Lemos na Torá, na parashá Emor, sobre as festas que estabeleciam o ritmo e a estrutura do ano judaico. Examinando-os cuidadosamente, no entanto, vemos que Sucot é incomu, singular. Um detalhe que tem uma influência significativa sobre a liturgia judaica aparece mais adiante no Livro de Devarim. “Fica contente na tua Festa… Por sete dias celebrarás a Festa ao Eterno teu D’us no lugar que Ele escolher. Pois o Eterno teu D’us te abençoará em toda a tua colheita e em todo o trabalho das tuas mãos, e teu júbilo será completo.: (Devarim 16:14-15)
Falando sobre as três festas de peregrinação – Pêssach, Shavuot e Sucot – Devarim fala sobre “júbilo”. Porém não o faz igualmente. No contexto de Pêssach, não faz referência a júbilo; no de Shavuot, fala sobre júbilo uma vez; em Sucot, como vemos pela citação acima, fala duas vezes. Isso é importante? Neste caso, como? (Foi essa dupla referência que deu a Sucot seu nome alternativo na tradição judaica: Zman Simhatenu, “a época do nosso júbilo”.
O segundo aspecto estranho aparece em Emor. Singularmente, Sucot está associado com duas mitsvot, não uma. A primeira: “Começando com o décimo quinto dia do sétimo mês, após você ter feito a colheita da terra, celebre a festa ao Eterno por sete dias… No primeiro dia você deve escolher frutos das árvores, e folhas de palmeiras, galhos com folhas e salgueiros do riacho, e se alegrar perante o Eterno seu D’us durante sete dias.”(Vayicrá 23:39-40)
Esta é uma referência aos arba minin, as “quatro espécies” – ramo da palmeira, fruta cítrica, murta e galhos de salgueiro – levados e balançados em Sucot.
A segunda ordem é bem diferente: “More em cabanas durante sete dias. Todos os israelitas nativos devem viver em cabanas, para que seus descendentes saibam que Eu fiz os israelitas morarem em cabanas quando os tirei do Egito. Eu sou o Eterno teu D’us.” (Vayicrá 23:42-43)
Esta é a ordem para deixarmos nossa casa e morarmos na habitação temporária que dá seu nome a Sucot: a Festa dos Tabernáculos, cabanas, barracas, um lembrete anual das casas portáteis nas quais os judeus viveram durante sua jornada através do deserto.
Nenhuma outra festa tem este simbolismo duplo. Não apenas as “quatro espécies” e o Tabernáculo são diferentes em caráter; eles são até mesmo aparentemente opostos um ao outro. As “quatro espécies” e os rituais com elas associados são sobre a chuva. Eles foram, diz Maimônides em seu Guia para os Perplexos, os produtos mais facilmente disponíveis da terra de Israel, lembretes da fertilidade da terra. Em contraste, a ordem de morar durante sete dias em cabanas, com apenas folhas por telhado, pressupõe a ausência de chuva. Se chover em Sucot estamos isentos da ordem (enquanto a chuva durar, e no caso de ser suficientemente forte para estragar a comida sobre a mesa).
A diferença vai mais além. Por um lado, Sucot é a mais universal das Festas. O Profeta Zecharyah previu o dia em que será celebrado por toda a humanidade: “O Eterno será Rei sobre toda a terra. Naquele dia o Eterno será um, e Seu nome o único nome… Então os sobreviventes de todas as nações que atacaram Jerusalém irão ano após ano para adorar o Rei, o Eterno Todo Poderoso, e para celebrar a Festa dos Tabernáculos. Se algum dos povos da terra ano for a Jerusalém para adorar o Rei, o Eterno Todo Poderoso, eles não terão chuva. Se o povo egípcio não for até lá tomar parte, eles não terão chuva.” (Zecharyah 14:9, 16-17)
Os Sábios interpretaram o fato de que setenta touros foram sacrificados no decorrer da Festa (Bamidbar 29: 12-34) como referindo-se às setenta nações (o número tradicional de civilizações). Seguindo as pistas em Zecharyah, eles disseram que ‘Na Festa [de Sucot], o mundo é julgado na questão da chuva’ (Mishná, Rosh Hashana 1:2). Sucot é sobre a necessidade universal pela chuva.
