Publicado na BC News Nº 35 - Novembro 2014

Em setembro de 2007 eu estava em Monte Carlo para o casamento de um amigo. Rezei naquela manhã de sábado na sinagoga local e em seguida caminhei até o hotel. Ao entrar, fiquei surpreso com o grande número de seguranças ali presentes. Fui informado de que o ilustre hóspede, Nelson Mandela, estava sentado numa das salas no saguão por onde eu passei. Instintivamente, quis conhecer o importante chefe de es- tado. Perguntei ao guarda se eu poderia entrar para dar uma bênção ao ex-presidente. No mesmo instante, um segundo membro da segurança aproximou-se e perguntou o que eu queria. O primeiro guarda-costas explicou- lhe que eu era um rabino que desejava abençoar Mandela no sagrado Shabat. Eles concordaram em deixar-me ir até ele.

Quando me aproximei, ele sorriu. Eu estava vestido totalmente no estilo Chabad, manto e chapéu negros, e como tinha acabado de sair da sinagoga, o tallit branco e preto estava sobre meus ombros.

Após sermos apresentados, Mandela convidou-me para sentar ao seu lado. Pediu para abençoá-lo e mencionou que ficara comovido por eu tê-lo abençoado no Shabat. Também me disse que apreciara muito quando “seu rabino”, o Rabino Chefe Cyril Harris, o abençoara quando voltou para casa.

Olhando para aquele homem notável, que tinha sofridodurante décadas, lutado pela liberdade e reunido os pe- daços de uma nação partida, senti-me obrigado a fazer- lhe uma pergunta: alguma vez ele teria comparado sua história com a do Yossef bíblico?

Mandela respondeu que sentia uma forte afinidade com Yossef, que fora aprisionado a vida toda, mas encontrou forças e finalmente emergiu para liderar uma nação. Com os olhos tremeluzentes, Mandela riu alto: “Mas eu passei muitos mais anos na prisão que ele!”

Então perguntei-lhe: “É em homenagem ao casaco de Yossef, com muitas cores, que você veste suas camisas coloridas da marca “Madiba”? “Não,” disse ele. “Uso-as para simbolizar meu povo e sua luta, e para representar as lindas culturas e diversas tradi- ções da África”, continuou, tocando o continente africano bordado em sua camisa de seda negra feita sob medida. Conversamos à vontade. Sobre a minha roupa ele co- mentou: “Ver você vestido assim me lembra daquela visita de sábado à sinagoga”. Poucos dias após ser eleito presidente, no Shabat seguinte, em maio de 1994, ele visitou a maior sinagoga da África do Sul, a Congregação Hebraica Green e Sea Point, na Cidade do Cabo. “Seu rabino”, Rabino Chefe Harris, o convidara para comparecer aos serviços matinais.

Mandela contou como tinha se dirigido à multidão apelando à comunidade judaica local para implorar aos seusmembros de família sul-africanos que voltassem para casa para ajudar a reconstruir uma nova África do Sul de- mocrática. Ele assegurou aos judeus que não precisariam temer um Governo de Unidade Nacional e prometeu que juntos seriam bem-sucedidos.

“Na saída, meu motorista entregou-me um presente de uma mulher que tinha ido à sinagoga naquela manhã. Era uma bonita camisa preta, com um desenho colorido de um peixe dourado. Escolhi vesti-la na abertura do Parlamento do nosso novo governo democrático”, relembrou. “Essa mesma mulher (a desenhista sul-africana Desre Buirski) continuou a me enviar camisas. Tornamo-nos bons amigos, e ela desenhou centenas delas para mim, as quais ajudaram-me a levar minha mensagem ao mundo inteiro.” Ele sorriu e acrescentou: “E tudo isso porque fui à sinagoga num sábado pela manhã.”

Levantei-me e agradeci pela generosidade em conceder- me seu tempo. Antes que eu saísse, ele elogiou a aparência tradicional das minhas vestes chassídicas. “Fico con- tente ao vê-lo trajado dessa maneira; você deve sempre orgulhar-se de usar as roupas da fé judaica como um sinal de honra.”

Quando apertei sua mão, ele disse: “Lembre-se, jovem rabino, ao vestir-se com sua roupa legítima, você representa aquilo que a Bíblia diz: todos os seres humanos são filhos de D’us, criados à Sua imagem, independentemente de etnia, cor ou fé.”