci a deixar-me entrar.
“Vi seu rosto e os círculos escuros ao redor dos olhos. E percebi como a situação era grave. Sentei-me e falei com ele sobre conseguir ajuda profissional, mas ele recusou terminantemente. Falei então sobre nossa imigração da Rússia no início de 1970. Quando chegamos aos Estados Unidos fomos saudados no aeroporto pela família Okonov, fundadores dos Amigos dos Refugiados da Europa Oriental, uma organização que serviu dedicadamente dezenas de milhares de imigrantes russos.
“Recebemos um apartamento em Crown Heights no Brooklyn, sede dos chassidim de Lubavitch, e casa do Rebe. Embora não fôssemos religiosos, nos tornamos muito chegados aos chassidim e especialmente ao Rebe. Ele conversou privadamente com nossa família e, falando em russo fluente, ajudou-nos a aclimatar com nossa nova vida. Eu via o Rebe com frequência, caminhando da sua casa até a sinagoga. Sempre que tínhamos um problema em nossa família, procurávamos o Rebe em busca de conselhos sábios e suas bênçãos.
“O Rebe era um judeu russo,” eu disse a Sasha, “e ele se importava particularmente com aqueles de nós lutando no novo mundo. Mesmo hoje, após seu falecimento, eu visito seu túmulo – chamado de Ohel – no Queens, sempre que desejo me sentir perto dele e pedir por suas contínuas bênçãos do Alto.
“Sasha, por favor, venha comigo e visitaremos o local de repouso dessa pessoa sagrada. Estou certo de que quando ficarmos ali você encontrará novas forças para superar sua difícil depressão.
“Sasha concordou, e levei-o ao Cemitério Montefiore no Queens. Era tarde da noite quando chegamos ao túmulo do Rebe, e éramos os únicos dentro da sala. Eu me senti como se estivesse novamente na presença do Rebe, e disse baixinho em russo: “Rebe, ajude Sasha! Somente o senhor conhece as provações dos judeus russos em sua nova vida aqui na América. Sasha precisa desesperadamente de auxílio, e recusa ajuda profissional, ele quer desistir da vida. Rebe, estou perdido e não sei o que fazer para ajudá-lo…”
Gary terminou sua história, os olhos cheios de lágrimas; não lágrimas de tristeza, mas de profunda emoção. “Eu sabia,” continuou ele, “que ir ao local de repouso do Rebe poderia ajudar Sasha – foi por isso que o levei. Porém jamais imaginei que eu veria a conexão tal claramente e com tanta rapidez.”
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