O Sêder é uma noite mística, mágica.

Porém é muito mais que isso. É a noite em que os pais dão aos filhos o presente da identidade. Através desse rito de passagem, os pais transmitem ao filho uma certeza intrínseca sobre seu lugar no mundo. A criança aprende que é infinitamente valiosa e digna; entende intuitivamente que sua existência no mundo como judeu tem um significado e um propósito.

Como esta poderosa "certeza de ser" emerge de uma refeição festiva que celebra um antigo acontecimento histórico?

Na monotonia da vida diária, a certeza de ser parece eternamente ilusória. Parte do problema está na maneira pela qual vivenciamos o tempo. Com freqüência, vivemos segundo as palavras de um adágio medieval: "O passado não é mais, o futuro ainda não é, e o presente é um piscar de olhos." Nessa concepção, não temos uma âncora no fluxo torrencial do tempo. Todos os vestígios de uma identidade firme são varridos para longe. O presente fugaz está divorciado do passado e do futuro.
Uma maneira radicalmente diferente de vivenciar o tempo é aquilo que chamo de "Tempo Pêssach" – um presente que encerra tanto o passado como o futuro. Prisioneiros que estiveram encarcerados durante décadas no gulag dizem que sua capacidade de sentir a vida através do prisma de suas memórias e sonhos foi uma âncora de esperança num presente intolerável. Foi sua capacidade de viver em "Tempo Pêssach" que lhe deu a força para enfrentar uma realidade que lhes negava dignidade e valor. Foi isso que lhes deu esperança.

A memória é a essência da esperança: este é o significado profundo do ensinamento de Rabi Nachman de Breslav, que quando um judeu acorda pela manhã, deve lembrar-se do mundo como poderia ser – como será um dia. Como escreve Gabriel Marcel – "A esperança é a memória do futuro." Em resposta à pergunta de "Quem sou eu?" o ser humano responde: "Sou minha memória e meus sonhos; sou minha história e minha esperança. Tanto o passado quanto o futuro vivem no presente e informam minha identidade interior. Sou a soma de minhas memórias do passado e do futuro. Eles dão à minha vida seu semblante, caráter e forma únicos."

Sob o ponto de vista judaico, a memória individual não está sozinha. Ela se funde com a memória do povo, à medida que o coletivo e o pessoal se juntam. A identidade de um judeu é formada pela simbiose da história de sua pessoa e a história de seu povo.

Em contraste com o judeu está Amalêc – um povo sem memória. Esta concepção sublinha o ensinamento cabalista de que Amalêc é igual a safec (incerteza).

Analise este exemplo histórico: Os Filhos de Israel deixaram o Egito. Enquanto viajam pelo deserto, "as nações estremecem". Ainda está fresca na memória a impressionante exibição do poder Divino que caracterizou o Êxodo. Não é para menos que todas as nações tenham evitado atacar Israel. Somente um país ataca: Amalêc. Por quê? Porque Amalêc não tem memória, vive numa realidade afastada do passado e do futuro.

É por este motivo que Amalêc é o símbolo bíblico do mal. Para os Gregos, o mal se origina na falta de conhecimento. Platão escreveu que a virtude é conhecimento, e a ignorância é a fonte do mal. Para os judeus, no entanto, a fonte primária do mal é a perda da memória, não a falta de conhecimento. Apropriadamente, Amalêc – o símbolo do mal nas fontes judaicas – é a pessoa ou o povo sem memória.

Uma das modernas encarnações de Amalêc foi o movimento nazista. Elie Wiesel tentou capturar a essência daquilo que o nazista disse ao judeu em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel.
"’Esqueça. Esqueça de onde veio, esqueça quem você foi. Somente o presente importa.’" Os nazistas não apenas queriam matar os judeus, como queriam também destruir sua certeza de identidade. Portanto, esse foi o método nazista: a destruição da memória.

Não é surpresa que a principal atividade intelectual dos simpatizantes contemporâneos do Nazismo seja o revisionismo histórico, ou a negação do Holocausto. Revisar a história é destruir a memória, o que equivale a assassinar mais uma vez. A redenção segundo o modelo bíblico depende da erradicação de Amalêc. A redenção é a recuperação da memória. Assim, é correto que a resposta judaica a Amalêc seja: "Lembra-te do que Amalêc fez quando tu deixaste o Egito."

O Sêder de Pêssach é uma refeição da memória. Lembramo-nos e nos identificamos com a certeza que o povo de Israel sentiu na infância de sua nação. Os 40 anos no deserto são a "primeira infância" de Israel. D’us age no papel de um pai amoroso, concedendo a seus filhos o alimento (maná) e proteção contra o mal. Nós recordamos o amor incondicional que D’us tem por nós. No decorrer de toda a incerteza dos anos subseqüentes, é o poder deste amor incondicional que nos sustenta.

Terminamos o Sêder com um sonho para o futuro. No próximo ano em Jerusalém. Não apenas Jerusalém, a cidade física, mas Jerusalém, o símbolo de um amanhã melhor. No Sêder de Pêssach, damos aos nossos filhos a promessa de um sonho e o mais doce de todos os presentes: o dom da memória.