Nessa semana terminaremos o segundo livro da Torá, o Livro Shemot. No final da Parashá Pekudê, quando o Mishcan (o Tabernáculo, o Templo no deserto) está finalmente terminado, houve uma certa apreensão do povo em saber se haviam sido perdoados e se a presença Divina estaria no Mishcan. Finalmente, uma nuvem desceu sobre ele, indicando que a glória de Hashem estava presente ali.

Muitas vezes, nos dias de hoje, e em todos os tempos, podemos ter dúvidas como essa. A seguinte história fala sobre o período onde provavelmente houve o maior teste desse tipo.

No final da Segunda Guerra Mundial, entre os últimos judeus deportados para os campos de concentração estavam os judeus húngaros. No campo de concentração de Auschwitz as mulheres e crianças que chegavam iam logo para as câmeras de gás e depois para o crematório.

Os homens poderiam se ‘salvar’ se estivessem aptos a trabalhar nos campos. No processo desenhado cruelmente pelos nazistas, eram retirados todos os objetos que viessem com os judeus que então eram recolhidos e separados para serem enviados para a Alemanha.

Em Auschwitz tinham duas polonesas encarregadas desse processo de triagem. Elas eram irmãs, uma se chamava Ana e outra Cristina. Geralmente elas viam os judeus desembarcarem dos trens da morte e já examinavam e escolhiam para si os objetos que preferiam das pobres pessoas destinadas a morrer. Em certa ocasião Cristina observou um lindo casaco de pele e falou que esse era dela depois que fosse arrancado de sua dona original. E assim foi, quando apareceu a pilha de objetos para as duas separarem, Cristina logo identificou o casaco de pele que havia escolhido e o pegou para levar para casa, como se fosse seu.

Acontece que para seu espanto o casaco estava mais pesado que o normal quando ela o levantou e, ao abrir o casaco para ver o que estava lhe pesando, notou uma bebê encolhida que devia ter menos de uma semana de vida. Cristina tinha 42 anos, casada, mas sem filhos. Decidiu então levar a bebê para sua casa e cuidar dela como se fosse sua filha junto com seu marido. Logo perceberam que teriam dificuldade de sair de Auschwitz com uma bebê, mas então inventaram uma história que ela estava grávida embora não se percebesse e que tinha tido a bebê, e que estava trazendo consigo para o trabalho, etc., e assim conseguiu levá-la para casa.

Ao chegar em casa, seu marido ficou feliz mas perguntou como fariam para cuidar daquela criança, já que os tempos eram muito difíceis e, portanto, deveriam entregá-la a alguém que pudesse cuidar dela. No entanto, Cristina que já era experiente nesse ramo macabro, lembrou que geralmente os judeus guardavam pertences e dinheiro na costura de seus casacos antes de morrer.

Rapidamente ela descosturou a bainha do casaco e, de fato, lá encontrou várias notas de dinheiro húngaro, assim como moedas de prata e um pequeno pingente de pouco valor. Eles lhe deram o nome de Lilla. Ela guardou o colarzinho com um pingente numa gaveta e, tendo muito dinheiro húngaro, resolveram ir morar em Budapeste. Cristina então conseguiu ter uma vida farta mesmo em tempos de guerra, e educou sua filha como uma menina não judia numa boa escola.

A guerra acabou, os tempos passaram e Lilla se destacou na sociedade húngara, tornou-se uma excelente cirurgiã pediátrica e encontrou um bom noivo húngaro com quem se casou e teve duas filhas s gêmeas. Elas eram judias, embora não soubessem. Os únicos que sabiam desse segredo eram seus pais adotivos e sua tia Ana. Os pais de seu marido que moravam fora de Budapeste vieram lhe visitar para o batizado e, seus pais junto com seu marido, foram buscá-los na estação de trem. Lilla ficou em casa com suas duas filhas... no entanto, seus pais e seu marido demoraram a voltar, e na realidade nunca voltaram.

Depois de várias horas de angustiada espera, Lilla recebeu a trágica notícia que seus pais, marido e sogros tinham sofrido um acidente terrível de carro e não havia nenhum sobrevivente. Além disso, ainda na primeira semana de luto quando ela estava muito abalada com a perda, sua tia Ana pediu para conversar em particular com ela. Ana tinha combinado com Cristina que, após a sua morte, deveria contar a Lilla todos os detalhes de sua verdadeira origem: que ela era judia, que sua mãe havia falecido no campo de concentração de Auschwitz, o casaco de pele com ela enrolada dentro, o dinheiro húngaro etc.

Lilla perguntou à (tia) Ana qual era seu nome, o nome de sua família, e onde ela poderia encontrar algum parente. Mas Ana não sabia lhe dizer nada. Então Ana lembrou que o pingente que estava junto do casaco de pele foi guardado por Cristina e que deveria estar em algum lugar de sua casa. Quando encontraram o pingente, Lilla imediatamente o abriu para ver se tinha alguma pista de seu nome, mas notou apenas algumas palavras em hebraico que ela não entendia absolutamente. Naquela semana Lilla procurou um rabino em Budapeste que lhe ajudasse de algum modo, pois estava perdida em meio a tantas revelações que mudaram drasticamente sua vida.

