Zalman Kazen, há muito tempo líder da comunidade judaica de Cleveland, conhecido por sua energia incansável no sentido de auxiliar judeus locais com suas necessidades físicas e espirituais, faleceu aos 92 anos. Enfrentando uma atividade frenética na casa dos 90 anos, Kazen inspirou a comunidade a crescer em erudição e observância.

Kazen nasceu na cidade russa de Gzhatsk em 1919, filho de Rabino Michoel e Sara Katzenellenbogen, ativistas empenhados na rede subterrânea Chabad-Lubavitch de escolas judaicas, sinagogas e serviços comunitários. Arriscavam a vida para prover e encorajar as multidões de judeus perseguidos pelos soviéticos.

A mãe de Kazen viajava de um orfanato soviético a outro em busca de crianças judias raptadas pelas autoridades na esperança que esquecessem sua identidade religiosa. Enquanto isso seu pai corajosamente dava aulas sobre textos judaicos clássicos e encorajava os judeus a não abandonarem a luta de preservar suas tradições.

Seu pai mais tarde foi levado à prisão: a família nunca mais o viu.

O sogro de Kazen, Elchonon Shagalov, fazia circuncisões rituais em segredo. Porém os soviéticos terminaram por capturá-lo e o aprisionaram quando a futura esposa de Kazen, Shula, tinha 14 anos. A mãe dela, Maryasha Shagalov-Garelik, conseguiu vencer as provações e recusou-se a abrir mão de educar seus filhos nos caminhos de seus antepassados.

“Compartilhamos o mesmo destino,” declarou Shula Kazen dias após o falecimento do marido. “Meu pai foi tirado da nossa família para jamais ser visto novamente e o pai dele também foi arrancado da família e jamais foi visto novamente.”

Quando adolescente, Shula Shagalov foi a Moscou para uma casa subterrânea de Lubavitch, que arranjava ocupações para as meninas e lhes dava a chance de guardar o Shabat e morar com meninas de mesma formação. Sua mãe, nesse ínterim, viajou a Leningrado para residir na casa dos Katzenellenbogen.

Na época, Kazen era estudante na rede clandestina das escolas Lubavitch, viajando de uma instituição para outra a fim de estar um passo à frente da polícia secreta. A certa altura alguns alunos, incluindo seu irmão Moshê, foram presos e mais tarde levados a um orfanato, de onde ativistas Lubavitch os retiraram.

Em Leningrado, as duas mães começaram a falar sobre seus filhos em idade de se casar.
“Elas nos apresentaram,” disse Shula Kazen.

Os dois se casaram numa cerimônia secreta no meio de uma floresta em Malkhovka, um subúrbio de Moscou, uma alegre celebração para os ativistas que compareceram. Porém o casal enfrentaria anos de doenças, fome e instabilidade.

Em 1946, o governo russo abriu a fronteira a imigrantes poloneses que desejassem retornar à Polônia. Vendo uma oportunidade, o movimento subterrâneo Lubavitch criou um processo sofisticado de falsificação de passaportes poloneses e treinou judeus russos sobre como passar pela fronteira em segurança.

Sara Katzenellenbogen, na época adorada pelo seu profundo cuidado com seus irmãos judeus e conhecida como “Tia Sara”, foi uma das líderes do projeto. Somente quando ela sentiu que a possibilidade de fuga estava terminando foi que ela arranjou para sua própria família escapar; e no último instante, ela cedeu seu tíquete e passaporte para Rebetsin Chana Schneerson, mãe do Rebe, Rabi Menachem M, Schneerson, de abençoada memória. Schneerson viajou como mãe e avó dos filhos de Katzenellenbogen, incluindo Zalman e Shula Kazen.

Katzenellenbogen tentou escapar no próximo trem para a Polônia, mas foi apanhada e presa por causa das suas atividades. Ela morreu na prisão.

Lançando Raízes Judaicas em Cleveland

Kazen, sua esposa e três filhos terminaram por chegar a Pocking, Alemanha, onde sob a direção do Sexto Rebe de Chabad, Rabi Yosef Yitschak Schneersohn, de abençoada memória, ele estudou as leis de abate ritual. Mais tarde viajaram a Paris, onde ajudaram a estabelecer e angariar fundos para a escola feminina Beit Rivca. Kazen vendia relógios para sustentar sua crescente família e para amparar a instituição.

Em 1953, o sonho há muito acalentado de Shula Kazen, mudar-se para os Estados Unidos, tornou-se realidade com a ajuda da Sociedade do Imigrante Hebreu, que fez arranjos para o casal e seus seis filhos morarem num apartamento em Cleveland. Shula Kazen, no entanto, queria morar em Nova York entre outros discípulos Chabad e na proximidade do Rebe.

“Chegamos a Cleveland numa época em que os judeus estavam tentando seguir em frente deixando para trás as atrocidades do Holocausto,” disse Shula Kazen. Ainda com as feridas frescas, os Kazen partilhavam a coragem e a disposição que herdaram de seus pais com a população local.”

