Por Jonathan Sacks - Rabino chefe da Inglaterra
Um amigo americano contou-me uma história sobre o grande violinista Itzhak Perlman. Perlman contraiu pólio na infância, e desde então vive numa cadeira de rodas. Em certa ocasião, estava dando um concerto de violino quando, com um som audível, uma das cordas partiu-se no primeiro movimento. Todos esperavam para ver o que ele faria.
Com surpreendente virtuosidade, ele continuou como se nada tivesse acontecido, tocando até o final apenas com as três cordas remanescentes. Os aplausos, quando terminou o concerto, foram ensurdecedores, não somente por seu desempenho como também por seu sangue frio em continuar, imperturbável. Quando o barulho recrudesceu, ele foi chamado a dizer algumas palavras para a audiência. Sentado em sua cadeira de rodas, um símbolo vivo de coragem, ele disse apenas uma frase: "Nosso trabalho é fazer música com aquilo que resta."
Que declaração! Fez-me pensar na falecida Sue Burns, membro de nossa comunidade anglo-judaica que sofria de uma rara doença na espinha que a mantinha presa na cama, incapaz até de sentar-se numa cadeira de rodas. Ela possuía todos os motivos para sentir raiva ou autocomiseração, mas em vez disso quis saber como poderia transformar seu sofrimento numa bênção. Ao lado da cama, foram instalados telefones e um computador, com uma linha de ajuda para pessoas com problemas semelhantes. Ela tornou-se sua conselheira, mentora, conforto, amiga.
Homenageada pela Rainha pelos serviços que prestava, tornou-se a primeira pessoa a ser carregada ao Palácio de Buckingham para receber a honraria numa maca. Como era próprio dela, declarou que a homenagem não era para si própria, mas para todas as pessoas incapacitadas, e ela estava meramente aceitando-a em nome delas. Durante os anos em que a conheci - até quando ela disse-me que estava para morrer - jamais a vi sem um sorriso nos lábios.
Penso no escritor de sucesso Dave Pelzer, que sobreviveu a terríveis abusos na infância, e não somente tornou-se bem-sucedido em diversas áreas, como também trabalhou com jovens delinqüentes, usando suas próprias experiências para dar-lhes força.
Penso no falecido Viktor Frankel, um sobrevivente de Auschwitz, que transformou o trauma daqueles anos na base para uma nova escola de psicoterapia (ele a chamou Logoterapia), levando ajuda a outros ao ensinar-lhes a buscar significado em seu sofrimento.
Penso nos desolados pais das centenas de crianças israelenses e palestinas que, tendo perdido os filhos na atual violência no Oriente Médio, recusam-se a transformar sua dor em ódio, e em vez disso, juntam-se para levar uma mensagem de reconciliação a ambos os lados.
Histórias como essas - e há muitas outras - mudam vidas porque nos mostram pelo exemplo vivo que não há sofrimento do qual não venha algo de bom, nenhum mal que não possa ser redimido. Mesmo Job na Bíblia, que perde tudo sem nenhum motivo, a fortuna, os filhos, a saúde, sua reputação aos olhos dos amigos - por pura tenacidade enfrenta D'us face a face. Não recebe respostas a suas perguntas, nenhum consolo para sua dor, mas como se recusa a ser derrotado pelo destino, encontra D'us em meio às trevas e ali encontra força para viver.
O que dá a algumas pessoas a coragem para lutar com o sofrimento, como fez Yaacov com o anjo, dizendo: "Não o deixarei ir, a menos que me abençoe?" Eu gostaria de saber. Mas em vidas como essas nós captamos um vislumbre da pura fortaleza do espírito humano, quando então podemos afirmar: "Nosso trabalho é fazer música com aquilo que resta."