Ao mesmo tempo, no entanto, é a mais particularista das Festas. Quando nos sentamos na sucá relembramos a história judaica – não apenas os quarenta anos vagando pelo deserto, mas também toda a experiência do exílio. A sucá é definida como “habitação temporária”. É o símbolo mais poderoso da história judaica. Nenhuma outra nação pôde ver seu lar não como um castelo, uma fortaleza ou arco triunfante, mas como frágil tabernáculo. Nenhuma outra nação nasceu, não em sua terra, mas no deserto. Longe de ser universalista, Sucot é intensamente particular, a Festa de um povo como nenhum outro, cuja única proteção é sua fé nas asas protetoras da Divina presença. É quase como se Sucot fosse duas festas, não apenas uma.
E é. Embora todas as festas estejam relacionadas juntas, na verdade representam dois ciclos bem diferentes. O primeiro é o ciclo de Pêssach, Shavuot e Sucot. Estes relatam a história singular da identidade e história judaicas: o Êxodo (Pêssach), a revelação no Monte Sinai (Shavuot), e a jornada através do deserto (Sucot). Celebrando-as. Reencenamos os momentos mais importantes da memória judaica. Celebramos aquilo que significa ser judeu.
Existe, porém, um segundo ciclo – as Festas do sétimo mês: Rosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot. Rosh Hashaná e Yom Kipur são não apenas sobre judeus e Judaísmo. São sobre D’us e a humanidade como um todo. A linguagem das preces é diferente. Dizemos” “Instila Tua reverência sobre todas as Tuas obras, o temor a Ti em tudo aquilo que criaste.” Toda a liturgia é fortemente universalista. Os “Dias de Reverência” são sobre a soberania de D’us acima de toda a humanidade. Neles, refletimos sobre a condição humana, não apenas sobre a judaica.
Os dois ciclos refletem o aspecto dual de D’us: como Criador, e como Redentor. Como Criador, D’us é universal. Somos todo criados à imagem de D’us, formados à Sua semelhança. Compartilhamos um pacto de solidariedade humana (o pacto Noahida). Somos cidadãos do mundo que D’us fez e confiou aos nossos cuidados. Como Redentor, no entanto, D’us é particular. Qualquer que seja Seu relacionamento com as outras nações (e Ele tem um relacionamento com outras nações: assim insistem Amos e Yeshayáhu), os judeus O conhecem através de Seus atos de salvação na história de Israel: o Êxodo, a Revelação e a jornada à Terra Prometida.
Assim que identificamos os dois ciclos vemos que Sucot torna-se singular. É a única Festa pertencendo a ambos. É parte do ciclo da história judaica (Pêssach-Shavuot-Sucot), e parte da sequência do sétimo mês (Rosh Hashaná-Yom Kipur-Sucot). Daí vem o júbilo dobrado.
As “quatro espécies” representam a universalidade da festa. Simbolizam a natureza, a chuva, o ciclo das estações – coisas comuns a toda a humanidade. A sucá/tabernáculo representa o caráter singular da história judaica, a experiência do exílio e da chegada ao lar, a longa jornada através do deserto do tempo.
De uma maneira não compartilhada por qualquer outra festa, Sucot celebra a natureza dual da fé judaica: a universalidade de D’us e a particularidade da existência judaica. Todos nós precisamos de chuva; somos todos parte da natureza; somos todos dependentes da complexa ecologia do mundo criado. Daí as “quatro espécies”. Porém cada nação, civilização, religião é diferente. Como judeus somos herdeiros de uma história diferente da história de qualquer outro povo: pequenos, vulneráveis, sofrendo exílio após exílio, porém sobrevivendo. Daí a sucá.
A humanidade é formada de nossas semelhanças e diferenças. Como eu disse certa vez: se fôssemos completamente diferentes, não poderíamos nos comunicar. Se fôssemos todos iguais, não teríamos nada a dizer. Sucot junta ambos: nossa singularidade como povo, e nossa participação no destino universal da humanidade.
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