Escrito em 5771

Na manhã do último domingo, despedi-me de um amigo muito querido, que faleceu no Shabat aos 34 anos, após uma batalha de três anos contra um câncer de pulmão e de estômago.

Rabi Levi Yitschak Deitsch foi sheliach de Chabad no Tyson Center, na Vírginia, onde ele e sua esposa Miriam construíram um notável centro judaico e deixaram uma comunidade vibrante. Levi deixou de luto a esposa, quatro filhos, mãe, irmãos e muitos membros da família e amigos.

Eu conhecia Levi há muitos anos, dentre outras coiasas, compartilhávamos uma paixão pela deliciosa e não-saudável comida casher. Levi amava as pessoas; ele sabia como celebrar a vida em sua plenitude, e tinha um coração de ouro. Sua paixão era ajudar as pessoas, jamais permitindo que estranheza ou medo diminuíssem seu zelo insaciável por doar. Sua risada era contagiosa, sua presença de espírito encantadora, e sua habilidade para lidar com as pessoas era impressionante. Sempre apreciei essas suas qualidades, mas – como vim a perceber – jamais reconheci quem ele realmente era.

Então, há três anos, ele foi atacado por uma terrível doença. Viajei diversas vezes à Virgínia para visitá-lo. Ali encontrei nele uma nova dimensão – coragem e fé inabaláveis.

Fiz uma viagem ao hospital poucos dias antes de seu falecimento. Ele estava fisicamente esgotado, recebendo oxigênio, seu corpo atormentado por anos de uma doença implacável. Porém, ele ainda tinha aquele brilho nos olhos, aquela centelha de vida. Disse-me essas palavras: “Vou superar isso!” Eu nunca tinha chegado mais perto de entender aquela cena em Bereshit 32, lida na porção desta semana, Vayishlach, na qual Yaacov luta com um adversário desconhecido e sem nome, do cair da noite até o romper do dia.

“Abençoa-me”



Vinte e dois anos antes, Yaacov tinha saído de casa, temendo que seu irmão Essav, cuja bênção ele tinha tirado, o matasse. Agora ele está voltando, quando ouve dizer que Essav está a caminho para encontrá-lo com uma força de 400 homens. Yaacov, diz a Torá, estava “muito temeroso e aborrecido”. É então que ocorre a famosa cena: “Yaacov foi deixado sozinho, e um homem lutou com ele até o raiar do dia.”

O homem misterioso tenta matar Yaacov. Quando vê que não pode derrotá-lo, ele mutila Yaacov, fazendo-o mancar. E ao final de uma longa noite de luta, Yaacov diz ao estranho: “Não vou deixá-lo ir até que me abençoe.” O adversário o abençoa.

Esse é um estranho episódio. O homem misterioso estava tentando matar Yaacov. Incapaz de conseguir isso, ele tenta outra coisa: deixa-o ferido. Por que Yaacov pediria uma bênção? É assim que você se despede de um bandido que tenta destruí-lo?

Porém, Yaacov estava nos ensinando o segredo da identidade e da resistência judaicas. Ser judeu é possuir essa capacidade singular de dizer em toda crise: “Não vou deixá-la ir até que você me abençoe.” Sei que no fundo seu objetivo é elevar-me, levar a um lugar mais alto, escalar a montanha que leva à verdade. Se D'us está realmente em toda parte, isso significa que Ele está em todo desafio e crise também; que de alguma forma me levará a emergir mais forte, mais sábio, mais abençoado.”

O Milagre



Quando aquela doença horrível chegou no meio da noite para atacar Levi e matá-lo, ele lutou com tenacidade e determinação. Estava resolvido a chegar até o romper do dia. A doença o debilitou profundamente, porém, ele declarou, repetidas vezes: “Não vou deixar que você vá antes de me abençoar. Não somente sairei triunfante, como vou crescer a partir de você. Minha vida vai prosperar como nunca antes.

E maravilha das maravilhas, dias antes de sua morte, quando os médicos fizeram suas previsões, ele ainda se recusava a ceder. “Natureza e milagres são ambas uma manifestação da energia Divina,” ele me disse durante aqueles últimos dias. “O mesmo Criador que me deu a doença pode tirá-la se Ele assim o desejar.”

Os médicos continuavam dizendo que ele tinha apenas alguns dias de vida. A cada vez, ele os surpreendia. Porém, no final, D'us decidiu levá-lo. O milagre não aconteceu.

E então eu entendi: o próprio Levi era o milagre. Ele não se entregou, e no processo todos nós fomos abençoados.

Adeus, meu querido amigo. Com a sua vida, todos fomos enriquecidos e abençoados; com a sua morte estamos empobrecidos. Vou sentir a sua falta, Levi.