Poucos dias antes da sua partida de Nova York, os Kazen tiveram uma audiência com o Rebe, na qual ela expressou sua preocupação sobre a mudança iminente. O Rebe respondeu que sem a ajuda de HIAS, seria impossível viver confortavelmente com seis filhos.

“Cleveland também é um bom local”, disse o Rebe quando a esposa de Kazen reiterou seu desejo de morar em Nova York, “com pessoas boas e uma ótima escola”.

O Rebe então perguntou a Kazen o que planejava fazer quando chegasse a Cleveland. Kazen respondeu que planejava continuar seu comércio de relógios, mas o Rebe sugeriu que ele fosse um abatedor ritual, liderasse serviços de preces ou se tornasse rabino de uma sinagoga.

Chegando em Cleveland, Kazen pousou as malas e começou a procurar judeus. Enquanto caminhava pela rua, dois homens correram para ele e olhando-o nos olhos, advertiram-no sobre a vida no Novo Mundo.

“Fanático, na América você precisa raspar a barba”, disseram a ele. “Esqueça aquilo que lhe disseram na Rússia sobre a América. Aqui trabalhamos por dinheiro e somente depois vem o Judaísmo.”

Porém os Kazen não se deixaram levar. Pouco depois da mudança, o Rebe instruiu a família a trabalhar com famílias judias locais e encorajá-las a fortalecer sua observância judaica. Os Kazen batiam nas portas e convidavam os vizinhos a entrarem para grupos de estudos no Shabat. “Encontramos uma menina”, lembrou Shula Kazen, “Então aquela menina ou menino trazia mais uma, e aquela mais uma, e foi assim que cresceu.”

Shula Kazen encorajava os pais a enviarem seus filhos para a Academia Hebraica. E seu marido estudava textos judaicos com os imigrantes locais vindos da Polônia, Romênia e Hungria.

“Chegamos a Cleveland numa época em que os judeus estavam tentando seguir em frente deixando para trás as atrocidades do Holocausto,” disse Shula Kazen. Ainda com as feridas frescas, os Kazen partilhavam a coragem e a disposição que herdaram de seus pais com a população local.

Michael Hoen lembrou-se do charme incansável de Kazen.

“Ele estava sempre sorrindo,” disse Hoen, “Ele realmente amava todos com quem entrava em contato, e estava sempre interessado em cada pessoa.”

Com o tempo, Kazen foi nomeado rabino na congregação local Sinagoga Zemach Zedek, um cargo que ele manteve por mais de seis décadas. Enquanto isso, sua esposa estabeleceu a Organização Lubavitch para Mulheres.

“A casa deles,” escreveu o jornal The Cleveland Jewish News, “tornou-se o local para todo judeu em Cleveland.

Para Os Famintos Com Amor

No início da década de 1970, os Kazen estabeleceram a Sociedade de Ajuda ao Imigrante Russo para auxiliar uma nova leva de imigrantes vindos da União Soviética. Proviam as necessidades dos recém-chegados, apresentando-os a médicos e arranjando ajuda com alimentos.

“Ele tinha uma alma pura”, disse Hoen, que atua como presidente da Congregação Zemach Zedek. “Estava interessado no bem-estar do próximo, especialmente no bem-estar dos judeus vindos da União Soviética, porque ele sabia em primeira mão aquilo que eles passaram.”

“Tivemos alguns tempos difíceis em Cleveland,” lembra Miriam Goldstein, atualmente morando na Califórnia. “Ganhávamos frangos do Rabino Kazen. Ele sempre assegurava que teríamos o que comer.

“Quando você não tem o que comer, é importante que haja alguém para lhe dar comida com dignidade,” acrescentou Goldstein. “Costumávamos ir à sua loja de frangos [onde ele trabalhava]. Nunca me senti constrangida por ter de pedir comida.

Kazen ensinava seus vizinhos em seu idioma russo nativo, mostrando a eles como observar as Festas Judaicas e celebrar os eventos da vida, todas as coisas que lhes eram proibidas pelos comunistas. Aos domingos, centenas de pessoas iam à sinagoga para uma animada refeição enquanto o rabino organizava palestras que exploravam um tópico judaico selecionado. No decorrer da semana, havia sempre uma fila de pessoas para receber pacotes gratuitos de comida.

Era normal para o rabino e sua mulher acordarem às 4 da manhã para começar um dia ocupado que incluía alimentar os necessitados, levá-los a consultas médicas, ajudá-los a encontrar móveis, auxiliar nas entrevistas de empregos, dar conselhos sobre problemas familiares e dar suas numerosas aulas.

Os Kazen também se preocupavam com os filhos dos imigrantes.

“Investimos muita energia para que as crianças pudessem receber uma educação judaica na Academia Hebraica,” disse Shula Kazen.

