Tudo no Coração - Por Kevin Rodbell
O único breve toque de seu relógio digital anunciando a hora, 4:30 da tarde, assustou e acordou Jon de seu devaneio. O copo de coca-cola escorregou da bandeja e caiu direto no chão. Espatifou-se contra os ladrilhos brancos e pretos, espalhando vidro em todas as direções. O líquido escuro correu rapidamente sobre onze azulejos, formando uma poça escorregadia de refrigerante próximo à mesa onde Jon estava servindo. "Desculpe-me, senhor, sinto muito – não sei onde estava com a cabeça."
Na verdade, Jon não estava se concentrando em equilibrar a bandeja. É claro que, enquanto seu rosto enrubescia, concentrou-se totalmente na situação do momento. Seu emprego de verão como garçon começava às 9 da manhã e terminava às 5 da tarde. Geralmente, às 4h30, já estava ansioso para sair; hoje não era uma exceção. Embora suas mãos, olhos e ouvidos estivessem ocupados servindo suculentos hambúrgueres, batatas fritas engorduradas e refrigerantes gelados, a mente de Jon estava constantemente vagando até o jogo de futebol que aconteceria naquela noite. O passatempo favorito de Jon. Gostava tanto do entusiasmo e camaradagem que visões de correr atrás de bolas altas enchiam sua mente sem cessar. Jon concentrava-se nos lances do esporte, ao invés de servir refeições. Hoje ele enfrentava as conseqüências com um esfregão, em vez de assistir ao seu time jogar.
Todos conhecem o sentimento de "minha mente está em outro lugar". Algumas coisas que consideramos mais importantes – seja pagar a conta de luz ou tirar umas merecidas férias – tendem a desviar nossa atenção do equilíbrio da bandeja ou seja o que for que estejamos fazendo. Em vez disso, as pessoas podem passar a maior parte do dia realizando tarefas necessárias que não são de primordial importância, como fica evidente quando devaneiam sobre outros assuntos. Jon, por exemplo, passa dois terços do tempo no restaurante, mas sua principal ocupação em termos de horas não indica o verdadeiro interesse de seu coração.
Da mesma forma, muitos judeus passam longas horas no trabalho, mas esta alocação de tempo dos profissionais judeus não reflete o que deveria ser sua suprema aspiração na vida, a aspiração que expressamos duas vezes ao dia quando lemos o Shemá. "Amarás D’us com todo teu coração..." Apesar de todo o tempo que passamos realizando atividades aparentemente mundanas, o coração de um judeu na verdade anseia por crescer em Torá e construir um relacionamento com seu Criador.
Rabi Moshê Feinstein destaca este conceito em uma declaração intrigante que Moshê faz ao povo judeu na porção desta semana da Torá: "Vocês viram tudo que D’us fez perante seus olhos na terra do Egito…as grandes provas que seus olhos viram, aqueles sinais, e grandes maravilhas. Porém o Eterno não lhes deu um coração para conhecer as bondades de D’us, e e olhos para ver, e ouvidos para ouvir, até os dias de hoje" (Devarim 29:1-3).
Os judeus reclamaram em dez ocasiões diferentes sobre as condições inóspitas do deserto no qual D’us os colocara, mas jamais reconheceram todos os grandes milagres que D’us realizou para eles no Egito e no deserto durante os quarenta anos. D’us provou constantemente Sua dedicação aos Filhos de Israel, mas eles sempre responderam com rebelião e dissensão. Finalmente, naquele dia, ao final de sua jornada pelo deserto, Moshê percebeu que os judeus eram definitivamente dedicados a D’us.
Um acontecimento em particular alterou a opinião de Moshê sobre o povo judeu. No final de sua vida, Moshê copiou toda a Torá e tentou dar o rolo à família de Levi; eles, mais que qualquer outra tribo, deviam dedicar a vida a estudar e ensinar o precioso livro de D’us ao povo judeu. Rashi relata que o restante do povo judeu reuniu-se e disse a Moshê que eles também tinham estado presentes no Monte Sinai quando D’us outorgou a Torá. Eles afirmaram que presentear este rolo especial da Torá aos Levitas poderia algum dia fazê-los dizer que a Torá fora dada exclusivamente a eles.
Rabi Moshê Feinstein explica que, na verdade, a família de levi jamais faria reivindicação tão audaciosa; é claro que a Torá completa, mesmo as leis especificamente aplicadas aos levitas, foram dadas a todo o povo judeu. Ao contrário, as outras tribos suspeitaram de algo mais sutil. Os não-levitas, que deviam passar longas horas no trabalho para ganhar o sustento, temiam que os levitas, que tinham a oportunidade de passar o dia inteiro mergulhados na Torá, exigiriam exclusividade nas áreas de ensinamento da Torá, e na resolução de complicados problemas da Lei Judaica. Os não-levitas desejavam assegurar um lugar para si mesmos entre os especialistas em Torá.
Ao exigir um papel ativo na perpetuação da Torá, o povo judeu mostrou o enfoque em seu coração, e reassegurou a Moshê que tinham as corretas prioridades. Ter uma renda é certamente uma necessidade, mas não importa quanto esforço devotem a outras atividades, os judeus devem lembrar-se que a Torá e o relacionamento com D’us permanecem sendo nosso verdadeiro objetivo de vida.
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