Segue-se uma tradução livre de trechos de uma carta do Rebe datada a 25 de Sivan, 5712 (18 de junho de 1952).1
… Pela sua carta eu deduzo que você é engenheiro, embora não esteja claro se seu trabalho envolve a construção de edifícios ou se está no campo da medição de distâncias, áreas ou algo semelhante. Em qualquer caso, o fundamental sobre o acima é a ciência da geometria. E qual é uma das coisas que a natureza desta ciência pode nos ensinar?

A geometria tem as características de uma ciência exata e de uma ciência aplicada. O mesmo é verdadeiro sobre nossa sagrada Torá (lehavdi ad infinitum). Pois embora a Torá seja a sabedoria de D’us – a suprema verdade e exatidão – e "nenhum homem pode avaliar seu valor…e esteja oculta aos olhos de todos os seres viventes,2 mesmo assim, como seu nome implica, Torá (da palavra hora’ah, "instrução"), seu propósito é instruir nossas vidas diárias neste mundo físico e material. Assim, a diferença entre estas duas disciplinas (Torá e geometria) podem nos esclarecer sobre a diferença fundamental e infinita entre a Torá, sobre a qual se afirma "pois é sua sabedoria e entendimento entre todas as nações",3 e a sabedoria e entendimento das nações e também do intelecto da "alma4 animalesca do judeu"5.

Todas as ciências humanas, incluindo as "ciências exatas", são baseadas em axiomas totalmente não-científicos. Pois a ciência, principalmente a exata, aceita apenas fatos provados, ao passo que o axioma de todas as ciências, matemática e geometria incluídas, não são provadas de maneira alguma, portanto uma pessoa está livre para aceitá-las ou rejeitá-las. Isso é mais aparente na geometria, que tem três sistemas diferentes, cada qual baseado sobre alguns axiomas, e os axiomas de um sistema contradizem os axiomas dos outros.

Em outras palavras, nenhuma ciência pode apresentar algo definido a uma pessoa, somente uma série de contingências. Pode apenas dizer: se você aceita um número de axiomas como verdadeiro, e aceita um método específico de dedução a partir deles, os resultados serão tais e tais.

Temos aqui dois pontos: a) É prerrogativa da pessoa aceitar ou não o axioma. b) Também no caso em que ela os aceita, não há nada para obrigá-la a agir de uma maneira consistente com os resultados do método específico. Pois tudo que o método diz é: "Se você agir assim, o resultado será tal e tal." Porém se a pessoa está disposta a aceitar as conseqüências adversas, não há nada que a obrigue a não agir da maneira que deseja. Em outras palavras, a ciência não instrui a vida, mas apenas relata uma seqüência de eventos, sustentando que, segundo a experiência passada, e baseada em determinados axiomas que gostamos de aceitar como verdadeiros, as coisas se desdobrarão de tal e tal maneira.

Nossa sagrada Torá é totalmente diferente. Como sabedoria da Existência Absoluta – ela é absoluta. Seus axiomas, bem como as regras que ditam a maneira pela qual as leis devem ser derivadas desses axiomas, são totalmente verdadeiras. E como essa é a sabedoria do Criador do mundo inteiro, incluindo o homem, fica subentendido que estas leis obrigam a pessoa a agir de acordo com elas, e de nenhuma outra forma.

Este é um dos pontos que você, como cientista, deveria fixar em sua mente: não pode haver refutação da Torá pela ciência, pois a Torá é a verdade absoluta, ao passo que a ciência em si atesta que não é absoluta, mas depende da aceitação voluntária por parte da pessoa de certos dados: que a ciência tem plena licença para estabelecer diversos sistemas contraditórios, todos legitimados pela opção da pessoa de aceitar estes axiomas, como é o caso com os três sistemas da geometria – a Euclidiana, a Lobachevskiana e a Riemaniana...

Notas:

1. Igrot Kodesh, vol. VI, pp. 145-146. Veja também Reshimot #3, pp. 48-49; Licutei Sichot, vol. II, p. 561.
2. Job 28:13, 21.
3. Devarim 4:6; Midrash Rabbah, Eicha 2:17: "Se uma pessoa lhe fala, ‘Há sabedoria entre as nações,’ acredite; ‘Há Torá entre as nações,’ não creia.
4. Veja no Tanya, cap. 1, 6-8.
5. A melhor forma de demonstrar a diferença entre duas coisas é compará-las nos pontos em que são mais semelhantes. Portanto a ciência da geometria, que se assemelha à Torá por ser tanto uma ciência exata quanto aplicada, pode servir como modelo que demonstra a diferença entre a Torá e a sabedoria humana.