Os moradores de Cleveland lembram do sorriso e do calor humano de Rabi Zalman Kazen

“Eles trabalhavam incessantemente para assegurar que [imigrantes] recebessem uma educação judaica.” ecoou Rabino Eli Desler da Academia Hebraica. “Eles eram impressionantes pelo auto-sacrifício. Não deixavam uma pedra sem virar para conseguir a matrícula de mais uma criança judia na Educação Judaica.”

Kazen também não se esquecia dos seus irmãos judeus lá na Rússia.

Sua filha, Henya Laine, relatou que quando sua irmã Esther estava estudando em Nova York, ela freqüentava as reuniões chassídicas habituais, onde o Rebe durante horas fazia várias palestras eruditas. Ela anotava aquilo que o Rebe dizia e enviava as anotações para o pai.

“Ele lia as palestras e as guardava como um tesouro,” disse Laine. “Na época, era difícil obter cópias das palestras do Rebe.”

Mas Kazen não guardava o material para si mesmo. Sempre que podia, enviava as cópias para a União Soviética, onde os papéis eram passados em segredo de uma pessoa para outra.

Anos depois, um homem que estudara as palestras na Rússia disse que os pacotes enviados por Kazen eram sua única fonte para ensinamentos do Rebe.

O Espírito da Sinagoga

Os congregantes que iam à sinagoga de Kazen não eram atraídos pela sua beleza física, mas sim pelo caloroso acolhimento a todos que entravam. Os frequentadores diziam que era como fazer parte de uma família, vendo judeus de inúmeras esferas sociais e falando muitos idiomas. Embora diferissem em suas finanças e atitudes, rezavam como se fosse um só.

“Ele dava muitas das suas aulas em todos os três idiomas” – russo, inglês e yidish, disse Hoen. “Era uma maravilha. Não importava se você não entendia uma das línguas que ele falava, pois você sentia sua sinceridade e calor no que ele estava ensinando.”

Na sinagoga, ninguém era mandado embora.

“Acreditávamos,” disse Shula Kazen, “que toda pessoa, não importa como agisse, sempre deveria ser aceita em nossa comunidade. Há muitos que estão procurando seu lugar na sociedade e estávamos sempre dispostos a recebê-los em nossa sinagoga, mesmo se não se encaixassem em nenhum outro local.”

Mais tarde, os Kazen começaram a trabalhar com alunos da faculdade local, e os convidados muitas vezes ficavam até de madrugada. Com o incentivo do Rebe e ajuda financeira do filantropo Irving Stone, proprietário da American Greetings, eles compraram a primeira Casa de Chabad em Cleveland. Sua filha e genro, Rabino Leibel e Devorah Alevsky, assumiram a direção da instituição em 1972. Atualmente há seis Casas de Chabad na grande Cleveland além da Congregação Zemach Zedek e Círculo de Amizade.

Quando lhe perguntavam como conseguia encaixar tantas atividades em uma, Shula Kazen sorria.
“Você não precisa dormir, quando sua alma está feliz,” dizia ela. “Você não pode deixar o trabalho para outra pessoa fazer. Há muitas pessoas sobre as quais os outros não pensam. É nosso trabalho pensar e cuidar delas.”

Hoje, os filhos e netos dos Kazen atuam como emissários de Chabad em várias partes do mundo, de Xangai à Cidade do Panamá.

Deixou uma Marca

Sobre seu pai, Laine disse que ele tinha uma energia imorredoura.

“Ele nunca desperdiçava um segundo,” disse ela. “Estava sempre ocupado com um volume de ensinamentos judaicos.”

Todo momento livre, assim parecia, Kazen passava estudando.

“Ele nunca teve quaisquer prazeres físicos que buscasse,” disse a filha Bluma Weinberg. “Seu maior prazer era pegar um livro e aprender ou ensinar a alguém.”

Quando possível, ele também passava horas imerso em prece profunda, contemplativa. “Quando eu costunava ir à sua sinagoga,” disse Dessler, “via em primeira mão seu império de espiritualidade, onde ele dava coração e alma a todo indivíduo. Ele era uma inspiração a todos que o viam.”

Goldstein disse que todo ano, no aniversário da morte de seu pai, ela recebia um cartão escrito de Kazen.

“Ele sempre se lembrava de nós. Realmente se importava,” disse ela. “Ele era nossa conexão ao Judaísmo, nosso pai espiritual.”

“Rabino Kazen sempre será lembrado como um indivíduo incrível, profundamente comprometido com o espectro amplo do Judaísmo,” disse o diretor da Academia Hebraica, Rabino Simcha Dessler. “Suas contribuições são evidentes em sua sinagoga, no Chabad de Cleveland e nos milhares de imigrantes soviéticos que conheceram o Judaísmo por causa dele e da sua esposa.”

“Aquilo em que ele acreditava, ele compartilhava com outros numa maneira tão bonita que você desejava fazer também,” disse a filha Rivkah Kotlarsky.

Hoen enfatizou aquele ponto: “Ele era a pessoa mais bondosa, mais gentil e mais amada em Cleveland.”