Estou para dar à luz e mesmo assim, de determinadas maneiras, acabo de descobrir que estou grávida. Realidades colidem e mesmo assim se combinam. Algumas físicas, algumas espirituais, outras emocionais; todas bastante reais.
Meu bebê faz força contra minha pele. Ela está ficando desconfortável num espaço tão apertado. Ela não tem a menor idéia de que ainda vai piorar antes de ficar melhor. Para chegar à liberdade e ter espaço novamente, ela precisará passar pelo túnel mais confinante que jamais existiu.
Durante estes últimos nove meses aprendi muito sobre gravidez. Aprendi que estamos todos grávidos, o tempo todo, apenas em locais diferentes. Talvez não haja um feto de verdade dentro de nós, mas com certeza há uma idéia, um plano, uma meta. Algo que está crescendo, se desenvolvendo e fermentando lá dentro.
Reconhecer onde estamos em nosso processo de nascimento é essencial. Às vezes isso é tão novo para nós que talvez nem saibamos que estamos grávidos. Mas algo não está normal.
Sentimo-nos desconfortáveis, confusos, hormonais. Talvez até nauseados – por vezes bastante nauseados. Estamos sendo levados por algo que não podemos ver, não podemos sentir diretamente, e nem sequer entendemos. Gostaríamos de transmitir o que está acontecendo a outras pessoas, mas não há nada para mostrar, somente algumas células se formando, completamente irreconhecíveis, invisíveis até para a tecnologia mais avançada.
Na altura do início do segundo trimestre, temos uma idéia melhor sobre aquilo que está acontecendo, embora ainda não seja visível ao resto do mundo. De fato, com freqüência esperamos até termos passado por este estágio frágil antes de contar aos outros sobre a nossa condição, exceto para nossa família imediata e amigos mais chegados. Pois tudo isso ainda é instável. Não temos certeza se aquilo que está começando vai durar, muito menos prosperar.
Portanto, quando entramos na segunda fase, permitimo-nos soltar um suspiro de alívio. Já superamos o maior obstáculo. A esta altura, estamos plenamente conscientes de uma vida crescendo dentro de nós. Já foi confirmado por profissionais e até vista ou ouvida por diversas máquinas e equipamentos. Podemos estar começando a criar uma barriguinha redonda. Embora a maioria das pessoas tenha medo de perguntar, já ganhamos algum peso. Estamos nos sentindo melhor, um tanto cansadas, mas ainda muito longe do nascimento, portanto a empolgação não é muito grande.
Com o passar dos meses, começamos a dizer aos outros, e mesmo se não dissermos, todos podem ver por si mesmos. Estamos mais à vontade e confortáveis com nossa nova condição. É bastante real para nós e, indiretamente, para os outros também. Estamos vivendo um processo, e este processo está caminhando na direção correta, mas ainda falta muito. Na verdade, se déssemos à luz neste ponto, esta vida nova não poderia sobreviver. Não está pronta para ser mostrada ao mundo exterior; ainda não se desenvolveu totalmente. Talvez se assemelhe àquilo em que virá a se tornar, mas ainda é muito fraca para existir fora de nosso corpo, mente e alma.
Portanto, esperamos, tentando comer bem e fazer tudo certo para ajudar esta nova vida a florescer. Logo começamos a sentir chutes e movimentos lá dentro. Nossa condição fica cada vez mais aparente ao mundo exterior. Porém somente aquela que carrega esta nova vida em potencial sabe realmente, sente-se realmente conectada e já estabeleceu um relacionamento com alguém a quem ela jamais conheceu. Como se pode explicar este amor pela criatura lá dentro? Como se explica a conexão e o vínculo que se formou, que não pode e jamais será rompido? É impossível. Ninguém jamais saberá o que existe entre vocês dois. Ainda não. Talvez, apenas talvez, depois do nascimento.
Estamos nos aproximando. Estamos chegando à data certa. Estamos no último trimestre. Porém ninguém, nem mesmo o melhor dos médicos, pode prever o momento exato. Alguns se adiantam, outros estão em tempo, outros ainda atrasados. Esperamos. Estamos prontos? Isso importa? Isso está acontecendo. Todos estão ansiosos. Todos sabem que a hora está chegando e logo aquilo que estava oculto vai se revelar. Como será sua aparência? Aquela que estamos esperando?
Imaginando? Corresponderá às nossas expectativas? Nós corresponderemos às expectativas dele?
Queremos tanto trazer esta vida ao mundo. Durante tanto tempo nos preparamos, e finalmente estamos prontos a entrar nessa nova realidade. Estamos prontos a nos separar daquilo que estava dentro e partilhá-lo com os outros. Pois na verdade, não o criamos somente para nós. Isso seria egoísmo, não teria um propósito. Trazemos vida para expressar quem somos, enquanto damos a ela uma oportunidade de ser independente e causar um impacto naquilo que a cerca.
Começam as dores. Ficam mais e mais intensas até que pensamos não suportar mais. Esta nova vida está no processo de deixar o único lar que jamais conheceu. É doloroso, excitante, assustador, inacreditável. Não há como voltar atrás. Chegou a hora.
A primeira coisa que ouvimos é o grito. Ele ressoa na sala e enche a todos com alegria e um amor maior do que pensávamos ser possível. Trouxemos ao mundo uma nova vida, uma nova criatura, e apesar disso, este é apenas o princípio. Não estamos preparadas para deixá-la ir. O cordão umbilical ainda está ligado. Sabemos que precisa ser cortado para que o bebê sobreviva. Ele não se alimenta mais lá dentro; chegou a hora de respirar o ar e crescer no mundo exterior. Termina um processo e o outro começa imediatamente. Existe uma longa estrada à frente.
Agora, finalmente, chegou a hora de celebrar. Demos alguma coisa a este mundo. Fizemos alguma diferença. Acrescentamos. Multiplicamos. Talvez através de nossa arte, nossa escrita, nossa voz, nosso negócio, ou nossas idéias. Talvez fisicamente, trazendo ao mundo um lindo bebê, uma nova geração. Constantemente, sempre, para sempre – estamos num estado de nascimento. E este é verdadeiramente o nosso propósito. Homem, mulher e criança. Fomos criados para criar.
ב"ה
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