Publicado na BCNews julho 2014
Há uma expressão em inglês “the elephant in the room” (o elefante na sala) que se aplica a situações em que uma verdade óbvia é totalmente ignorada. Ela é baseada na ideia de que seria impossível não ver um animal desse porte em um recinto; ou seja, as pessoas fingem não notá-lo para não ter de discutir uma questão delicada.
Todos reconhecem, sabem que algo está muito errado, mas ninguém discute e não há quem ouse manifestar opinião a respeito do modo ostensivo como vêm sendo celebrados os bar mitsvot dos nossos filhos, distorcendo o real significado desse marco tão importante na vida de um judeu.
A começar pelo convite da festa, quase sempre uma cha-mativa obra artística confeccionada em inusitados tamanhos, formatos, materiais e cores, o evento é minuciosamente planejado para superar ou, no mínimo, igualar-se ao anterior. Nada pode faltar: decoração, bufê, brindes, banda de música, show, pista de dança e, é claro; o bar. E nada ou muito pouco de mitsvá.
Teriam razão aqueles que dizem que cada um investe o seu dinheiro como quer, que esse é um assunto que compete somente aos pais decidir? Talvez...
Antigamente, quando a vida judaica era regulada pela comunidade, o rabino, sua autoridade máxima, estabelecia os parâmetros para se festejar brit milot, bar mitsvot e casamentos, justamente para que ninguém gastasse além de suas posses e que os mais abastados não pudessem exibir sua opulência.
Seria essa imposição antidemocrática? Talvez...
Hoje, a pressão social e o medo de desapontar o barmitsvando levam um pai a gastar em um único evento o que ele consegue ganhar em dois anos. Assim como a adoção de uniforme nas escolas tem a função de nivelar as diferenças sociais entre as crianças, creio que seria interessante que os pais também recebessem um norte quanto aos limites da celebração do bar mitsvá de seus filhos. Mas a quem caberia essa tarefa? Ao rabino? À escola?
Antes de decidirmos, poderíamos refletir sobre o que estamos festejando, afinal, quando nossos filhos atingem a maioridade judaica. Justamente na fase em que os hormônios dos meninos estão em ebulição, quando eles mais precisam de orientação, que valores estamos lhes transmitindo? Pensando bem, não haveria razão para comemorar o 13º aniversário de um menino judeu, senão em um contexto religioso. Em nenhuma outra sociedade essa data tem algum significado especial. Já faz bastante tempo, mas lembro-me do meu bar mitsvá como sendo um dos dias mais marcantes da minha vida. Nossa família estava animada, fomos à sinagoga, no 770 Eastern Parkway, onde fui chamado para a Torá pela primeira vez no minyan do Rebe. Depois da reza sentamos num banco simples da sinagoga entre amigos e familiares, e todos ouviram um discurso chassídico que eu havia cuidadosamente decorado. Em seguida, minha mãe repartiu entre os presentes o delicioso pão-de-ló que ela comprara na padaria casher da esquina, e todos brindaram desejando que D’us me ajudasse a crescer como um chassid estudioso e temente a D’us. Ainda para comemorar a data, durante o jantar daquela noite falei sobre a análise que fizera sobre um trecho do Talmud. Estava muito claro para mim que a partir daquele momento eu deixava de ser um menino para entrar no mundo das responsabilidades, onde eu teria de formar minhas próprias opiniões, descobrir o meu propósito na vida, e que isso tudo só viria por meio de muito estudo profundo e diligente.
Anos depois, na noite de sexta-feira anterior ao bar mitsvá do meu filho Mendy, estávamos juntos na mesma sala em que o Rebe me recebera na véspera do meu bar mitsvá. No dia seguinte ele foi chamado à Torá no mesmo lugar em que eu havia sido. Aquilo foi extremamente significativo para nós dois, não por ser “algo diferente”, mas exatamente por ter sido igual. Tenho bons motivos para imaginar que o bar mitsvá do meu neto, se D’us quiser, será bem parecido.
E você, faz ideia de como será o do seu neto?
Da maneira como o bar mitsvá é encarado hoje por uma boa parcela da comunidade, parece-me que o garoto passa um ano de “castigo” tomando aulas para fazer bonito na frente dos convidados e, como recompensa, além de muitos presentes, ganha uma festa de “arromba”. Depois disso, ele só precisa voltar à sinagoga no dia do seu casamento.
Será que há mais alguém que ouse enxergar o “elefante na sala”?
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