Por Jonathan Sacks - Rabino chefe da Inglaterra
Pode parecer estranho sugerir uma conexão entre a tragédia de 11 de setembro e um filósofo grego que viveu há quase 2.500 anos, mesmo assim é isso que pretendo fazer. Chamo a isso o fantasma de Platão, e tem assombrado a imaginação do Ocidente desde então.
Platão, um dos maiores pensadores que jamais viveram, era motivado pela busca do conhecimento e da verdade. Como, neste mundo do acaso e de mudança, podemos chegar ao conhecimento que está além do acaso e da mudança? Sua resposta era que a realidade não é a profusão caótica de coisas que vemos, tocamos e sentimos: os milhares de diferentes tipos de cadeiras, casas ou árvores. A realidade jaz naquilo que é comum a cada um: a forma de uma cadeira, casa ou árvore. As coisas são particulares; a verdade é universal. Este era o pensamento profundo de Platão. Acredito que esteja profundamente errado.
Isso leva à crença – superficialmente compulsória mas completamente falsa – de que, quanto mais universal é a cultura, mais perto da verdade está. Afinal, se a verdade é a mesma para todos em todos os tempos, então, se estou certo, você está errado. Se eu me preocupo com a verdade, devo converter você a meu ponto de vista, e se você se recusa a ser convertido, fique atento. A partir dessa premissa ocorreram os maiores crimes da História, e muito sangue humano foi derramado.
A civilização ocidental conhece cinco grandes culturas universalistas: Grécia Antiga, Roma Antiga, Cristianismo medieval, Islamismo, e o Iluminismo. Três eram seculares, duas religiosas. Trouxeram presentes inestimáveis ao mundo, mas também trouxeram grande sofrimento, embora não exclusivamente aos judeus. Como um maremoto, varreram para longe os costumes locais, antigas tradições e maneiras diferentes de fazer as coisas. Foram para a diversidade cultural aquilo que a industrialização representa para a biodiversidade. Extinguiram formas de vida mais fracas. Diminuíram a diferença.
Atualmente, estamos passando pela sexta ordem universal: o capitalismo global. É a primeira a ser motivada, não por uma série de idéias, mas por uma série de instituições, dentre elas o mercado, a mídia e a Internet. Porém seu efeito é não menos profundo. Ameaça todas as coisas, locais, tradicionais e particulares.
Onze de Setembro aconteceu quando duas culturas universalistas – cada uma profundamente ameaçadora à outra – encontraram-se e colidiram.
Está na hora de exorcizarmos o fantasma de Platão. Deixe-me dizer isso clara e inequivocamente: o universalismo é o oposto cultural do imperialismo. Nem toda verdade é universal. A verdade científica é. A verdade espiritual, religiosa e pelo menos algumas verdades morais não são. A glória do mundo humano é sua diversidade: os seis mil idiomas diferentes, centenas de fés, a multiplicidade de culturas, a absoluta variedade das imaginativas expressões da raça humana, na maioria das quais, se escutarmos atentamente, ouviremos a voz de D’us nos dizendo algo que precisamos saber.
As verdadeiras morais universais são poucas e existem para proteger as diferenças culturais e religiosas: a santidade da vida humana, a dignidade da pessoa humana, e a liberdade que precisamos que seja verdadeira para nós mesmos, enquanto é uma bênção para outros. Colocado desta forma, há uma diferença fundamental entre D’us e religião. D’us é universal, a religião é particular.
Servimos a D’us, autor da diversidade, quando respeitamos a diversidade. D’us não quer que todas as fés e culturas sejam as mesmas, assim como um pai amoroso não deseja que seus filhos sejam todos iguais.
Quando as civilizações universais colidem, o mundo balança, e vidas se perdem. Conseguiremos a paz neste mundo problemático somente quando aprendermos que D’us ama a diferença e também nós devemos fazê-lo.