Pensei em você hoje, Randy. Já faz algum tempo desde que pensei em você, e sobre quão rapidamente você entrou e saiu da nossa vida.
Hoje está ventando e chovendo, e isso fez-me pensar sobre como eu costumava ver você subindo a rua com seu andador, passando pela nossa casa, na chuva. Eu não conhecia você então, e perguntava-me qual seria a sua história, um jovem, provavelmente não muito mais velho do que eu, aparentemente tão incapacitado. Você sempre dizia “Alô” com sua voz lenta e calma quando me via sentada com meus filhos no quintal. Às vezes quando eu estava dirigindo o carro e via você, perguntava se queria uma carona, mas você sempre recusava.
Foi na Festa de Sucot que nossa família veio a conhecer você. Como emissários de Chabad numa comunidade seleta em Long Island, nossa casa era a única no bairro com uma sucá. Lembro-me bem da noite em que o conhecemos. Era uma agradável noite cálida de Yom Tov, e sentamos na sucá com nossos convidados, cantando e apreciando o feriado. Você parou e disse: “Também sou judeu.” Nós o convidamos a entrar, e durante a sobremesa ouvimos sua história. Você levara uma vida típica de um colegial, até que um dia sua vida foi radicalmente mudada por um acidente de mergulho. Graças a D'us, você sobreviveu, mas sofreu grave dano cerebral e ficou com deficiências físicas. Passou a morar no meu bairro porque estava numa casa de apoio para pessoas com necessidades especiais. Eu via você caminhando todo dia porque tinha um emprego arrumando livros na biblioteca local, um trabalho que você amava e para o qual ia caminhando alegremente mais de um quilômetro todos os dias.
O que realmente me espantou foi sua total falta de amargura pela sua situação, e sua completa aceitação da vida. É difícil descrever, mas havaia em você uma certa serenidade. Em sua vida antiga, você era um universitário com todas as possibilidades à frente. As coisas saíram de outra forma. Mas você não se via como dependente, e não era. Você era um doador. Depois daquele Sucot, você vinha a todo jantar de Shabat, e sempre trazia uma garrafa de vinho casher ou biscoitos casher. Chegou Chanucá, e você gentilmente trouxe presentes e cartões para os meus filhos. Aquilo realmente me comoveu. Você mergulhava no Judaísmo em sua casa, estudava as bênçãos, usava kipá, e até mesmo ia à sinagoga algumas vezes. Era como se a sua alma estivesse esperando pela chance de absorver os mandamentos da Torá.
De repente, recebemos um telefonema do seu colega de quarto, que nos notificou que você estava no hospital em estado grave. Tenho arrepios na espinha até hoje, pensando nisso. Alguns dias depois você se foi.
Lembrar de você e da sua maneira de ser me traz um certo consolo
Você tinha entrado em nossa vida por aqueles poucos meses, e partiu tão depressa. Não achei que foi tempo suficiente. No entanto, ficou dramaticamente claro que houve um motivo para as nossas vidas se entrelaçarem quase ao final da sua vida. Quanto a mim, aprendi muito com a sua coragem, dignidade e acima de tudo, sua profunda felicidade interior e capacidade de se doar.
No seu funeral eu soube que muitos em nossa cidade também ficaram comovidos pela sua vida extraordinária. Eu gostaria de poder dizer que isso me impediu de reclamar. Às vezes, porém, lembrar de você e da sua maneira de ser me traz um certa conscientização. Faz-me reconhecer as muitas bênçãos que tenho em minha vida, e as bênçãos da vida em si mesma.
Você foi alguém que aceitou e abraçou tudo que D'us lhe deu, e usou os desafios para crescer. Nessa noite de quinta-feita, com meus filhos todos aninhados na cama, e digitando num doce silêncio enquanto espero que minhas chalot terminem de assar, sinto-me cônscia das minhas bênçãos. Espero que amanhã, quando estivermos no final do frenesi pré-Shabat e tudo estiver totalmente louco e caótico, eu ainda possa ter esta sensação.
Espero que eu possa ser como você, Randy, sua lembrança deveria ser uma bênção. Você ainda está conosco à mesa do Shabat.
Devorah Weinberg é emissária de Chabad e artista. Mora em Long Island com sua família.
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