Por Jay Litvin
A Torá considera a atração entre homem e mulher como algo natural, o desejo sexual forte, poderoso e urgente. Não somente aprova esta atração, como exalta a união resultante nos termos mais sinceros e sadios. No entanto, a Torá limita este impulso instintivo dentro dos confins da vida santificada, dentro do vínculo sagrado do casamento. A Torá compreende que este desejo brota de nossa parte animal/instintiva; a razão e preocupações espirituais mais elevadas não são seu habitat natural. Tem uma vida em si mesmo. Uma vida poderosa. E portanto, a fim de restringir e domar sua expressão em maneiras adequadas, a Torá fornece cercas para proteger o poder da atração sexual de si mesmo.
Algumas dessas "cercas" servem para desencorajar homens e mulheres de buscarem situações de potencial intimidade. Por exemplo, homens e mulheres que não sejam casados um com o outro estão proibidos de ficarem sozinhos no mesmo aposento (e outros locais, como carros ou elevadores). Se precisarem ficar juntos, como numa situação de trabalho, então a porta é mantida aberta para um espaço público. Existem numerosas contingências e atenuantes que dão margem para interações cotidianas, mas de uma maneira que desencoraja, e esperamos que impeça, a intimidade inoportuna.
A Torá entende também que estes impulsos físicos vêm com intensidade e formas diferentes, e que algumas pessoas precisam de uma ou duas cercas adicionais para mantê-las afastadas de problemas.
A Torá, no entanto, não faz uma lista separada de regulamentos para cada indivíduo. Quando cria uma cerca para proteger contra alguma tendência sexual específica ou situação potencialmente comprometedora, a Torá aplica esta cerca igualmente a todos nós. Esta abordagem forçada pode às vezes dar a impressão de "castigo coletivo", no qual todos passamos por restrições embaraçosas, sejam ou não aplicáveis a nós.
Porém recentemente esta minha perspectiva mudou.
Um antigo colega da faculdade está se divorciando. O culpado é o adultério. Um caso entre duas pessoas casadas que trabalham juntas. Não desejo entrar em mais detalhes, apenas dizer que eu o conhecia há muito tempo, bem antes de eu me tornar religioso, alguém com quem sempre me mantive em contato e cujos filhos vi crescer com o passar das décadas.
Desde nosso tempo de faculdade, ele sempre foi um cara que zombava dos costumes fora de moda, para quem o direito de expressão individual e auto-realização são os ídolos da vida moderna. Dono de seu destino, ele acredita que está no controle de suas emoções, no comando de seus impulsos e instintos. As regras jamais se aplicam a ele. Os ditames morais eram uma aquisição individual. Com o passar dos anos, ele considerou minha vida religiosa exótica, encantadora e curiosa. Era liberal a ponto de aceitar minha observância sem desafios, uma expressão do meu direito de viver a vida que eu escolhesse.
Enquanto eu ouvia a história de seu divórcio iminente, não pude deixar de presumir que este raciocínio devia ter influenciado suas opções. Conforme este homem casado passava mais e mais tempo com sua colega casada, trabalhando até tarde da noite ou fazendo viagens de negócios, ou então comemorando vitórias comerciais, eu quase podia ouvir sua voz persuasiva assegurando a ele mesmo que seus motivos eram puros, que suas paixões estavam sob controle, que seus casamentos separados eram invioláveis à tentação ou à destruição.
Segundo ele, apenas quando a situação já tinha impulsivamente cruzado todas as linhas vermelhas ele e sua colega tiveram consciência de seu problema. O adultério e a traição os atingiram com conseqüências devastadoras. Filhos e cônjuges magoados para sempre. O casal decisivamente envolvido, sem possibilidade de voltar atrás.
Fiquei abalado com a notícia; preocupado com sua esposa e filhos; assustado pela fragilidade dos relacionamentos humanos, pela susceptibilidade do sentimento e da emoção humana. Apesar de suas esquisitices e idiossincrasias, meu velho companheiro de faculdade é uma boa pessoa. Atencioso, com uma boa família. Seus pontos de vista e filosofias são mais produto dos tempos e de opiniões recebidas do que seu próprio pensamento independente. Ele foi tanto culpado quanto vítima.
A combinação de desejo e solidão (havia problemas no casamento que contribuíram para esta situação, disse ele) atirou estas pessoas num caminho sem volta. Era uma estrada sem cercas, que qualquer um poderia ter trilhado. Não sendo refreadas por estas cercas, luxúria e solidão, paixão e aventura encontraram um terreno propício na privacidade sem restrições das portas fechadas dos encontros de negócios, dos almoços à tarde, nas viagens de negócios e nos incontáveis momentos de potencial intimidade que forjam relacionamentos irrestritos pela Torá. Se isso pôde acontecer a ele, poderia acontecer a qualquer um, D'us não o permita.
Meus pensamentos e reações ricocheteavam entre tristeza pelas duas famílias, raiva de meu amigo, compaixão por seu sofrimento, e um senso geral de apreensão perante a crescente taxa de divórcio e a destruição que isso traz. Pensei sobre quanto eu valorizava a família, como eu me sentia protetor em relação aos filhos dele. Encolhi-me com a dor causada pela ruptura de sua família, e de todas as famílias. E foi então que adquiri uma nova percepção quanto à abordagem da Torá.
A Lei Judaica não está prescrevendo punição coletiva pelo mau comportamento de uma minoria; não está nos forçando a cumprir certas restrições incômodas para expiar as aberrantes tendências de uns poucos.
Ao contrário, minha disposição de viver dentro de cercas, de restringir meu comportamento - independentemente de acreditar ou não que se apliquem à minha versão pessoal da tentação - é parte da resposta e responsabilidade comunal de proteger a viabilidade de toda família judia em qualquer lugar do mundo.
Tão grande é a tragédia de uma família destruída, que a Torá pede a cada um de nós para contribuirmos com nossa parte na proteção desta sagrada instituição judaica. Tão devastadora é a dissolução, mesmo de uma única família, que somos solicitados a participar na sustentação das normas de comportamento da comunidade, que defenderão contra o sofrimento e os danos causados por esta dissolução.
Como membros da grande família judaica, todos desempenhamos igualmente uma parte no bem-estar de nossos irmãos e irmãs e de suas uniões e descendentes. Respeitar estas cercas não é um ato de submissão, é um ato de cooperação e participação comunitária.
Neste espírito, cumprimos leis e cercas de comportamento tanto pelo bem-estar de nossa própria família quanto de alguma criança, em algum lugar, cujo pai, sozinho num elevador ou por trás da porta fechada de um escritório com uma mulher atraente, pode ser levado a qualquer dia submeter esta criança ao caos terrível do divórcio.
Não importa quão improvável possa ser este cenário, não importa como são raras suas possibilidades ilícitas, nós de boa vontade aderimos a estas cercas, por vezes restritivas, tediosas, pelo bem de salvar uma família, de impedir que uma só criança seja prejudicada.
Em vez de serem vistas como castigo coletivo, estas cercas são as guardiãs do meu povo, as protetoras de minha família - tanto a pequena família que chamo de minha como da maior, chamada o povo judeu.
No turbilhão confuso, retorcido e assustador da vida moderna, graças a D'us temos uma ilha de verdade, sabedoria e idéias práticas, sobre a qual minha família - e incontáveis outras - podem encontrar a sanidade e a proteção num mar de loucura global.
Uma ilha conhecida como Torá, com cercas para nos rodear e salvaguardar, quaisquer que sejam os caminhos que palmilhamos.