O Rabino falou que não saberia como ajudar muito, pois não tinha nenhuma pista que a conectasse com sua família original, no entanto, ele lembrou que existia um tsadic em Nova York para quem as pessoas costumavam escrever e ele dava respostas impressionantes ligadas à alma de cada uma.

Ela então escreveu para o Rebe no Brooklyn, Nova York. O Rebe lhe respondeu que enviaria emissários especiais para lhe ajudar e que ela deveria mudar-se para Israel.

Algumas semanas depois, chegou um casal de judeus religiosos enviados pelo Rebe com uma passagem para Lilla e suas filhas para irem para Israel. Lilla lhes fez várias perguntas e, entre elas, o que queria dizer aquelas palavras em hebraico no pingente. Eles então lhe explicaram que estava escrito Lea bat Miriam, Lea filha de Miriam e que, provavelmente, seu nome deveria ser Lea. Lilla, agora Lea, ficou feliz em saber que pelo menos agora ela tinha descoberto seu verdadeiro nome dado por seus pais Lea pediu um tempo para pensar no que fazer e, depois de uma semana, finalmente respondeu ao casal que aceitava se mudar para Israel.

O casal viajou junto com ela e as filhas e lhes ajudaram muito na integração em Israel. Lea passou a estudar no Ulpan (curso intensivo de hebraico para imigrantes) e conseguiu um ótimo emprego num hospital como cirurgiã pediátrica, tão importante para o país. Lea e suas filhas passaram a ter uma vida normal e judaica em Israel e, depois de pouco tempo, foi apresentada a um bom rapaz chamado Shmuel e então se casaram. Depois disso tiveram duas filhas e agora Lea tinha quatro filhas.

Certo dia suas filhas insistiram que queriam comer pizza e então Shmuel com Lea resolveram acatar o desejo delas, mas não conseguiram de jeito algum encontrar vaga para estacionar. Shmuel então falou para Lea esperar no carro com as quatro filhas enquanto compraria as pizzas para viagem. De repente Lea escutou um estrondo tremendo, ensurdecedor. Ela saiu do carro à tempo de ver uma cena assustadora e trágica. A pizzaria onde seu marido estava tinha desaparecido com o estouro de uma bomba. O nome da pizzaria era Sbarro, onde aconteceu um atentado terrorista com muitas vítimas, incluindo seu marido. No mesmo instante, ainda sem absorver o que estava acontecendo, ela recebeu um chamado urgente no seu ‘bip’ com uma mensagem que haviam crianças em estado grave por causa do atentado e necessitavam de sua presença imediata no hospital. Eles desconheciam que seu marido também estava no acidente e que, de repente, ela novamente tinha se tornado viúva.

Ela pensou rapidamente e decidiu ir ao hospital, pois certamente ela poderia ser muito útil. Ela deixou suas filhas com uma família amiga e foi correndo para o hospital. Lá chegando, foi diretamente para a sala de cirurgia e atendeu vários casos de emergência salvando algumas vidas. Tinha uma criança toda ensanguentada que aparentemente necessitava apenas de uma limpeza externa e, portanto, foi deixada para depois. Ela ouviu essa menina chamando por seu avô: “Zeide, estou toda suja de vermelho, zeide, quando vão me limpar?” Lea percebeu que esse senhor ficou muito tempo lhe observando. Ela então resolveu cuidar da menina e, quando se aproximou, viu de lampejo um pingente no pescoço da menina igual ao seu... mas não tinha tempo naquele momento para prestar atenção e pensar nesses detalhes.

Ela começou a limpar a menina e o avô se aproximou. De repente esse senhor se virou para ela e falou espontaneamente... “Miriam! Não, desculpe-me, se minha Miriam querida estivesse viva ela seria muito mais velha!” Lea então se virou para esse senhor e lhe falou, “Desculpe-me por lhe perguntar, de onde veio esse pingente de sua netinha?” Então o senhor lhe respondeu prontamente. “Eu era ourives antes da segunda guerra, e quando nasceu minha filha fiz um pingente como esse para ela e para sua mãe, e coloquei seu nome inscrito dentro dele. Perdi minha filha e minha esposa nos campos de concentração e depois da guerra me casei de novo e passei a fazer um pingente também para cada uma de minhas netas.

Lea então se virou para ele e falou... “o senhor não perdeu sua filha no campo de concentração... pai, sou sua filha Lea, tenho comigo o pingente que o senhor fez para mim quando nasci e que mamãe levou comigo para Auschwitz. Nele está escrito ‘Lea bat Miriam!’”

Então pai e filha se abraçaram forte naquele reencontro emocionante no hospital depois de um evento trágico. No mesmo dia em que Lea perdeu seu marido, reencontrou seu pai!